Ao Gabinete de Transição Governamental, Grupo Técnico VII – Cultura

Pauta 2023-2026

O presente documento elaborado pelo Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros, intitulado Pauta 2023-2026 e endereçado ao Grupo Técnico VII – Cultura, do Gabinete de Transição Governamental, visa subsidiar o mesmo para o pleno cumprimento de seus desígnios.
Este conta com duas partes: resumo histórico das recentes políticas públicas do governo federal para o cineclubismo (2003-2022) e demandas do movimento cineclubista nacional organizado para o período 2023-2026.

O Conselho Nacional de Cineclubes – CNC, fundado em 26 de maio de 1962 e reestruturado como Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros – CNC , em 13 de julho de 2006, é uma entidade cultural com ênfase no audiovisual, organizada sob a forma de sociedade civil, com personalidade jurídica sem fins lucrativos e sem cunho partidário ou religioso, representativa dos cineclubes brasileiros, regendo-se pela legislação em vigor e por seu Estatuto. Reúne, sob forma associativa, os cineclubes brasileiros filiados diretamente ou através de suas entidades federativas ou equivalentes.

Cada entidade representativa estadual ou equivalente, por sua vez, reúne os cineclubes
correspondentes a um Estado, Território ou Distrito Federal. Os cineclubes são regidos pelo Artigo 5o, Parágrafo Único, da Lei 5.536, de 21 de novembro de 1968 e pela Instrução Normativa no 63 de 02 de outubro de 2007 da Agência Nacional de Cinema – ANCINE.

Terezinha Lucia de Avelar
Presidenta do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros


1 – Resumo histórico das recentes políticas públicas do Governo Federal para o cineclubismo (2003-2022)

O primeiro Governo PT/Lula (2003-2006), através da SAv/MinC, colaborou para a rearticulação nacional do movimento cineclubista organizado com o financiamento continuado das Jornadas Nacionais.

As Jornadas Nacionais são a instância de deliberação do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros – CNC, e têm o objetivo de avaliar o período anterior e estabelecer novas diretrizes para o ano seguinte, envolvendo todos os cineclubes filiados ao CNC. Suas atividades foram interrompidas em 1968 devido ao AI-5 e reorganizadas em 1974. Novamente interrompidas em 1989, em função do contexto social da época, e rearticulados em 2003 e 2004. Desde então as Jornadas passaram a ser realizadas a cada dois anos. Assim, com apoio estatal, foram realizadas:

2003 – 24ª Jornada Nacional de Cineclubes – Brasília/DF
2004 – 25ª Jornada Nacional de Cineclubes – São Paulo/SP
2006 – 26ª Jornada Nacional de Cineclubes – Santa Maria/RS

Também foram apoiadas Pré-Jornadas Nacionais, realizadas em anos entre uma Jornada Nacional e outra, para reavaliação da condução das políticas do movimento, e que contam somente com a Diretoria do CNC, seu Conselho Consultivo e lideranças
estaduais.

Em 2006, foi lançado edital para promoção do cineclubismo: 100 contemplados receberam equipamentos de projeção audiovisual e som. No mesmo ano, é criada a Programadora Brasil, difusora de filmes brasileiros empacotados em DVDs destinada a atender exibidores sem fins lucrativos (cineclubes, dentre outros).

O segundo Governo PT/Lula (2007-2010), em 2008, criou a ação Cine Mais Cultura para a expansão do parque cineclubista brasileiro. Através de editais eram fornecidos equipamentos de projeção audiovisual e som, filmes do catálogo da Programadora Brasil, além de oficinas de capacitação cineclubista sob responsabilidade do CNC (conforme estabelecido em termo subscrito por esta entidade, a SAv/MinC e a Sociedade Amigos da Cinemateca – SAC).

Até dezembro de 2010, foram constituídos 1.042 cineclubes, em 682 municípios (12% do total de municípios brasileiros), sendo 790 destes (76%) fora das capitais, especificamente 323 (33%) em cidades com até 20 mil habitantes. Houve apoio governamental a duas novas Jornadas Nacionais, sendo que a 2010 foi a primeira a experimentar a presença de contemplados da ação Cine Mais Cultura (contemplados dos editais de 2009):

2008 – 27ª Jornada Nacional de Cineclubes – Belo Horizonte/MG
2010 – 28ª Jornada Nacional de Cineclubes – Moreno/PE

O movimento cineclubista organizado esteve presente nos diversos âmbitos dos debates da Função Social dos Direitos Autorais promovidos pelo Ministério da Cultura. Sendo uma atividade sem fins lucrativos, de promoção da cultura e da cidadania bem como de valorização dos laços comunitários, a prática do cineclubismo, por muitas vezes, (1) se vê ameaçada por cobranças (pela música inserida nos filmes) advindas do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – Ecad e (2) impedida de realizar sessões pela não liberação (pelos detentores de direitos) de filmes que, em sua imensa maioria, só puderam ser realizados, pois subsidiados por recursos públicos (sejam eles através de editais resultantes de verba orçamentária, de leis de incentivo ou de fundos como o Fundo Setorial do Audiovisual – FSA a partir da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – Condecine).
O primeiro Governo PT/Dilma (2011-2014), logo em 2011, encerrou os debates sobre a Função Social dos Direitos Autorais com a retirada da Consulta Pública em andamento promovida pelo Ministério da Cultura. Desta forma, o cineclubismo sofre, até hoje, com as mesmas inseguranças, obstáculos e impedimentos. A mesma administração não forneceu os equipamentos e benefícios aos contemplados de diversos editais estaduais e municipais do Cine Mais Cultura lançados em final de 2010.

Entre 2011 e 2012, este governo encerrou as ações da Programadora Brasil, do Cine Mais Cultura, além do Olhar Brasil – Núcleos de Produção Digital. Foi impossível ao CNC ter contato com os novos cineclubes devido à falta de recursos financeiros, equipamentos necessários e informações cadastrais que estavam centralizados nas equipes ministeriais destas ações. Desta forma, o imenso e inédito parque exibidor cineclubista resultante de demandas de políticas públicas do movimento nacional organizado surgiu desagregado desse mesmo movimento.

Outro fator que se somou ao âmbito geral de retrocessos foi o apoio federal a um único encontro nacional, a 29ª Jornada Nacional de Cineclubes – Salvador/BA, em 2015, com parcos recursos, sendo o de menor número de participantes desde 2003. Dois anos antes, em 2013, o movimento cineclubista organizado, de forma autônoma, promoveu um encontro eleitoral, com reduzidíssimo número de participantes, a fim de manter sua regularidade administrativa.
O segundo Governo PT/Dilma (2015-2016), abreviado pelo golpe de 2016, não esboçou reativar qualquer política pública encerrada em seu período anterior. Assim, a esfera executiva federal acumulava junto ao movimento cineclubista organizado seis anos de desmonte de ações e/ou não atendimento à retomada de suas pautas.

Os governos que se sucederam entre 2016 e 2022 colocaram por terra todo o âmbito institucional da Cultura no governo federal e, por conseguinte, não foi feito nenhum gesto em favor das áreas artística e cultural. Neste período, o CNC e as entidades cineclubistas estaduais moveram-se pelo restabelecimento da normalidade democrática, o que se fez pelo enfrentamento público. Contando exclusivamente com o enorme esforço e comprometimento de suas bases, o CNC conseguiu realizar sua 30a Jornada Nacional de Cineclubes, em 2019, em Viçosa/MG, e uma Pré-Jornada Nacional de Cineclubes, em 2022, em Cachoeira – BA. Nutrido de forte sentimento de resistência, os encontros sustentaram a regularidade institucional da entidade.

2 – Demandas do movimento cineclubista nacional organizado para o período 2023-2026

A) Garantias ao ambiente democrático de liberdade de expressão e manifestação em consonância à segurança da população e desmilitarização da vida civil.
– Revogação da lei antiterrorismo (12.850/2013);
– Alteração do Artigo 142 da Constituição Federal para limitar a atuação das Forças Armadas à defesa externa;
– Desmilitarização da segurança pública;
– Revogação de todas as leis e atos que facilitam o acesso a armas atrelada a uma ampla ação para desarmamento da população civil;
– Substituição imediata por civis de todos os militares que ocupam cargos de natureza civil na administração pública federal;
– Revogação do decreto 10.004/2019, acerca do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares.

Ao contrário dos demais segmentos do cinema, o cineclubismo não se dá a portas fechadas, mas sim através do contato e da participação direta da comunidade, com exibições em bibliotecas, museus, ONGs, clubes, estabelecimentos de ensino, praças, quadras esportivas, pistas de skate, debaixo de viadutos, muitas vezes promovido por grupos de mulheres, comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, ciganos/as, assentamentos, LGBTQIAN+, grupo PcD (Pessoas com Deficiência), dentre outros locais, territórios e grupos sociais, ou seja, em graves situações de exposição à violência.

B) Retomada da capacidade institucional de desenvolvimento social.
– Revogação de todas as leis referentes à responsabilidade fiscal; ao teto de gastos; ao orçamento secreto; à legalização da terceirização; e às contra reformas da previdência, trabalhista e do ensino médio;
– Reestatização de empresas públicas (privatizadas de forma direta ou indireta através de planos de desestatização, PPPs, PPIs e OSs) como Vale, Embraer, CSN, Eletrobras, Petrobras, a rede do SUS, dentre outras; além da revogação da lei das estatais (13.303/2016);
– Revogação de todas as leis que impedem que os Estados tenham seus bancos públicos;
– Estabelecimento do Regime Progressivo de Imposto de Renda; além da taxação de lucros e dividendos de grandes empresas; de transações financeiras; de grandes fortunas e heranças; e de bens de consumo de luxo;
– Retomada dos programas de emprego e renda; moradia; alimentação etc.

Todos os segmentos do cinema podem ser desenvolvidos de forma voluntária ou profissional (a possibilidade de venda da força de trabalho no mercado), exceto o cineclubismo. Atividade não comercial, o cineclubismo é o primeiro no âmbito do cinema a se ressentir do desemprego, da informalidade, da terceirização, da carestia, de ajustes fiscais, de medidas contra direitos sociais, uma vez que as pessoas que organizam os cineclubes não recebem ou não são apoiadas para tal função.

C) Restauração e expansão do ambiente institucional da Cultura
– Prorrogação e Execução imediata da Lei Paulo Gustavo (LCP 195/2022) e da Lei Aldir Blanc 2 (Lei 14.399/2022);
– Retorno do Ministério da Cultura (e de sua Secretaria do Audiovisual) com orçamento comprometido exclusivamente com verbas discricionárias e com o Fundo Nacional de Cultura (FNC), assim sendo, com consequente fim das Leis de Incentivo (Rouanet e Audiovisual);
– De forma imediata, 2% do orçamento para o MinC. No curto prazo, comprometimento com a aprovação da PEC 150/2003;
– Estabelecimento de 26.750 Centros Populares de Cultura em todo o país: 1 para cada 8 mil habitantes (214 milhões/8mil). Espaços multiuso que abrigam a produção e o acesso a todas as expressões artísticas e culturais (cinema, teatro, dança, literatura, música, rádio, fotografia), além de biblioteca;
– Retomada do programa Luz para Todos e do Programa Nacional de Banda Larga;
– Fortalecimento e expansão da Empresa Brasileira de Comunicação – EBC, com sua programação comprometida com a promoção e a produção do Centros Populares de Cultura, grupos artísticos e culturais, além da aproximação com as culturas dos povos latino-americanos, africanos e lusófonos;
– Revisão das concessões de rádio e televisão, mediante processo popular;
– Fim da paridade de votos entre representantes de governo e agentes artísticos e culturais em todas as instâncias consultivas, normativas e deliberativas;

É imprescindível a disputa de corações e mentes através da expansão e do aprofundamento de garantias de direitos, fomento e expansão de produção e acesso à cultura, ao audiovisual e à cultura cineclubista. Para além da materialidade da vida de agentes culturais, de agentes do cinema, e de cineclubistas, as garantias de direitos, fomento, produção e acesso, dizem respeito a toda nação.

D) Universalização do Cinema e do Audiovisual
– Cumprimento do Artigo 215 da Constituição Federal que afirma que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais”;
– No Cinema e no Audiovisual, “o pleno exercício dos direitos culturais” só pode ser alcançado através da universalização de práticas, fazeres e saberes de todos os segmentos, sobretudo dos historicamente secundarizados: o cineclubismo, a formação livre; o ensino formal e o aprimoramento técnico; a difusão; os festivais e mostras locais e de pequeno porte; a produção de curta e média duração; os formatos de documentário e animação; a pesquisa; a crítica; a
preservação; as TVs Culturais, Universitárias e Comunitárias;
– Considerando que quase a totalidade do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) advém da taxação do “Serviço Móvel Pessoal”, serviço de telecomunicações móvel terrestre de INTERESSE COLETIVO que possibilita a comunicação entre Estações Móveis e de Estações Móveis para outras estações, o referido fundo deve ser compartilhado entre todos os segmentos do cinema e do audiovisual brasileiros;
– Atuação enérgica do novo governo para garantir tanto que as empresas de telecomunicações paguem a Condecine, que atualmente tramita em litígio no TRF-1, quanto que este tributo seja restituído ao Projeto de Lei Orçamentária Anual referente ao ano 2023;
– Tributação das plataformas de Vídeo OnDemand (VOD);
– Assento a todos os segmentos do cinema e do audiovisual brasileiros (60% das
cadeiras), representantes de sindicatos de grandes categorias não ligadas à Cultura e de movimentos sociais que representam os interesses de grupos sociais historicamente subalternizados (30% das cadeiras) e representantes de governo (10% das cadeiras) no Conselho Superior de Cinema (CSC), no Conselho Consultivo da Secretaria do Audiovisual (SAv), e no Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA);
– Regulação da exibição de longas-metragens nos estabelecimentos comerciais de cinema. Estabelecimento de limite máximo de “cópias” de um mesmo filme, seja nacional ou estrangeiro, sendo exibido simultaneamente nas salas comerciais de cinema (até 10% do número total de telas no país). Aumento da tributação da Condecine conforme maior número de “cópias” em circulação. Conforme OCA/Ancine, dos 2.095 longas-metragens lançados comercialmente entre 1995 a 2021, um total de 50% (1.047 filmes) foi em até 11 salas.
– Implementação da Lei do Curta nos estabelecimentos comerciais de cinema;

O cineclubismo, assim como todas as outras atividades do cinema e do audiovisual que não sejam a produção de longa-metragem para exibição comercial, foi alijado de políticas sólidas e permanentes de fomento. Ao longo do tempo, isto produziu uma profunda dissociação entre o que é produzido no país e o povo brasileiro. Para reversão da situação atual, é imprescindível o fomento robusto a todos os segmentos do cinema e do audiovisual brasileiros acompanhado de uma reconfiguração do mercado interno.

E) Cineclubismo
– Financiamento de Jornadas Nacionais de Cineclubes nos anos de 2023 e 2026: encontros nacionais que devem contar com a participação de todos os cineclubes
filiados ao Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros;
– Financiamento de Pré-Jornadas Nacionais de Cineclubes nos anos de 2024 e 2025, encontros nacionais que devem contar com a participação da Diretoria e do Conselho Consultivo do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros, além de 3 representantes destacados por federação/associação cineclubista estadual ou distrital ou, na ausência destas, por 3 representantes de diferentes cineclubes eleitos por cada movimento local;
– Financiamento anual de Jornadas Estaduais/Distrital de Cineclubes;
– Estabelecimento de 26.750 cineclubes em todo o país: 1 cineclube para cada 8 mil habitantes (214 milhões/8 mil);
– Construção de rede social virtual de cineclubes;
– Apoio logístico e financeiro ao Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros e às federações/associações estaduais/distritais para acompanhamento, auxílio, manutenção e fortalecimento de cineclubes;
– Disponibilização imediata na internet em alta qualidade e sem marca d’água de todas as obras e acervos já digitalizados que pertençam à União ou a ela licenciados bem como os em domínio público; continuidade de digitalização e disponibilização das obras e acervos que venham a pertencer à União e, no curto prazo, digitalização e disponibilização de 100% das obras e acervos artísticos e culturais de órgãos públicos federais;
– Construção de repositório virtual online único no qual cineclubes e Centros Populares de Cultura poderão ter acesso a todas as obras digitalizadas e disponibilizadas citadas nos itens anteriores em closedcaption, libras e audiodescrição;
– O Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros está de
acordo e apoia o Plano Nacional de Preservação Audiovisual aprovado na Assembleia Geral Ordinária da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA) em 27/6/2016;
– É igualmente fundamental que se estabeleça uma legislação que garanta explicitamente a isenção do cineclubismo de toda e qualquer forma arrecadatória
do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD);
– A Lei 13.006/14, deve ser regulamentada de forma a garantir a escola como um espaço de convergência da comunidade escolar e de seu entorno através do cineclubismo. Neste sentido ela deve ser inserida no plano político pedagógico e cumprida através da ação conjunta de funcionários administrativos da escola, professores, alunos, pais de alunos, comunidade e cineclubes filiados ao CNC e suas instâncias representativas em atividade poderão estabelecer parceria e intercâmbio com as escolas para cumprimento da Lei.
– Assento a representante do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros no Fórum Nacional de Educação (FNE-MEC) e no Conselho Nacional de Educação (CNE-MEC).

Belo Horizonte, novembro de 2022
Diretoria Gestão 2019-2023

Sobre Tetê Avelar

Ex-Presidenta do CNC
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