O livro Conectando ideias: desafios da era digital, de Carlos Seabra, é uma coletânea que explora, em diversos artigos, as complexidades da interação entre educação, cultura, tecnologia e sociedade. Desde os impactos na produção e acumulação de capital até a influência das novas mídias na liberdade individual, os textos abordam temas como educação, direitos autorais, inteligência artificial, fake news e o papel do público na era da informação. Com uma abordagem crítica e reflexiva, o livro oferece uma análise profunda sobre os desafios e oportunidades que surgem na interseção entre a evolução tecnológica e as dinâmicas sociais contemporâneas.
Livro em fase final de edição. Em breve anunciaremos qual a editora e o site onde a obra estará à venda.
Versão em inglês para Kindle
Connecting Ideas: Challenges of the Digital Era
Prefácio do livro:
Fazendo frente à revolução digital
Por Ladislau Dowbor *
- “A chamada sociedade da informação e do conhecimento traz consigo impactos sociais capazes de levar a uma transformação maior que a produzida pela Revolução Industrial.” Carlos Seabra
O ritmo de transformação da base científico-tecnológica da humanidade está atingindo um nível vertiginoso. Fazer mais coisas com menos esforço é bom, e voltar para o passado não é uma opção. Mas o desafio principal está no fato que cada nova tecnologia exige novas formas de organização social, novas regras do jogo, e no caso hoje estamos no mundo digital com instituições pertencentes à era analógica. Esta visão, de que o enfrentamento que temos pela frente não é apenas de como utilizar melhor, ou pelo menos entender as novas tecnologias, e sim de uma mudança sistêmica de como nos organizamos como sociedade, está no centro deste excelente pequeno estudo. O que vivemos tem sido qualificado de Indústria 4.0, mas é muito mais do que isto. A revolução digital é tão profunda como foi, em outra era, a revolução industrial. Trata-se de um outro modo de produção.
Esta visão dos impactos estruturantes da sociedade que trazem as novas tecnologias está no centro do estudo de Carlos Seabra. Mais do que um estudioso da área, Seabra é um protagonista no uso dos diversos potenciais, em diversos setores de atividade, o que lhe deu uma compreensão do ciclo completo de enraizamento das novas tecnologias, o aprendizado, a adaptação individual, a mudança organizacional nas empresas, escolas ou na administração pública, o empoderamento e fragilidades que resultam. Do estudo e da aplicação das novas tecnologias é que resulta o caráter eminentemente prático do presente livro. Em vez de traçar uma teoria geral, apresenta em 27 pequenos capítulos os potenciais, dificuldades e impactos em diversos setores de atividade, com exemplos e sugestões.
Mas o efeito da leitura é uma compreensão mais ampla da dimensão dos desafios. “Essas novas formas de apropriação do saber-fazer dos trabalhadores por parte de sistemas automatizados (robôs, inteligência artificial, BigData, Internet das Coisas) levantam questões sobre desigualdade, emprego e distribuição de riqueza na sociedade, uma vez que os trabalhadores humanos podem perder suas fontes de renda e os benefícios da produção que antes eram obtidos através do trabalho, com suas formas clássicas de exploração.” Trata-se repensar “como a riqueza socialmente produzida deve ser socialmente apropriada”. O que acontece no vale-tudo atual, com pessoas ou corporações “com um dispositivo na mão e um preconceito na cabeça”? Não temos como ignorar estamos “deixando escapulir o lado mais podre das pessoas, em geral contido nas amarras sociais.”
Enquanto tantos discutem sobre capitalismo, socialismo, alguns até comunismo e outros “ismos”, conceitos que nos travam em guerras ideológicas do passado, o ritmo avassalador das transformações nos leva a novas realidades, que por sua vez exigem novos conceitos. Estamos “num mundo onde a informação e o conhecimento são, cada vez mais, a principal fonte de transformações da sociedade.” E as formas de apropriação da informação e do conhecimento são essenciais, pois tanto podem nos liberar, na linha dos Creative Commons, como gerar o aprofundamento das desigualdades e da opressão. “As inovações tecnológicas também podem ser usadas, e são, como instrumentos de dominação política, militar e cultural, favorecendo os interesses das potências hegemônicas e das elites econômicas, em detrimento dos países periféricos e das classes populares.”
Entre os aportes mais importantes estão as mudanças no mundo da educação, área que se tornou central nesta era em que o conhecimento, matéria prima do mundo da educação, tornou-se o principal fator de transformação da sociedade. “A chamada sociedade da informação e do conhecimento torna mais complexa e mais essencial do que nunca a aprendizagem, exigindo um novo modelo de ensino.” Seabra cita Lev Landau, um físico e educador soviético: “Quanto menos conhecimentos inúteis colocarmos na cabeça das crianças, mais espaço sobrará para as grandes ideias”. Discutindo inclusive o uso do celular nas salas de aula, o autor busca os potenciais do seu uso criativo.
Eu diria que a riqueza do presente trabalho resulta em grande parte das vivências do autor, que acompanha, e descreve nos curtos capítulos, a possível reorganização da sala de aula, o potencial didático dos jogos, os desafios da produção artística, a riqueza de “uma câmera na mão, uma ideia na cabeça”, a necessidade de rever o conceito de propriedade intelectual, os desafios da inclusão digital, a explosão dos mecanismos de manipulação. Numa transformação sistêmica como a que vivemos, em vez de produzir uma teoria geral em amplo volume, esta descrição precisa de diversas facetas, sugerindo em cada uma quais desafios mais amplos estão surgindo, é profundamente enriquecedora.
E não poderia deixar de mencionar: este pequeno volume se lê de maneira muito agradável. Seabra entende muito do digital, mas escreve como conversa.
* Ladislau Dowbor é economista, professor da PUC-SP e consultor de várias agências da ONU. Os seus trabalhos estão disponíveis online, em licença Creative Commons (acesso integral gratuito no site https://dowbor.org). Ver em particular Da propriedade Intelectual à Economia do Conhecimento, https://dowbor.org/2009/11/da-propriedade-intelectual-a-economia-do-conhecimento-outubro.html