Máquinas de conversar na escola

A inteligência artificial poderá atrofiar nossas capacidades intelectuais? Tanto quanto as alavancas atrofiaram nossos braços e as rodas nossas pernas.

Com a extrema popularização do ChatGPT (apenas nos primeiros 5 dias, teve mais usuários cadastrados do que a Netflix em 3 anos), que trouxe para o dia a dia de qualquer cidadão, para qualquer estudante com acesso à internet, os recursos de uma inteligência artificial baseada em interação dialogada, como um bate-papo comum está tendo impactos na apropriação dessa tecnologia especialmente na educação, nas escolas.

Quando se iniciaram os primeiros usos da informática na educação, em meados da década de 1980, muitos professores achavam ridículo ou perigoso demais o computador na escola. Quando começou a Internet comercial no Brasil, após algumas experiências de telemática usando BBS e Videotexto, o “perigo” que os educadores enxergavam era o copiar e colar. Agora é a Inteligência Artificial que vem nos desafiar.

Esses desafios atuais não são apenas similares, mas muito maiores. Lev Landau, educador e físico soviético, já dizia que “o conhecimento é como uma esfera que à medida que vai ficando maior, vai tendo cada vez mais pontos de contato com o desconhecido”.

Na educação, são fantásticos os desafios que a IA pode nos trazer, pois acaba de vez com o psitacismo hegemônico nos processos de pseudoaprendizado que, em geral, preponderam nas nossas escolas e na academia – e que obrigará a que repensemos de forma totalmente diferente como fazer a avaliação dos processos de ensino e de aprendizagem.

A excelente recursividade que a iteração dialogada permite e os resultados notáveis que de conversação textual que alcança permite manter diálogos até “chatos” e perfeccionistas, que podem até dar certo prazer sádico na forma de solicitar as adequações à plataforma, mostra as possibilidades do processo de interação criativa que permitem fazer do ChatGPT um excelente Sancho Pança para nossas quixotagens. Uma pessoa até poderia perder a paciência com os processos de refazer inúmeras vezes um texto, mas essa “máquina de conversas” é dotada de uma infinita placitude e obediência, e nunca reclama (a não ser de demandas que eventualmente afetam sua área de restrições, que são várias, definidas pelos algoritmos da curadoria do sistema).

Experimente fazer isso: mande um texto seu e peça um resumo. Sugestões de copidesque (melhorias na redação). Listagem de tópicos ou palavras-chave. Um plano de aulas sobre esse conteúdo. E mil outras coisas que você imagine e possam ser úteis.

E para usar para nos divertirmos um pouco? Veja como se pode fazer um prompt (que é a formulação das demandas) que o faz entrar em “modo RPG”, por exemplo:

A partir de agora, finja ser um jogo de aventura de texto, onde quando eu digitar algo, você responderá ao que acontece na história: “Bem-vindo a um mundo surreal – estilo Monty Python – em um escritório burocrático moderno. Aqui, a economia é regida por regras estranhas, fazendo com que os ricos fiquem cada vez mais ricos. A sociedade tem valores conservadores, mas é extremamente imoral, e o ambiente de trabalho é um labirinto de burocracia e procedimentos. O diretor malvado e aloprado é a figura de autoridade máxima, enquanto sua secretária sedutora e cruel é a rainha do submundo. Você, Senhor Antenor, é um cavalheiro recatado e educado, mas com uma grande inquietude existencial e fantasias libertárias. O escritório tem uma decoração pesada, com retratos antigos nas paredes que parecem sempre vigiar os funcionários. Prepare-se para se aventurar em um mundo absurdo e surreal, onde o humor e o caos andam de mãos dadas.”

Aí você vai interagindo com ele como em um “Text Adventure Game”, dialogando, introduzindo elementos novos, desconcertantes e tal. E ele vai sempre reagindo dentro do mundo e personalidade propostos. Você pode usar isso apenas para se divertir ou para fazer uma atividade com seus alunos ou colegas focando um contexto histórico, sociológico, científico, inclusive em ações de formação sindical ou social.

Claro que sem os devidos parâmetros de políticas de uso (que só são possíveis de serem elaboradas caso se compreenda o alcance da coisa), toda a sorte de utilização indevida poderá ser feita, tanto por estudantes espertinhos quanto por professores despreparados, assim como por gestores despóticos etc.

A Inteligência Artificial, porém, precisa ser melhor estudada e controlada ainda – pois sua utilização juntamente com o BigData e a Internet das Coisas terá um alcance jamais visto em termos dos impactos na sociedade, na segurança pública, na medicina e na saúde, na produção, no poder, na educação e tudo o mais que pudermos imaginar. Uma certeza podemos ter: se há um papel que será cada vez mais importante é o do editor. Ele fará as perguntas, o “design do prompt” e a curadoria das respostas, com sua editoração. Além de analisar os resultados obtidos e adequar os algoritmos para evitar vieses indesejáveis.

A inteligência artificial poderá atrofiar nossas capacidades intelectuais? Tanto quanto as alavancas atrofiaram nossos braços e as rodas nossas pernas. Pra quem sabe imaginar e planejar, podem ferramentas para ir mais longe. Para os inertes e acomodados tudo leva à atrofia… O maior perigo, no entanto, pode ser a postura de uma parte de nossa intelectualidade, numa recusa “neoludita” de perceber os desafios que “Bigdata+AI+IoT” nos trazem e a incapacidade de elaborar e implementar políticas públicas que controlem os poderosos efeitos para nossas vidas.

🌐 vermelho.org.br/coluna/maquinas-de-conversar-na-escola

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