Robinson Crusoe e as tecnologias educacionais

A tomada de decisões – “motor” básico de quase toda a simulação – pode levar os estudantes a fazer uma série de perguntas, visando a algumas abordagens que a resolução de problemas implica.

Quando se fala em uso das novas tecnologias na escola sempre surgem as inevitáveis menções às inúmeras carências, de janelas quebradas até os baixos salários dos professores. Sem pretender entrar nessa discussão, pelo menos neste texto, não podemos deixar de apontar que é apenas com o melhor da tecnologia que evitaremos uma clivagem social ainda maior entre a escola pública e a privada (ou entre o Brasil e as nações desenvolvidas). Como disse Seymour Pappert a um interlocutor: “não morda meu dedo, olhe para onde estou apontando”.

Antes de prosseguirmos, vamos conceituar o que é tecnologia. Isto é fundamental numa área onde se cultuam tantos totens tecnológicos, onde se consideram obsoletos dispositivos que sequer tiveram suas possibilidades exploradas, e onde a “culpa” pelo não-uso é sempre da falta de equipamentos melhores.

“Tecnologia é sempre uma questão de cabeça”, aponta o educador Jarbas Barato. Como contraponto a esse conceito podemos mencionar alguns países montados na riqueza do petróleo, que podem comprar os computadores mais potentes, os carros mais velozes, os projetores multimídia mais modernos… mas que não sabem construir ou mesmo consertar qualquer um deles. O inverso disso é Robinson Crusoe, protagonista do clássico de Daniel Defoe, de 1719: de mãos nuas, escapado de um naufrágio, reproduz em sua ilha deserta algumas tecnologias da época, usando apenas seu conhecimento e a vontade de transformar a realidade. Ou seja, não podemos confundir artefatos tecnológicos com tecnologia, geradora daqueles.

Na educação essa distinção é fundamental, pois não há máquina que substitua o professor (e quando isso ocorre é porque o professor o merece). Tecnologia educacional é, por exemplo, usar uma lata de água, um pedaço de madeira e uma pedra para explicar a flutuação dos corpos; apertar a tecla de um vídeo sobre o assunto e deixar os alunos o assistirem passivamente, em contrapartida, nada tem de tecnológico.

Imaginemos um professor de Biologia em sua aula instigando uma pesquisa sobre felinos e seus hábitos. Os alunos ncessitariam pesquisar os animais, suas velocidades em corrida, seus hábitos alimentares, predadores etc. Ao invés das tradicionais redações de “pesquisa”, as informações alimentariam um banco de dados, no computador da sala de aula ou na nuvem. A pesquisa não terminaria aí, pelo contrário, iniciar-se-ia daí em diante. Estimulada pelo professor, a classe levantaria hipóteses – por exemplo, quem corre mais: os felinos de hábitos noturnos ou diurnos? A tabulação no computador, usando planilha eletrônica, apontaria para uma velocidade maior dos felinos de hábitos diurnos e o professor instigaria a discussão sobre o resultado. A classe discutiria a camuflagem natural da noite, a maior importância da velocidade à luz do dia etc.

Um dos tipos de software mais ricos e que permitem, não uma “aula normal para passar conteúdos”, mas sim processos de reflexão e debate, são as simulações. A tomada de decisões – “motor” básico de quase toda a simulação – pode levar os estudantes a fazer uma série de perguntas, visando a algumas abordagens que a resolução de problemas implica:

Análise da situação: O que eu sei? O que preciso saber? Definição de metas e objetivos: O que é mais importante para mim? Como eu quero que a situação se defina? Procura de analogias: Quais são algumas situações semelhantes e quais são diferentes? Como elas se ajustam? Consideração de opções: Quais são as consequências de minhas opções? O que me levará em direção às minhas metas? Enfrentar as consequências: Estou disposto a correr o risco? Estou preparado para gerir os efeitos das minhas decisões? Rever decisões: Aproximei-me mais de minhas metas? Este resultado exige uma ação posterior? Avaliação: Como decidi o que fazer? O que posso aprender através destes resultados? Reaplicação de conhecimentos: Como posso usar este processo novamente? O quanto isto é significativo para minha vida?

Claro que tudo isto não ocorre espontaneamente, e aí entra o papel do professor, encorajando os estudantes a fazerem conexões com eventos externos ao mundo da simulação, descobrindo a ligação entre a situação vivida e os conteúdos curriculares. Existem muitas táticas efetivas que o professor pode utilizar e que podem ser enormemente motivadoras, estimulando processos de transferência:

Encorajar os alunos a dramatizar papéis que tenham diferentes perspectivas, para ver a situação por outros pontos de vista. Elaborar vocabulários (incluindo palavras como objetivos, analogias, prioridades, consequências etc.) que os alunos possam usar em outras ocasiões. Solicitar historietas pessoais que possam servir como analogias úteis e ajudem os alunos a tomar decisões.

É importante não cair nas “armadilhas” que a rotina do ensinar tantas vezes impõe. Dar todo o tempo para as respostas (o silêncio é um grande aliado), pois respostas pensadas, não apressadas, são as metas do pensamento crítico. Encorajar os alunos a explicar como chegaram a suas conclusões, pedindo que eles verbalizem como estão pensando sobre um problema enquanto raciocinam. Essas são algumas abordagens possíveis, mas a principal é usar a imaginação – sempre visando a fazer do ambiente da sala de aula um estímulo que promova uma sensação de prazer pelo uso do intelecto.

🌐 https://vermelho.org.br/coluna/robinson-crusoe-e-as-tecnologias-educacionais/

Esta entrada foi publicada em blog e marcada com a tag , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *