Na res publica, aquilo que é do público, o que é comum a todos, é o sentido básico da organização republicana.
Na sociedade da informação e do conhecimento, a legislação de proteção a direitos autorais e de imagem, patentes e copirraites (sim, esta palavra já está dicionarizada em nosso idioma!) é cada vez mais efetiva, e os valores econômicos envolvidos têm ganhos de escala e de valor cada vez maiores.
Mas vários desses direitos e proteções de propriedade não podem ser reduzidos ao aspecto único do capital imaterial em átomos, porém muito palpável em bits. Ao contrário, os direitos dos setores envolvidos (simplificando: a humanidade) devem ser encarados sob diferentes perspectivas: da sociedade, da cultura do país, dos leitores, dos autores, da área editorial, da educação, da indústria, da política – levando em conta que cada uma dessas perspectivas, já per si, carrega muitas vezes contradições com outros aspectos do problema.
A questão da correta calibração de direitos tem diferentes aspectos a considerar, como a situação e natureza da obra e seu status. Se, por um lado, temos obras com valor específico de mercado, com características próprias de exploração (tais como livros didáticos ou filmes com valor comercial), por outro lado, muitas obras quase não possuem valor de mercado, mas sim valor cultural (livros e filmes esgotados que não encontram interessado em seu relançamento, pequenas tiragens autorais e assuntos não predominantes) que geralmente estão fora de circulação e o público não consegue acesso a elas.
Uma grande conquista dos consumidores no Brasil foi o Código de Defesa do Consumidor. Se um comerciante vende o ingresso para um filme, quem adquiriu tem o direito de ver do começo ao fim essa obra audiovisual. Mas há que se considerar também nesta questão os direitos do público. São direitos diferentes, pois como público eu tenho o direito de ter uma oferta de cinematografia diversificada, de vários gêneros e procedências. Um monopólio com viés concentrador de tipos de conteúdos (na agricultura chama-se isso de monocultura, de soja por exemplo) pode assegurar direitos ao consumidor mas esbulha-os do público, do povo, do país.
Um direito pouco mencionado e muito esquecido é esse, o do público. Na res publica (em latim: coisa pública) aquilo que é do público, o que é comum a todos, é o sentido básico da organização republicana. Promove o fortalecimento da sociedade priorizando a riqueza comum é também entender e lutar pelos Direitos do Público.
Nascida na área do audiovisual, a “Carta de Tabor” ou Carta dos Direitos do Público foi aprovada por unanimidade numa assembleia da Federação Internacional de Cineclubes realizada na cidade de Tabor (na então Tchecoslováquia, hoje República Tcheca), em 1987 – documento hoje mais atual e relevante do que nunca e cuja abrangência de conceitos pode e deve ser trazido para outras áreas, como a literatura, a música, as artes plásticas e outras além do audiovisual.
São estes os 10 itens da Carta de Tabor:
1. Toda pessoa tem direito a receber todas as informações e comunicações audiovisuais. Para tanto deve possuir os meios para expressar-se e tornar públicos seus próprios juízos e opiniões. Não pode haver humanização sem uma verdadeira comunicação.
2. O direito à arte, ao enriquecimento cultural e à capacidade de comunicação, fontes de toda transformação cultural e social, são direitos inalienáveis. Constituem a garantia de uma verdadeira compreensão entre os povos, a única via para evitar a guerra.
3. A formação do público é a condição fundamental, inclusive para os autores, para a criação de obras de qualidade. Só ela permite a expressão do indivíduo e da comunidade social.
4. Os direitos do público correspondem às aspirações e possibilidades de um desenvolvimento geral das faculdades criativas. As novas tecnologias devem ser utilizadas com este fim e não para a alienação dos espectadores.
5. Os espectadores têm o direito de organizar-se de maneira autônoma para a defesa de seus interesses. Com o fim de alcançar este objetivo, e de sensibilizar o maior número de pessoas para as novas formas de expressão audiovisual, as associações de espectadores devem poder dispor de estruturas e meios postos à sua disposição pelas instituições públicas.
6. As associações de espectadores têm direito de estar associadas à gestão e de participar na nomeação de responsáveis pelos organismos públicos de produção e distribuição de espetáculos, assim como dos meios de informação públicos.
7. Público, autores e obras não podem ser utilizados, sem seu consentimento, para fins políticos, comerciais ou outros. Em casos de instrumentalização ou abuso, as organizações de espectadores terão direito de exigir retificações públicas e indenizações.
8. O público tem direito a uma informação correta. Por isso, repele qualquer tipo de censura ou manipulação, e se organizará para fazer respeitar, em todos os meios de comunicação, a pluralidade de opiniões como expressão do respeito aos interesses do público e a seu enriquecimento cultural.
9. Diante da universalização da difusão informativa e do espetáculo, as organizações do público se unirão e trabalharão conjuntamente no plano internacional.
10. As associações de espectadores reivindicam a organização de pesquisas sobre as necessidades e evolução cultural do público. No sentido contrário, opõem-se aos estudos com objetivos mercantis, tais como pesquisas de índices de audiência e aceitação.
Os direitos do público fazem parte dos direitos fundamentais da pessoa humana. Estão previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos desde 1948, onde o artigo 27 afirma que “Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de fruir de seus benefícios”. Também são direitos constitucionais em nosso país, consagrados no artigo 215 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”
🌐 https://vermelho.org.br/coluna/os-desconhecidos-direitos-do-publico/