O CUSTO DA VERDADE

Se os superlativos absolutos sintéticos existem é para serem usados. Não há pois evitá-los quando estamos diante de um livro como Repórteres, trabalho que merece pelo menos dois deles: originalíssimo e oportuníssimo.

Quanto a originalidade, imagine-se que algum veterano jogador de futebol, dos mais reconhecidos como Pelé, Garrincha, Jairzinho, Zico, Sócrates tantos outros, tivesse a iniciativa de montar a seleção brasileira de todos os tempos ou, já que muitos se foram, pelo menos a das últimas décadas. Resultaria não só num super dream team, teoricamente muito melhor que qualquer equipe em atividade, mas também numa rica e rara troca de experiências quanto a esquemas táticos, estilos de jogo… Imagine-se então que os craques não seriam chamados a jogar mas a contar algumas de suas estórias mais marcantes em torno de suas mais celebradas partidas. Interessante? Interessantíssimo.

Pois é mais ou menos isto o que ocorre com o livro do qual estamos tratando. Aí estão textos de Audálio Dantas (também organizador do livro), Caco Barcelos, Carlos Wagner, Domingos Meirelles, Joel Silveira, José Hamilton Ribeiro, Lúcio Flávio Pinto, Luiz Fernando Mercadante, Marcos Faerman, Mauro Santayana e Ricardo Kotscho a contarem cada um a estória de uma ou mais de suas mais consagradas reportagens; vicissitudes, aventuras, venturas e desventuras por trás daquilo que nos foi dado a ler na ocasião.

Muitos certamente se recordam das principais reportagens que marcaram a carreira destes repórteres, de sua repercussão e até dos muitos prêmios que ornamentam suas estantes. Vai agora o que poucos sabem, como cada uma delas foi feita, o método de investigação de seus autores, a frenética busca da boa informação e principalmente de sua confirmação através de fontes e meios confiáveis e quanto isto custou de tempo e trabalho na incessante, às vezes infindável pesquisa. Verdadeira enciclopédia para os novatos, estão no livro as artimanhas usadas para contornar obstáculos aparentemente intransponíveis na busca do fio da meada que atava duas ou três pistas que, solitárias, não passavam de pistas.

E ponham-se obstáculos nisso. Principalmente se nos lembrarmos que muitos de seus trabalhos foram realizados no período militar, censura plena,  ninguém abrindo o bico e, tudo constatado, tudo checado e confirmado, mutila-se a matéria, dela se tira o mais picante, o essencial muitas vezes. Ou não se publica. Ora porque a censura prévia não deixa; ora porque a autoritária Lei de Imprensa do período vocifera ameaças; ora ainda porque os donos do jornal tem seus medos. Ou interesses, sabe-se lá…

Vem daí, portanto, outra impressão que colhemos do livro. É um libelo pela liberdade de expressão e denúncia de sua negação. Ontem ou hoje. E de outras atrocidades que assolaram e ainda assolam o povo desta terra. Desvelam os autores, cada um a seu modo, as mazelas que vitimam os cidadãos e a cidadania: violência, miséria, corrupção, impunidade, escamoteação de conflitos, o sorriso amarelo ou cínico das meias verdades, meias mentiras com que as autoridades as distilam diariamente sobre nós.

E o fazem as autoridades através da mídia, fato que exige maior atenção. Finda a censura oficial, a imprensa se impõe como a mais acreditada das instituições, como o comprovam as pesquisas de opinião. Isto confere ao profissional de comunicação – e, conseqüentemente ao repórter – senão poder, inquestionável prestígio. Ocorre que, se no período ditatorial quase todos enfrentavam juntos a censura, comum e escancarado inimigo, hoje o bom repórter enfrenta, às vezes solitário, um inimigo mais tinhoso da verdade, sutilmente travestido em “pensamento único”. Sob a vigência deste não há livre pensar, cerceados que somos pelo excesso de informações pautadas menos para o esclarecimento que para o convencimento. Atolados pelas mesmas informações, pelas mesmas interpretações, o público é objeto de um futuro e falso consenso a favor das políticas que interessam aos poderosos de sempre.

Isso faz ressaltar a diferença entre o repórter e o homem de comunicação em geral, ainda que este seja continente daquele. É que o repórter busca a verdade enquanto os demais, pautados por seus chefes e pela imensa e nem sempre racional burocracia das redações, esmeram-se na prática do já denunciado convencimento. Bolinam-se com o publicitário a ponto de quase se confundirem com este.

A leitura atenta de Repórteres salienta a distinção acima. E acrescenta que a busca da verdade completa-se no compromisso de ter o homem – e sua vontade – como agente da História. Daí o faro “das pessoas que perguntam” para a busca daquilo que poderá ser História. Este é o caso de Caco Barcelos ao investigar um conflito entre índios e posseiros, ambos pobres e vítimas da exploração, que redundaria bem mais tarde no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Diferente do historiador que busca compreender fatos do passado de reconhecida importância, o repórter investiga hoje aquilo que poderá ser objeto do historiador amanhã.

Como num jogo, às vezes acerta, às vezes erra.

E, no intuito de mais acertar vai o repórter à procura do socialmente relevante deixando para o cronista social as futricas de limitado interesse, assim como deixou para seus demais colegas comunicadores a divulgação da propaganda disfarçada em notícia. Daí que a busca da verdade é quase sempre forma de se fazer justiça. Ou, pelo menos, de indignar-se e indignar aos outros pela denúncia da injustiça, coisa infelizmente tão abundante em nosso meio. Neste afã, transfigura-se o “fazedor de perguntas” em fazedor de história. Ao lançar luzes, com a objetividade possível e a paixão indispensável à boa reportagem, sobre acontecimentos distantes, exóticos ou desconhecidos, realçando-lhes detalhes reveladores, o repórter contribui para transformá-los em História. Esta não haveria sem o indispensável registro.

Canudos não seria Canudos como o conhecemos hoje sem o hercúleo trabalho de Euclides da Cunha. E, nem este seria o mesmo sem o guerreador arraial perdido na caatinga, caso não raro em que obra e autor quase que se confundem. Conclui-se, portanto, que bons repórteres como esses que o livro nos apresenta trazem no olhar, nas rugas, na alma as marcas das histórias que viram, contaram e ajudaram a fazer. Trazem-na às vezes no mutilado corpo, como é o caso de José Hamilton Ribeiro, quem perdeu uma das pernas como correspondente de guerra no Vietnã, triste atestado dos muitos riscos a que estão sujeitos os repórteres.

Aos riscos se sucumbe ou sobrevive. Na primeira hipótese não haveria o que contar. Na segunda, entretanto, quem por eles passou teve a mais radical das experiências, aquela que se situa no limite entre vida e morte. E delas está o livro repleto de exemplos, aventuras que fariam dos filmes de Indiana Jones meros contos de fada. Basta imaginar as vicissitudes que acometem um correspondente de guerra, quem para ambos os contendores pode ser um suspeito: nem sempre fala a língua das pessoas que entrevista e com as quais mal convive; não raro se põe na perigosa linha do fogo cruzado, sendo jogado para lá ou cá conforme as circunstâncias, as medidas de segurança, etc. E, certamente o pior, cobram-se-lhe posições. Afinal dentre as paixões de vida ou morte que uma guerra desencadeia não há clima para a amena neutralidade. Cobra-se do repórter a assunção dos pontos de vista do lado em que ele geográfica e circunstancialmente se encontra.

Por isso as experiências narradas pelos correspondentes de guerra são um dois pontos fortes do livro. Entre elas, as descritas por Joel Silveira durante a  Segunda Guerra Mundial; por Audálio Dantas numa aparentemente insana “guerra do futebol”  entre Guatemala e Honduras; além do já citado Hamilton Ribeiro no Vietnã.

Situam-se no mesmo diapasão a invasão da Checoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia em 1968, analisada por Mauro Santayana, além das  inúmeras guerras civis que estes repórteres, a exemplo do mestre Euclides, descreveram. Inclui-se entre elas algumas absurdas situações que as ditaduras – e os crimes comuns que elas acobertam – ensejam para repórter eventualmente transformado em testemunha, como ocorreu a Domingos Meirelles no Paraguai, estória de dar inveja a qualquer filme de espionagem.

Não se esgotam em guerras ou ditaduras as experiências narradas no livro Repórteres. Ou, vá lá, talvez se esgotem se considerarmos a guerra surda e sempiterna entre oprimidos e opressores principalmente quando esta se expressa sob suas formas mais brutais como o assassinato, a impunidade, a corrupção, a ameaça ou sumiço de testemunhas, a apropriação de territórios indígenas, a exploração da prostituição infantil, entre outras.

Para além de tão marcantes experiências, os repórteres autores do livro nos remeterão à uma profunda reflexão sobre as mesmas e, ao fazerem uma espécie de meta reportagem, ao próprio papel da imprensa nos tempos de hoje.

Isto justificaria o segundo superlativo a que nos referimos no início, o de que o livro é oportuníssimo.

Move-se o bom repórter pela busca do novo, do inusitado, do outro lado da história oficial; move-se, enfim, pela idéia talvez ingênua de que a verdade a ser descoberta e mostrada ao mundo porá fim às injustiças que o indignam. Bem diferente, portanto, do jornalismo burocrático e apalermado, oficioso e dominante a que cotidianamente somos submetidos, aquele que como já dissemos é movido pela lógica do convencimento.

Se há outro lado, não há pensar único.

O que nos mostra a televisão e a maioria dos jornais é o conto de fadas só travestido para conseguir credibilidade e, assim, eventualmente temperado com chocantes estórias nas quais o lobo mau é aquele que desserve ao projeto dominador. Daí a colagem de press releases, a pauta preestabelecida, idêntica em todos os veículos, inclusive nos menores detalhes do escândalo de plantão. Idêntica sobretudo na linguagem, esta ora presa ao mesmo e padronizado modo de narrar.

O padrão hodierno de redação jornalística, que já ensejou inclusive manuais, a todos impõe a linguagem chamada enxuta, de fácil digestão, o que somente contribui para o empobrecimento da mesma, aprisionada esta ao vocabulário reduzido, à sintaxe e à semântica previsíveis, às figuras de linguagem mais próximas do lugar comum.  Assim algemado o estilo, rompe-se a tradição, senão universal ao menos brasileira, da redação literária, do jornalista escritor que tantos gênios da literatura nos revelou, de Machado de Assis a Guimarães Rosa, de Euclides da Cunha a Graciliano Ramos, de Monteiro Lobato a  Nelson Rodrigues, e por aí vai…

Na contramão dessa perniciosa tendência, os textos apresentados em Repórteres recuperam a saudável tradição. Aos saborosos ingredientes que cada um destes artesãos da notícia nos oferece, acrescentam-se os molhos, o modo de preparar o prato e apresentá-lo aos comensais, o característico e sempre admirável estilo de quem, na melhor escola, aprendeu a arte de contar histórias.

Pensamento e linguagem únicos não combinam com liberdade; ao contrário constituem a essência de um novo totalitarismo imposto pelo poder que se concentra.

A liberdade se expressa principalmente através da linguagem. E segue pelo compromisso com a verdade que virá à tona graças à obstinação que por ela nutrem profissionais como os autores de Repórteres, livro que, pelas qualidades apontadas e outras que o leitor haverá de pinçar, alçam-no à categoria dos de leitura indispensável, tanto para estudantes e profissionais de jornalismo, como para todos os que cultivam a liberdade de expressão como basilar princípio da democracia e da civilização

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“Caio Prado Júnior — Uma Biografia Política” – Bernardo Pericas

O historiador Luiz Bernardo Pericás conseguiu o que parecia impossível, dada a moda das hagiografias: escreveu uma biografia extraordinária de um historiador que, de alguma maneira, também era um pensador do Brasil, na seara de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro e Raymundo Faoro. “Caio Prado Júnior — Uma Biografia Política” (Boitempo, 485 páginas) é um estudo exaustivo e de clareza ímpar da trajetória política e intelectual de Caio Prado Júnior.Caio Prado-Pericás

Pós-doutor em ciência política, Luiz Bernardo Pericás faz, por assim dizer, uma biografia amorosa — o que não quer dizer sentimental — de um intelectual notável e um homem de mérito. Expõe suas virtudes políticas e de pesquisador, exibindo também suas contradições, em profunda conexão com o contexto em que viveu o autor dos clássicos “Formação do Brasil Contemporâneo” — em boa hora reeditado pela Companhia das Letras — e “Histórica Econômica do Brasil”.

Não se trata de uma biografia “do contra”. Mas o autor não se furta a publicitar as contradições do autor, identificando e distinguindo, milimetricamente, o historiador rigoroso e o militante político. Luiz Bernardo Pericás mostra que havia, em Caio Prado Júnior, a tentativa de unir o pesquisador criterioso — que não falsificava a história para torná-la instrumento político da ação imediata — e o militante político do Partido Comunista Brasileiro (PCB). O balanço do biógrafo é amplamente favorável: Caio Prado Júnior era um intelectual e um militante político de rara decência e, ao mesmo tempo, competência.

Homem de família riquíssima, de porte aristocrático, Caio Prado Júnior optou por se envolver politicamente com a esquerda. Foi político, intelectual, militante, editor de livros. Mas nunca um tarefeiro manipulável, ao estilo de Marilena Chauí (que, como filósofa, tem inegáveis méritos, sobretudo como explicadora de Espinosa). Tanto que era visto com reserva pelos camaradas.

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Carlos Marighella: a chama que não se apaga

marighella-3Carlos Marighella era um sonhador com os pés no chão e a cabeça no lugar. E ele ainda desafia os seus perseguidores. Texto de Florestan Fernandes A A+ Florestan Fernandes (via PCB.org.br) reprodução
Leia, a seguir, artigo de Florestan Fernandes sobre Marighella publicado na Folha de S. Paulo em sua edição de 12 de novembro de 1984.

O 4 de novembro de 1969 incorporou-se à história graças a um feito policial-militar que culminou na morte de Carlos Marighella. Faz portanto, quinze anos que morreu o principal líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), figura política que se tornara conhecida como militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), seu dirigente de cúpula e também seu deputado no Congresso que elaborou a Constituição de 1946. Ele foi perseguido como a caça mais cobiçada e condenado à morte cívica, à eliminação da memória coletiva. Só em dezembro de 1979, quando seus restos mortais foram trasladados para Salvador, sua cidade natal, Jorge Amado proclamou o fim da interdição expiatória: “Retiro da maldição e do silêncio e aqui inscrevo seu nome de baiano: Carlos Marighella”. No ano passado, removemos outra parte da interdição, em uma cerimônia pública de recuperação cívica e de homenagem que “lavou a alma” de socialistas e comunistas em São Paulo.

Um Homem não desaparece com a sua morte. Ao contrário, pode crescer depois dela, engrandecer-se com ela e revelar sua verdadeira estátua à distância. É o que sucede com Marighella. Ele morreu consagrado pela coragem indômita e pelo ardor revolucionário. Os carrascos trabalharam contra si próprios; ao martirizá-lo, forjaram o pedestal de uma glória eterna. Agora, esse homem volta à atualidade histórica. Ele não redimiu os oprimidos nem legou um partido novo. Mas atravessou as contradições que vergaram um partido que deveria ter enfrentado a ditadura revolucionariamente, acontecesse o que acontecesse. Desmascarou assim a realidade dos partidos proletários na América Latina. Em uma situação histórica de duas faces (como gosto de descrever), contra-revolução e revolução ficam tão presas uma à outra que são os dois lados de uma mesma moeda. À superfície, parece que a luta de classes opera em mão única – no sentido e a favor dos donos do capital e do poder. Todavia, no subterrâneo (na “infra-estrutura da sociedade” ou no “meio social interno”) existem várias fogueiras, e o aparecimento de alternativas históricas pode depender de “um punhado de homens corajosos” ou de partidos organizados e preparados para a revolução.

Em vários países da América Latina, entre eles o Brasil, a burguesia – apesar da dependência econômica, cultural e política – está encravada nas estruturas de poder nacional e as controla com mão de ferro. As ditaduras, “tradicionais” ou “modernas”, marcam as oscilações súbitas, às vezes de curta duração, da guerra civil latente para a guerra civil aberta. Nenhum partido dos oprimidos pode pretender-se revolucionário, na orientação socialista ou comunista, se não estiver preparado para enfrentar tenaz e ferozmente essas oscilações. A “legalidade”, na acepção de uma sociedade civil civilizada, é uma ficção.

O grande valor de Carlos Marighella – como o de outros que enfrentaram corajosa e tenazmente aquelas contradições, com a “crise interna do partido” – está no fato de ter compreendido objetivamente e exposto sem vacilações o que a experiência lhe ensinava. No diagnóstico, algumas vezes, ficou preso a uma terminologia equivocada e a concepções que ele pretendia apurar e superar através de uma prática revolucionária conseqüente com o marxismo-leninismo e com as exigências da situação histórica. Por fim, acabou vitimado pela vulnerabilidade central: a inexistência do partido que poderia abrir novos rumos na transformação revolucionária da sociedade. Um partido desse tipo não nasce de um dia para o outro. Requer uma longa e difícil construção. Marighella caiu nos ardis que apontara, tentando derrotar o inimigo onde era impossível fugir ao seu “cerco militar estratégico”. Não fora ao fundo da análise da revolução cubana, ignorando o quanto uma situação histórica revolucionária simplificara os caminhos daquela revolução. A “via militar” revolucionária, no entanto, se mostraria frágil sob o capitalismo dependente mais diferenciado e, por vezes, avançado na América do Sul, especialmente depois da vitória do Exército Rebelde em Cuba.

As deficiências e os equívocos de Carlos Marighella resultaram de fatores incontroláveis e insuperáveis. Ele foi até onde seu dever exigia, sem meios para tornar a missão necessária realizável. A revolução proletária não é um “objetivo” do partido revolucionário. Ela é, ao mesmo tempo, sua razão de ser, seu sustentáculo e seu produto, mas de tal modo que, quando o partido revolucionário surge, ele é um coordenador, concentrador e dinamizador das forças sociais explosivas existentes. Como assinalou Karl Marx, “a humanidade não se propõe nunca senão os problemas que ela pode resolver, pois, aprofundando a análise, ver-se-á sempre que o próprio problema só se apresenta quando as condições materiais para resolvê-lo existem ou estão em vias de existir”. O que qualifica e distingue as posições assumidas por Carlos Marighella é o propósito de romper com uma linha adaptativa, que retirava o Partido Comunista do pólo proletário da luta de classes, convertendo-o em “cauda” permanente e em esquerda da burguesia.

O seu marxismo-leninisimo ficou muito mais próximo da intenção que da elaboração teórica e prática conseqüente. O que não o impediu de encontrar, através da prioridade política e da acumulação de uma vasta experiência concreta negativa, uma versão objetiva das sinuosidades do comunismo adaptativo e tolerante que o marxismo acadêmico só descobriu tarde demais ou, então, nunca teve gana de desmascarar. No momento mesmo no qual nos vemos de novo impelidos para os erros do passado, parece indispensável voltar às suas críticas e às razões de suas rupturas (ainda que seja impensável reabsorver o conjunto de soluções teóricas e práticas que inspirou e difundiu). Em três pontos, pelo menos, é indispensável tomá-lo como referência de uma purificação marxista dos nossos partidos revolucionários.

O primeiro ponto tem a ver com os vínculos diretos da teoria com os fatos concretos e com a realidade, pela experiência crítica e pela ação crítica. Essa orientação é básica para a elaboração de um comunismo made in América Latina, construído por nós, embora com raízes marxistas e leninistas. Ele situa em plano secundário o intelectual “teórico”, eurocêntrico, e repele as “soluções importadas”, que impunham os modelos invariáveis de algum monolitismo soviético, chinês, etc.

O segundo ponto é o mais decisivo, pois põe em questão qual é o partido revolucionário que deve surgir das condições econômicas, sociais e políticas dos países da América Latina (e do Brasil, em particular). Uma sociedade civil que repele a civilização para todos e um Estado que concentra a violência no tope para aplicá-la de forma ultra-opressiva e ultra-egoísta envolvem uma barbárie exasperada específica. Tal partido deverá ser, sempre, uma espécie de iceberg, por mais confiável e durável que pareça sua “legalidade”. Isso lhe permitirá interagir dialeticamente nos dois níveis da trasformação revolucionária da sociedade – o burguês, por dentro da ordem, e o proletário e camponês, contra a ordem.

O terceiro ponto refere-se à aliança com a burguesia, que nunca deveria ter alcançado a densidade e a permanência que atingiu. Um partido comunista dócil à burguesia nunca será proletário nem revolucionário e terá, como sina inexorável, que perverter a aliança política. “O segredo da vitória é o povo”. O eixo de gravitação das alianças está, portanto, na solidariedade entre os oprimidos; em suas lutas antiimperialistas, nacionalistas e democráticas, tanto quanto nas suas tentativas de domar a supremacia burguesa, conquistar o poder ou implantar o socialismo.

Em suma, Carlos Marighella era um sonhador com os pés no chão e a cabeça no lugar. Ele ainda desafia os seus perseguidores e merece dos companheiros de rota (e do antigo partido) que levem seriamente em conta sua tentativa de equacionamento teórico e prático do enigma do movimento comunFlorestan-Fernandesista no Brasil.

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História, memória e ideologia.

Muitos estranharam a demonstração de força que a Rússia deu por ocasião da comemoração da queda do nazismo e fim da 2a. guerra mundial na Europa. Eu gostei e explico: No cinema, na TV, nos livros e revistas, os EUA ganharam aquela guerra; fizeram mais que os russos… E assim, vamos esquecendo o papel da União Soviética e das resistências populares ao nazismo nos países ocupados por Hitler,  particularmente na Iugoslávia, Hungria, Polônia, Itália, França… Se não todos os países, quase, incluindo-se a própria Alemanha.

Pesquisas informam que, a cada ano que passa, é menor a percentagem da população européia que se lembra do papel do Exército Soviético e de próprias resistências em seus países. Devido a intensa propaganda anglo-americana, a desmemória provoca a ingratidão dos europeus de hoje para com os russos e ses  Pouquíssimos sabem que

Se hoje já é difícil alguém saber ou mesmo lembrar que a URSS foi uma potência tão importante quanto os EUA, imagine concordar que havia aspectos positivos no “socialismo real” que seduziu tantas lideranças e trabalhadores, além de políticos, intelectuais e artistas pelo mundo afora. E por tanto tempo. Seduziu também líderes políticos e populações a ponto de, por volta dos anos 60, quase a metade da humanidade viver sob regimes semelhantes.

Kruschev chegou a afirmar que “cada dia de paz no mundo era uma vitória da revolução socialista”. Recentemente em Frankfurt, no lançamento do livro de Moniz Bandeira sobre a re-unificação da Alemanha, houve um debate. O livro esculhamba, com fartura de dados, o atraso da ex-Alemanha Oriental vis a vis o progresso da Ocidental em todos os aspectos. Há provas, inclusive, de que a KGB – já sob influência da perestróica e da glasnost – teria ajudado a derrubar o premiê oriental Honecker, um dos últimos stalinistas. O lançamento foi precedido de um debate. E um dos palestrantes, professor da Universidade de Colônia, nascido e criado na A. Oriental, contestou Bandeira no sentido de que havia aspectos positivos até lá. Segundo ele, a vida era mais barata e os mais pobres teriam mais acesso a educação e à cultura. Deu outros exemplos que não vêm ao caso.  

Vendo os retratos de Stálin e Lênin, a sisudez das personagens do Kremlin, e a estética do realismo socialista, tão retrógrada e tão relacionável hoje a regimes totalitários, fica mais difícil ainda imaginar que a revolução de 1917 apresentou aspectos extremamente libertários para a época. Inclusive nos costumes. Falei-lhe do detalhe do “amor livre”, como se dizia à época, ou seja, o sexo, o morar junto etc. sem casamento… Coisas inimagináveis no ocidente, a ponto de o fato ser usado como “prova” de que o socialismo destruía as famílias. Aqui a infidelidade e o amor pago eram – como ainda são – hipocritamente toleráveis. Mas, juntar sem casar, mudar de cônjuge sem maiores burocracias, absolutamente não. Repare no detalhe: se todos têm emprego, e se os salários de homens e mulheres são idênticos, estas últimas estão mais livres para tomar as decisões que lhes convêm. Sobre isso, colhi depoimentos de comunistas brasileiros que estiveram na URSS e falaram da independência da mulher soviética.

Quanto à estética pense também no tempo. Aqueles cartazes não eram tão diferentes dos produzidos em países ocidentais em casos de guerra, campanhas políticas, e até campanhas de vacinação, saúde pública etc… Ou seja, era um pouco a estética daquele tempo. Veja os cartazes da revolução constitucionalista de 1932, p.ex.

É que no caso da URSS, esta estética se cristalizou para eles e tem sido ainda mais cristalizada nos países ocidentais. Serve para demonstrar um pouco o trágico e um pouco o ridículo da revolução soviética.

Na época da perestroika, eu assisti a uma palestra do Shevarnadze, então ministro de relações exteriores da URSS. Tive também outro contato com russos que queriam modernizar-se, democratizar-se e partir para uma economia de mercado etc. Eram tão ingênuos.

Enfim, tudo indica que os líderes soviéticos desta última época queriam partir para a democratização. O atraso tecnológico da URSS; a longa ditadura; a inexistência de líderes para um novo regime etc., contribuíram para a desordem e a conseqüente derrocada do regime, extensiva aos demais países do leste europeu.

Interessante é que até isso se esquece. As intenções liberalizantes de Gorbatchev e outros não são consideradas. Vende-se a idéia de que os EUA e outras potências aliadas derrubaram o poder soviético e libertaram os demais países quase como se tivesse havido uma guerra real entre os dois lados.

 

(Vou parar por aqui. Continuarei em outra ocasião, centrando-me na questão de como uma revolução se burocratiza e, depois, se nega a si mesma. Finalmente o ressurgimento da auto-estima do povo russo com Vladmir Putin e a 2a. Gerra Fria. Aguardem)

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O Feroz Círculo do Homem

Este novo romance de Carlos Nejar é como se um coro de vozes levantasse outras vozes no respirar intranquilo de um círculo desenhado em linhas de fogo. Ou uma catedral de forma barroca onde as figuras, no milagre de um tempo passado, podem ser vistas de vários ângulos e várias faces. Então, a luz do texto passa a ser a palavra na convergência do espaço poético-real ou surreal, numa visão quase mística adotada pelo autor, ele mesmo quase um profeta. Surge, daí, as várias incorporações criativas numa espécie de projeção imaginária, como se num sonho transparecesse “toda a realidade, principalmente a humana”. Cria-se, então, uma constelação de planos de cunho reflexivo. Afirmações e negações projetadas em um círculo fechado em signos ou símbolos, como se o falar e o pensar ecoassem por espaços históricos e retornassem em ecos metamorfoseados em palavras, reflexos das urdiduras metafóricas propostas pelo poeta.

“E era noite e era cedo, e era de manhã, e as janelas de vidros evidenciavam as dobras iluminadas das chamas dos tempos’. E a palavra, senhora de todos os espaços, como se desse cor ao coro de vozes, vibrava ao vento. O branco silêncio aberto em sinais, integrado ao processo narrativo oscila sobre as flutuantes conotações das imagens, tendo-se em mente a representação quase que sagrada das palavras: “Empenho minhas palavras tão severas e vigorosas e bem amestradas para devorar as traças. Até na ferocidade, triturá-las”.

É evidente que para se levantar questões literárias sobre o círculo da vida, da morte, não é suficiente debruçar-se em análises sobre estas duas realidades, pois elas se desdobram em outras tantas funções passíveis de discussão. É possível encontrar ambiguidades, numa operação metalinguística buscada pelo autor. Daí as idas e vindas (círculos se abrindo e fechando), as negações e afirmações, a rigorosa conotação das frases, num procedimento que não se limita ao exterior das coisas, mas, sim, redefinido num espaço interior, numa espécie de ultra-dimensionalismo em que tudo passa por reflexões ou lições extraídas a partir de um jogo de extrema ferocidade. Um espaço abrindo outro espaço para outro jogo, assim, como círculos de giz desenhados em um chão arquitetônico particularizado pela singularidade do texto.

Estão ao alcance do grande escritor os capítulos em contraponto, a exemplo de James Joyce, os efeitos iniciais do rompimento das tradições, da busca das premissas alicerçadas pelas teorias dos grandes filósofos da humanidade. Os achados, inapelavelmente integrados ao processo de instauração de um textopoema veiculado à palavra-signo, podem ser vistos como um novo tecido, uma nova pele, tessitura marcadamente impressa nos procedimentos criativos nejarianos. Ele mesmo senhor e dono da palavra, um dos grandes monumentos da nossa literatura. Dizer, portanto, que se trata apenas de um romance casual é dizer pouco. É dizer nada. Buscar em que medida o autor escreveu o seu Feroz Círculo do Homem (ou do Fogo?) é não achar resposta acerca dessa produção fadada à reflexão, integrada aos conceitos dos dados histórico-culturais, cujo peso maior está na força da própria palavra. Não há medida para este romance, ou ensaio filosófico. Ou peça para um teatro de sensações históricas, capaz de revelar a dicotomia ou trilogia incorporada ao conceito literário modernista. “Entendi, no entanto, o paradoxo. Não são os sonhos que enlouquecem, nós é que corremos o risco de enlouquecer, se não tivermos palavra. Pois ter palavra é mudar o sonho da alma”.(Texto das “orelhas” por Miguel Jorge)

 O AUTOR

 Carlos Nejar nasceu em Porto Alegre (RS) em 11.01.1939. Procura­dor de Justiça, atualmente aposentado, radicou-se na “Morada do Vento”, em Vitória (ES). Pertence à Academia Brasileira de Letras, Academia Brasileira de Filosofia, PEN Clube do Brasil, Academia Espiritossantense de Letras. Recebeu a mais alta condecoração de seu Estado natal, o Rio Grande do Sul, “A Comenda Ponche Verde”, e de Minas Gerais, “A grande Medalha da Inconfidência”, em 2010. Recebeu, ainda, a “Co­menda do Mérito Aeronáutico”, no dia do Aviador, Rio. Chega aos setenta e cinco anos graças a seu espírito renascentista, com fama de poeta reconhecido, tendo construído uma obra importante em vários gêneros — tanto no romance, quanto no teatro, no conto, na criação infantojuvenil — publicou, em 3ª edição, sua História da Literatura Brasileira, onde assinala a marca do ensaísta. É considerado um dos 37 escritores-chave do século, entre 300 autores memoráveis, no período com­preendido de 1890-1990, segundo ensaio, em livro, do crítico suíço Gustav Siebenmann. (Poesia y poéticas Del siglo XX em la América Hispana y El Brasil, Gredos, Biblioteca Românica Hispânica, Madrid, 19970). Teve sua Poesia Reunida: A Idade da Noite e A Idade da Auro­ra, Ateliê editorial de S. Paulo e Fundação da Biblioteca Na­cional, 2002. Ao completar setenta anos, publicou a reunião da maior parte de sua poética, com I. Amizade do mundo; II. A Idade da Eternidade, editora Novo Século, São Paulo, 2009. E Odysseus, o Velho, 2010.

Suas Antologias foram: De Sélesis a Danações (Ed. Quíron, SP, 1975), A Genealogia da Palavra (Ed. Iluminuras, SP, 1989), Carlos Nejar Minha Voz se chamava Carlos (Unidade Editorial-Prefeitura de PA, RS, 1994), Os Melhores poemas de Carlos Nejar, com prefácio e seleção de Léo Gilson Ribeiro (Ed. Global, S. Paulo, 1998); Breve História do Mundo(Antologia), Ediouro, prefácio e seleção de Fabrício Carpinejar, 2003, já esgotado.

Romancista de talento reconhecido pela ousada inventivi­dade, entre suas publicações estão, O Túnel Perfeito, Carta aos loucos, Riopampa, ou o Moinho das Tribulações (Prêmio Machado de Assis, da Fundação da Biblioteca Nacional, em 2000) e O Poço dos Milagres (Prêmio para a melhor prosa poética da Asso­ciação Paulista de Críticos de Artes, São Paulo, 2005). É autor de Teatro em versos: Miguel Pampa, Fausto, Joana das Vozes, As Parcas, Favo branco (Vozes do Brasil), Pai das Coisas, Auto do Juízo Final (Deus não é uma andorinha), Funarte, Rio, 1998. Saiu também, em 2011, a 3ª edição de seusViventes (trabalho de mais de trinta anos, espécie de “Comédia humana em miniatura”), que será encenada no teatro.

Publicou, em 2012, Contos Inefáveis, pela editora Nova Alexandria, de São Paulo; A negra labareda da Alegria, romance, em 2013; A vida secreta dos gabirus, Record, e Matusalém de Flores, ed. Boitempo, 2014.

Traduzido em várias línguas, tem sido estudado nas universidades do Brasil e do exterior.

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A bela Helena

Miriam Mambrini é autora de nove livros – o romance A bela Helena é o mais recente, com lançamento dia 8 de junho na livraria 7Letras –, venceu vários concursos literários, participou de coletâneas prestigiosas como 30 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira, organizada por Luiz Ruffato, e teve os romances As pedras não morrem e O crime mais cruel (Bom Texto) adquiridos pelo Programa Nacional de Bibliotecas Escolares, com o que ganhou um bom dinheiro. Apesar disso, nenhum de seus livros jamais saiu por uma grande editora. Miriam antecipou uma tendência do século XXI, quando a produção literária se pulverizou, cada autor orbitando seu próprio público-alvo, em um fenômeno observado também nos mercados cinematográfico e fonográfico. Uma vantagem é que os parâmetros do sucesso estão sendo revistos. O que é mais importante para um escritor? Ser lido por quem? Para quê?

Para quem você escreve?
Escrevo para o leitor comum, que vai à livraria à procura de um bom livro. Escrevo para alguém como eu, que gosta de ler uma história que distraia, mas que vá além disso, e que não despreze o lado estético da escrita.

Já ficou chateada por nunca ter um livro publicado por uma grande editora? Houve tentativas nesse sentido?
Tentei inúmeras vezes ser editada por uma grande casa, sem conseguir. Achei que meus livros podiam ser uma boa alternativa aos montes de best-sellers estrangeiros que encontramos em todas as livrarias. Antes de mais nada, sou brasileira, falo de nossas coisas e sei contar bem uma história, talvez melhor do que muitos desses autores. Mas é mais seguro publicar um romance já consagrado no exterior ou um livro de pessoa famosa em outro ramo de atividade do que apostar num autor desconhecido. Já me questionei: para que escrever tanto se tão poucos leem meus livros, se nunca me senti verdadeiramente reconhecida? Mas logo percebo que não importa ser reconhecida ou não, ser lida por muitos ou por poucos. O que importa é o prazer de olhar a vida com curiosidade, deixar a imaginação passear nos campos do real e escrever – o que mais gosto de fazer.

A bela Helena é a história de uma mulher que viveu intensamente a vida, sem se poupar de amores e dores. Quem é Helena? Como a concebeu?
Sempre me impressionou a história verdadeira de uma moça que conheci. Aos cinco anos, foi deixada pela mãe na casa dos avós, que não sabiam de sua existência. Parti desse fato. Imaginei uma menina, Talita, que queria ser Helena. Ela não teria uma prosaica vida burguesa. Estaria sempre se adaptando a mudanças, indo e vindo ao sabor das ondas e marés, atormentada por paixões e lutando para realizar seus desejos. Foi assim que a construí. Os dramas das duas vidas, a real e a ficcional são bem diferentes, e posso dizer que Talita foi mais afortunada do que aquela que me inspirou.

São mais de 20 anos de carreira e nove livros publicados. Algo mudou na escritora Miriam Mambrini ao longo desse tempo? O quê?
Hoje trabalho mais devagar, corrigindo, reescrevendo, procurando ouvir as vozes de meus personagens, ver seus gestos, sentir o que eles sentem. Meu texto perdeu um pouco da espontaneidade, ganhou em densidade. À medida que escrevo, leio e vivo, fico mais consciente de que a literatura é uma arte e uma técnica. A técnica, agora domino melhor. A arte, vou tecendo da maneira que posso.

Alguns de seus contos de livros como Vícios ocultos e o romance O crime mais cruel dialogam com o gênero policial, que está em moda. De onde vem essa vertente? Planeja escrever algo nessa área?
O mistério, o suspense, o crime e a investigação sempre me interessaram, no livro e no cinema. Gostei muito de escrever O crime mais cruel, e só não enveredei direto pelo romance policial porque fui atraída por outros temas. Tenho uma tendência à dispersão. Há muitas coisas que me interessam: as relações humanas, o quotidiano, as surpresas da vida, o caminho de tudo em direção a seu fim. No momento trabalho num romance policial clássico, no qual Próspero e Ferrero, personagens de O crime mais cruel, estão presentes, ajudando a desvendar um crime.

O que é a literatura para você? O que significa na sua vida e na sua maneira de olhar o mundo?
Sempre quis saber como era ser o outro, homem ou mulher, experimentar existências diferentes. A literatura me leva a viver quantas vidas quiser.

 

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O PROGRAMA MAIS MÉDICOS COMO CONTRAPONTO À PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA POR INTERESSES POLÍTICO – CORPORATIVOS

Eugênio Carlos Ferrari(*)

No desencadeamento dos já exitosos Programas Mais Médicos e Estratégia de Saúde da Família, sancionados pelo Governo da Presidenta Dilma Rousseff, forças retrógradas se manifestam de modo falacioso no sentido de esconder seus interesses subalternos. Tais interesses, por sua vez, contrapõem-se às necessidades sentidas no campo da saúde, expressas justamente nas frações socialmente mais vulneráveis da população brasileira.

A importância das Políticas Públicas de Saúde direcionadas à visão holística proposta pela medicina generalista, são amplamente contempladas na Estratégia de Saúde da Família, que visa à promoção e recuperação do bem-estar biopsicossocial, proposto como normativa pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Torna-se flagrante a contraposição dos interesses privatistas, que pretendem a Expropriação da Saúde Pública pela pseudo-filantropia, ardilosamente contemplada por notórios opositores.

No exato momento em que se discute  a ética nos hospitais, há que se ter uma visão mais abrangente de todo um processo criado pela legislação privatista promulgada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998, motivo de Adin – Ação Direta de Inconstitucionalidade – que se arrasta no seu julgamento final no STF, a partir do voto do Ministro Ayres Brito – Adin.1923/1998 contra lei 9637 (que legaliza a terceirização da gestão de serviços e bens coletivos para entidades privadas mediante o repasse do patrimônio, bens, serviços, servidores e recursos públicos), hoje se encontra vítima de inúmeras manobras protelatórias no seu processo decisório.

Cabe assinalar que no referido período – 1998/2014 – houve crescente e avassaladora apropriação privada dos recursos públicos destinados ao setor saúde, que assume aspectos particularmente teratológicos, com nomenclatura as mais variadas – OSs, Oscips, Ongs, Fundações e PPPs -, em características terceirizações e quarteirizações. Para tanto, basta examinar as bilionárias dotações orçamentárias, transferência de equipamentos de saúde, construídos com dinheiro público, destinadas a essas entidades pseudo-filantrópicas realizadas, nos últimos anos, muito especialmente no Estado de São Paulo e inspiradas em propostas a partir da consultoria, alavancada pelo PSDB e aliados, designada como Via Pública, de seu Diretor Executivo Pedro Paulo Martoni Branco.

A legitimação política das atividades do sistema médico financiado pelos contribuintes, contemplados pelas dotações orçamentárias  expressas no orçamento público consolidado,  só pode ser estabelecida  por um programa assistencial que defina e controle os custos e a qualidade dos serviços oferecidos no seu complexo médico-hospitalar, obrigatoriamente comprometido com a produção de decisivos indicadores de boa saúde da população.

Dotar recursos, da forma que está sendo instada a fazer a gestão pública, por “lobbies” pseudo-filantrópicos, liderados pelos eternos predadores dos parcos recursos públicos  implica, literalmente, hospitalizar todo o nosso orçamento federal ( o Brasil destina, desde a década de 90, considerada uma série histórica, em média 3,5% do orçamento público consolidado, ante uma média latino-americana de 10% e nos países ricos do hemisfério norte, entre 11% e 12%). Podemos dizer ainda que o país facilmente consumiria todo o nosso limitado PIB (os gastos americanos em saúde hoje consomem, aproximadamente, 3 trilhões de dólares), caso atendesse ao modelo propugnado pelos atuais nobres conselheiros dos poderes centrais.

No plano federal, hospitalizar o orçamento do Ministério da Saúde e do SUS, em benefício dos que se locupletam com os dinheiros públicos, uma vez enredada as mais altas instâncias do poder nacional em falaciosa argumentação, tecidos em sedutoras atitudes de conotação pseudo-afetivas, seria cair em erro crasso, que imobilizaria a nação em nome de interesses inconfessáveis desses atípicos oráculos da não Hipocrática Medicina Brasileira.

As distorções verificadas, particularmente no Estado de São Paulo, remontam a antecedentes históricos, que demandam uma reconstituição do equivocado processo evolutivo, na gênese dos métodos de implantação e operacionalização do sistema de saúde instalado há décadas no âmago do modelo técnico-científico proposto: os que propugnam esse modelo técnico-científico, só aplicado nos Estados Unidos e aqui inoculado na Faculdade de Medicina da USP, na década de 50, pela Fundação Rockefeller, com a mimetização colonial do sistema de ensino e modelo de assistência médica americanos, contaminaram imperialmente todas as nossas instituições de saúde e as práticas médicas. Tais práticas, disseminadas por efeito demonstração em todo o território nacional, mostraram-se, desde então, incongruentes com as necessidades sentidas específicas da nossa população e a custos inexequíveis para a solução dos problemas de saúde de um país em desenvolvimento.

Os atuais gestores desta apropriação privada dos recursos públicos pelos eternos donos da “Casa Grande Médica”, herdeiros vinculados aos seus vícios genéticos históricos da natural sucessão familiar dinástica no Incor e demais departamentos do HC da FMUSP   (basta consultar a biografia  dos senhores donos do poder da Academia “Casa Grande e Senzala” e seus parentescos filogenéticos),  reproduzem esse modelo contraproducente. Tipificam, ainda hoje, o nosso clássico nepotismo acadêmico em que pontificam os ancestrais (Pais, tios, aparentados em diversos graus e até mesmo afilhados dos antigos Professores Catedráticos).  Ao modo dos protocolos do antigo estilo de convivência política, os descendentes outorgados com os títulos de Professores Titulares, perseveram o tradicional papel de convivas palacianos, pertencentes ao aristocrático círculo afetivo e, porque não dizer, muito pior que afetivos, nefastamente efetivos e influentes na formulação de uma política nacional de saúde, marcada hoje pela espoliação dos nossos escassos recursos, em detrimento dos interesses coletivos.

Tais fatos implicam distorções no tocante ao pensamento pertinente à saúde pública  dos nossos bem intencionados dirigentes republicanos máximos, enredados inocentemente por confrarias médicas, inspirados pelos eternos “Donos do Poder”, nos remetendo ao grande mestre, Raymundo Faoro.

O processo organizatório do sistema de produção da saúde deve estar submetido a uma permanente dinâmica crítica, informado pelas necessidades sentidas, sem minimizar problemas no setor saúde e delineando novas diretrizes programáticas. É imperativo jamais abdicar do dever indeclinável das autoridades sanitárias federais no sentido  de manterem estrito controle no tocante aos recursos disponibilizados, vetando terceirizações e quarteirizações em perdulárias parcerias com entidades privadas, caldo de cultura por excelência destinado à malversação de recursos públicos.

Constitui prática temerária, diante dos fatos apontados, discutir afoitamente todos os dispositivos legais que contemplem transferências orçamentárias federais, que açodadamente são pleiteadas por governadores e prefeitos com ousada pretensão acusatória ao ignorarem todo o empenho da administração pública no intuito de implementar uma política responsável e exequível nos anos do seu mandato. Nada justifica dotar com verbas hipertrofiadas Estados e Municípios, que insistam nessas práticas predatórias do financiamento do Setor Saúde.  O referido expediente, disseminado especialmente no Estado de São Paulo, é flagrantemente inconstitucional, propiciando malversação dos escassos recursos públicos, como se pode facilmente comprovar, em prática contumaz, na gestão de OSs,  Oscips e Ongs de variadas designações.

Há que se ressaltar, a título de exemplificação histórica dos riscos a que nos expomos, reproduzindo modelos de assistência à saúde anômalos, presididos pelos interesses da “Indústria de Saúde Privada”, por natureza espoliativa dos recursos públicos. Recordemo-nos, a título de exemplo no nosso meio,  a dilapidação de recursos federais bilionários do INPS, desde 1966, Inamps, SUDS em São Paulo na gestão Quércia e do SUS nas gestões Fleury e PSDB em São Paulo,  com o expediente da utilização de métodos de terceirização e quarteirização, a partir de 1998,  de recursos provindos para o financiamento da saúde.

No intuito de alertar para a dimensão de  riscos prospectivos, da má alocação de recursos no setor saúde, devo assinalar o registro de que a inflação média mundial nos últimos 20 anos esteve situada entre 2% e 3% ao ano, enquanto no mesmo período a inflação média mundial do segmento econômico pertinente à  saúde transitou entre 16% a 18% ao ano. Como motivo de reflexão, podemos ainda examinar o fato exemplar expresso pelos gastos da economia americana no ano de 2013, que consumiram 3 TRILHÕES DE DÓLARES, com resultados considerados desastrosos, implicando imperativa reforma do sistema de saúde americano, com alto custo político para o Governo Obama.

Para uma possível contribuição adicional, julgo de suma importância atentar para o fato reconhecido internacionalmente, segundo o qual o primeiro determinante do estado de saúde de uma população é o FATOR RENDA, o segundo, condições sócio-ambientais, representados por MORADIA E SANEAMENTO, e o terceiro determinante da melhora das condições de saúde coletiva é consubstanciado no ATO MÉDICO! Concluo recomendando, como médico, que se apreciem os dados extraídos dos IDHs e o Atlas de Morbi-mortalidade, recentemente aferidos na Cidade de São Paulo, que mostram a congruência dos dados ali representados, demonstrando cabalmente a coincidência entre o baixo IDH e as piores condições de saúde.

 

 

(*)Eugênio Carlos Ferrari, médico Neuropsiquiatra, membro titular do corpo clínico do Hospital Albert Einstein, graduado, em 1973, pela FMUSP – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Coordenador Estadual do Ministério da Saúde – FUNASA – na gestão do Ministro Jamil Haddad, Secretário da Saúde, Higiene e Bem Estar Social do Município de Jundiaí, Superintendente do Hospital-Escola da Faculdade de Medicina de Jundiaí e Consultor da Fundap para assuntos médicos. ___________

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Mais jovens do que somos

Ruy Castro

RIO DE JANEIRO – Nas fotos, eles estão sempre de terno escuro, pérola na gravata e competente chapéu. Alguns usam sobretudo, capa de chuva ou guarda-pó, donde concluo que fazia mais frio, chovia e ventava no Brasil do passado. Pelo menos, sobre os escritores.

São belas fotos. Numa delas, José Lins do Rego, Otavio Tarquínio de Souza, Paulo Prado, José Américo de Almeida e Gilberto Freyre parecem a ponto de tomar um navio para a Europa. Em outra, Guimarães Rosa, de paletó riscado e gravata borboleta, afaga seu gato. E, ainda em outra, os rapazes de 1922, alguns com suspeitos colarinhos parnasianos, posam pimpões para o futuro -sentado no chão, sem comprometer o vinco da calça, o galhofeiro Oswald.

Enquanto Hemingway ia direto da caçada, cheirando a elefante, para uma festa de gala, nossos escritores ainda viviam engomados. O primeiro a se deixar fotografar de calção, descalço e camisa aberta ao peito talvez tenha sido Jorge Amado. Em seguida, Vinicius de Moraes começaria sua transição do terno cinza para a camisa de malha preta, existencialista, e mocassins sem meias. E, pouco depois, Fernando Sabino diria que os escritores estavam perdendo a aura -por acaso, isso coincidia com a sua adesão às mangas curtas.

Não sei se pelas becas, mas todos aqueles homens pareciam mais velhos do que eram. Pense bem:

Graciliano Ramos morreu com 60 anos; Rosa, 59; Zé Lins, 56; Clarice Lispector, 56; Olavo Bilac, 53; José de Alencar, 48; João do Rio, 39. Como construíram obras tão grandes em vidas tão curtas?

Daí penso nos colegas com quem cruzo no Leblon -bronzeados, de chinelo, bermudas, camiseta do Pernalonga, iPods à orelha-, todos parecendo mais jovens do que realmente somos. E me pergunto se esse à vontade quase indecente se refletirá em obras que atravessem décadas ou séculos, como as dos antigos.

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DO ESTADO, DO DIREITO E DA POLÍTICA: reflexões.

Samuel Pinheiro Guimarães
06 de janeiro de 2015

Introdução
1. Os conceitos de Estado, de Direito e de Política muitas vezes, em teoria, são apresentados e discutidos de forma distinta. Em realidade, encontram-se tão profundamente interligados que não se pode com proveito analisá-los separadamente. Não há Direito sem Estado, pois a aceitação e a observância das normas jurídicas e sua eventual sanção em caso de descumprimento dependem da existência e da força do Estado que se expressam através de suas agências, entre elas e muito em especial sua polícia. A afirmação de que não há Direito sem Estado não significa negar a existência de direitos humanos inalienáveis. Todavia, somente a luta política pela consagração desses direitos e pelo seu reconhecimento pela legislação e pelo Estado é que permite impor sua observância.
2. Não há Direito sem Política, pois as normas jurídicas não são elaboradas, executadas e interpretadas em gabinetes acadêmicos a partir de conceitos e de estruturas lógicas cartesianas, mas, sim, em processos conflituosos de disputa de interesses no seio da sociedade e dos organismos do Estado, ainda que cada grupo de interesses conte nestes processos com o auxílio precioso de seus juristas para melhor articular a defesa de seus pontos de vista.
3. Não há Estado sem Política, pois os dirigentes das distintas agências do Estado, isto é das múltiplas agencias que compõem os seus três Poderes -Legislativo, Executivo e Judiciário – são escolhidos através de processos políticos, mesmo quando esses processos são disfarçados como procedimentos de aparência tecnocrática, de reduzida transparência e nenhuma participação popular, como ocorre em regimes ditatoriais.
4. Há uma tendência em certas áreas de estudos acadêmicos e de certos autores a se estabelecer uma distinção e uma separação entre Sociedade Civil e Estado; entre Economia e Estado. A Sociedade Civil é apresentada com uma aura e uma natureza inerentemente boa, um lugar ideal onde os cidadãos, iguais e livres, conviveriam em harmonia se não fora pela existência do Estado, ente maléfico e autoritário que perturba e impede o desabrochar da sociedade civil. A Economia é representada como um espaço livre, dinâmico e criativo, onde empresários, capitalistas e investidores são responsáveis pelo progresso e pela prosperidade de todos enquanto que o Estado aparece como uma entidade intervencionista, ineficiente, corrupta e corruptora.
5. Todavia, não existe Sociedade Civil sem Estado, mesmo quando este aparece como instrumento de um regime ditatorial ou autoritário, pois sem o Estado e sem normas jurídicas, a sociedade seria tão somente um emaranhado confuso de lutas violentas de interesses. A não ser nos territórios coloniais, onde as instituições do Estado colonial aparecem como criaturas da potência estrangeira, alheia e opressora da sociedade local, se pode falar de separação entre Sociedade Civil e Estado.
6. Por outro lado, não há Economia sem Estado, pois são as normas jurídicas que regulam as atividades econômicas e que, através das agências do Estado, garantem a observação das relações entre trabalho e capital (lato sensu), qualquer que seja o sistema econômico de uma determinada sociedade: agrária primitiva, antiga, feudal, capitalista, socialista ou comunista. À “economia” tida como natural pelos economistas clássicos (liberais), Marx contrapunha o conceito de “economia política”, no sentido de que esta é sempre resultante das atividades dos homens, causa e efeito de interesses e conflitos sociais permanentes.
7. Hoje há uma tendência a considerar que a expressão mais moderna da Sociedade Civil seriam as organizações não governamentais, que representariam melhor os interesses do povo, principalmente em Estados em que as classes hegemônicas são conservadoras e opressoras. Todavia, em muitas circunstâncias, as organizações não governamentais que atuam em um país, em especial quando é ele subdesenvolvido, representam em realidade interesses particulares e estrangeiros e estão longe de representar a sociedade civil. De toda forma, não têm essas organizações representatividade e legitimidade já que seus integrantes se auto-escolheram, e assim é de estranhar e de preocupar a tendência atual de incorporar representantes de ONGs em organismos do Estado.

8. As potências imperiais tem incentivado esta falsidade ideológica no sentido de fragmentar e enfraquecer os demais países: ao Estado centralizado e opressor deve-se opor as ONG ´s “representantes” mais eloqüentes de uma sociedade civil idealizada. Levi Ferrari afirmou que “Seria romântico, se não fosse enganoso, fazer crer que o Estado possa ser substituído com vantagem por um difuso conceito de mercado, eventualmente travestido – e nobilitado – em sociedade civil, como se nesta não se gestassem perversas desigualdades e congruentes formas de dominação. Lembre-se que onde não houver Estado, estados paralelos surgirão, seja o dos oligopólios multinacionais, seja o do crime organizado, seja o dos meios de comunicação, seja ainda uma combinação dos três” (Ferrari, L. B. Anais da 48a. Reunião Anual da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – S.Paulo, PUC, 09/07/96).
9. Da mesma forma a falsa idéia de que a cada etnia, cultura, formação sócio-histórica deve corresponder um Estado. Isto para fragmentar e enfraquecer os Estados que não se submetem, como ocorreu na antiga Iugoslávia. Daí também a esdrúxula expressão “nações indígenas” p. ex. quando o correto é “povos indígenas”. O Estado moderno desde sua origem é sempre plurinacional, incorporando etnias e culturas diversas.
10. Ao tratar dos temas do Estado, do Direito, da Política, da Sociedade e da Economia há sempre uma certa repetição de ideias e de argumentos, devido à sua estreita interelação, pelo que me penitencio.

Do Estado
11. Reconhecendo as características, detalhes e diferenças da evolução de cada Estado nacional, pode-se afirmar que os atuais Estados surgiram de desagregação ou de integração, violenta ou pacífica, de Estados ou “unidades políticas” anteriores; de processos de colonização que importaram e implantaram estruturas estatais exógenas e de processos de descolonização, violenta ou pacífica, que herdaram instituições administrativas das Potências coloniais; de revoluções que herdaram e criaram estruturas estatais.
12. Os Estados nacionais de hoje (e do passado), apesar de seu nome, muitas vezes são constituídos por populações de diferentes origens étnicas e nacionais, que foram submetidas à hegemonia de uma delas enquanto que certas nações se encontram dispersas em territórios de diferentes Estados. Fato importante é que, em realidade, foram muitas vezes os Estados, as organizações construídas pelas etnias ou classes hegemônicas, que vieram a criar as “nações” atuais e não o contrário e que fizeram equivaler à noção de Estado a de uma só “Nação”, quando, na realidade, a própria “Nação” atual é constituída por populações de etnias e culturas diversas. A frase de Sêneca, em carta para sua mãe Hélvia, revela que toda pretensão atual, de qualquer sociedade, à pureza racial já era, em sua remota época, absurda:
“dificilmente se encontrará um só lugar (no Império Romano) ainda povoado por seus habitantes originais: em toda parte a população é miscigenada e de estoque étnico de origem estrangeira.”
13. Em todas as sociedades, desde aquelas de longa história soberana até aquelas que conquistaram recentemente sua independência, há características comuns nos primórdios dos respectivos processos de formação de seu Estado nacional.
14. À medida que as comunidades primitivas foram adquirindo a capacidade de cultivar vegetais e criar animais deixaram de ser nômades para se tornarem sedentárias. Teve início a Revolução Agricola que caracterizou a economia e as sociedades até a Revolução Industrial.
15. A agricultura supunha o domínio e o estabelecimento permanente de uma comunidade em um determinado território, o que, de um lado, levaria à emergência da propriedade coletiva, e mais tarde da propriedade privada, e da acumulação de riqueza e de Poder por indivíduos dentro de cada comunidade e, de outro lado, à formação de núcleos urbanos, as primeiras cidades.
16. A diversificação de atividades dentro de cada comunidade primitiva e o surgimento do excedente econômico gera a possibilidade de acumulação de riqueza, existente de forma embrionária nas sociedades pastoris, e nômades, tornando inevitáveis as disputas pela apropriação de riqueza.
17. Essas disputas, com sua violência e sua insegurança, tornavam indispensável estabelecer normas para organizar as relações entre indivíduos e entre os distintos grupos sociais: homens, mulheres, guerreiros, sacerdotes, mercadores, artesãos, lavradores, caçadores etc.
18. A primeira distinção que surge dentro das comunidades primitivas é entre,de um lado, homens adultos e, de outro lado, mulheres, velhos e crianças, grupos esses naturalmente mais fracos e indefesos, vitimas de opressão durante milênios. Certas desigualdades, de tão históricas, querem parecer naturais.
19. As diferenças de fertilidade dos solos e de possibilidade de irrigação levavam à disputa entre comunidades primitivas pela posse daqueles territórios que eram mais adequados para a atividade agrícola, por serem mais férteis e com nascentes, pela posse de rebanhos e pela aquisição de mão de obra escrava.
20. As disputas internas entre os diversos grupos sociais e os conflitos externos com outras comunidades levaram à emergência, no seio das comunidades primitivas, de grupos de indivíduos que, devido à sua força ou habilidade para a guerra, se destacavam na defesa de sua comunidade e, eventualmente, nos ataques a outras comunidades e que reivindicavam para si “direitos” especiais de posse de terras, de botins, de escravos.
21. A diferenciação de atividades e os conflitos com outras comunidades levaram à necessidade de normas e à formação de estruturas sociais de Poder capazes de organizar a sociedade para dentro e para fora e impor a obediência a essas normas por parte dos indivíduos.
22. Essas estruturas foram criadas pelos grupos mais poderosos em cada comunidade. Esses grupos procuraram fundamentar e justificar sua existência e seus privilégios não na sua força, mas sim como emanados de entidades divinas. Essas entidades, e seu culto, estariam relacionadas com o “controle” das forças da natureza e de fenômenos tais como a chuva, o vento, o sol, a fecundação, o nascimento, a morte e assim por diante, incompreensíveis para o homem primitivo, porém aspectos fundamentais na vida das comunidades mais antigas.
23. As religiões foram animistas em seus primórdios e assim continuaram durante longo tempo. Esta característica sobreviveu mesmo em civilizações sofisticadas como a grega, chegando aos tempos modernos de forma sublimada como ocorre, por exemplo, na devoção católica a santos protetores contra fenômenos naturais tais como raios e tempestades, contra doenças, ou propiciadores do amor e da saúde e intercessores junto à divindade máxima.
24. Estas estruturas sociais de poder que são os Estados primitivos diferem em sua organização e na sofisticação dos controles que exercem as classes hegemônicas (cuja composição evolui no tempo e tem a ver com a evolução econômica e social) sobre os demais grupos. A natureza essencial dessas estruturas é a mesma, qual seja a elaboração de normas e a manipulação de “ideias” sobre como se organiza a sociedade e sua relação com as divindades e o uso da força física para impor os interesses das classes hegemônicas no processo de apropriação de uma parcela maior da produção social de bens e de honrarias.
25. A escassez de dados sobre muitos desses aspectos nas sociedades primitivas e na Idade Antiga devido à ausência ou à precariedade de registros históricos, o que ocorre mesmo no caso de Roma, faz com que a atenção dos historiadores tenda a se concentrar nas ações e façanhas dos soberanos dos Estados antigos os quais, aliás, não somente se preocupavam como tinham condições de registrar seus feitos. A História tende a ser, assim, a história das classes hegemônicas e a romantizar ou a não examinar os mecanismos de seu domínio e de sua exploração das classes oprimidas. Registre-se aqui o surgimento da burocracia antiga como forma de sedimentação da segmentação social i.e. as castas na Antiguidade, especializadas em atividades econômicas e outras, sempre justificadas pela tradição e religião. Na China Imperial antiga, somente os filhos de mandarins podiam aprender a ler e escrever.
26. A evolução dos Estados, isto é, dessas estruturas de costumes, de normas e de instituições de controle social, é um processo complexo e inter-relacionado que é influenciado pela evolução tecnológica, i.e, pelo crescente conhecimento das técnicas de produção de bens para a paz e para a guerra; pela evolução política, i.e das relações de força e de interação entre os distintos grupos sociais; pela evolução jurídica, i.e. pela crescente complexidade das normas que regem o convívio social, econômico e político entre indivíduos, grupos e classes que integram uma determinada sociedade
27. O Estado é, assim, o conjunto de normas, elaboradas pelas classes hegemônicas, e de “agências” que elaboram essas normas e as “fazem” cumprir se necessário pela força. Esses conjuntos de normas e de agências evoluíram historicamente na própria medida em que se desenvolveram as relações de produção e em que surgiram novas atividades e novas classes sociais a elas correspondentes e que em um processo de lutas foram transformando as normas e as agências do Estado. Mas o Estado era e é ainda hoje o resultado do embate das classes hegemônicas – ainda que dentro delas haja uma disputa permanente pela liderança – com as demais classes sociais para organizar as atividades sociais e para regular a distribuição dos recursos resultantes das atividades produtivas.
28. No caso dos Estados que surgiram da desintegração de impérios, como o Brasil, herdaram eles instituições coloniais transplantadas e, por vezes,outras de sua própria sociedade, mas a formação de suas classes hegemônicas tem semelhança com a dos Estados que não surgiram da desintegração colonial.

Do Direito
29. O Direito é o conjunto de normas que regulam as relações civis, comerciais, políticas, religiosas e militares entre indivíduos, entre indivíduos e pessoas jurídicas privadas, entre pessoas jurídicas privadas e entre os indivíduos, as pessoas jurídicas privadas e as agências do Estado.
30. Este conjunto de normas, com maior ou menor rigor, e com maior ou menor grau de formalização, existe em todo tipo de comunidade humana, desde as mais primitivas sociedades nômades e depois agrícolas, até as mais sofisticadas sociedades chamadas de pós-modernas.
31. As normas que regulavam as relações sociais de toda ordem eram, em seus primórdios, consuetudinárias e muitas vezes de natureza religiosa e foram se tornando progressivamente escritas.
32. Até a Revolução Americana e a Revolução Francesa, a quase totalidade dos regimes políticos baseava-se na tradição, fossem eles monarquias absolutas, sistemas feudais, de castas e outros. Todos justificados pelo direito divino caracterizando os sistemas jurídicos nacionais durante cerca de sete mil anos, desde as remotíssimas civilizações sumérias da Mesopotâmia até a Revolução Americana em 1776.
33. Nessas formações sociais pré-capitalistas os segmentos sociais hegemônicos, fundamentalmente a nobreza, o clero e os militares, eram perfeitamente identificados e exerciam o “direito“ de elaborar a legislação, muitas vezes arbitrária, contraditória e diferente para cada estrato social e de executar as normas jurídicas que estabeleciam em nome da tradição, particularmente da religião.
34. Até a época de Beccaria (1738-1794), o princípio básico de nullum crimen, nulla poena sine praevia lege poenali não era aceito e assim a conduta criminosa podia ser definida a posteriori assim como a sua pena. A tortura, os julgamentos secretos, as execuções por feitiçaria eram corriqueiros e parte dos instrumentos de controle pelas classes hegemônicas dos demais setores da sociedade.
35. Este conjunto de normas que chamamos Direito, em seus distintos ramos, é elaborado pelas classes hegemônicas de uma sociedade através de seus representantes.
36. Nas democracias representativas modernas e desde as Revoluções Americana e Francesa se afirma que o povo é soberano e exerce sua soberania através de representantes eleitos.
37. A Constituição Americana de 1787, aprovada pela Convenção Constitucional de Filadélfia, declarava:
“Nós, o Povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a Justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral, e garantir para nós e para os nossos descendentes os benefícios da Liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América.
ARTIGO I
Seção 1-Todos os poderes legislativos conferidos por esta Constituição serão confiados a um Congresso dos Estados Unidos composto de um Senado e de uma Câmara de Representantes.
Seção 2 – 1. A Câmara dos Representantes será composta de membros eleitos bianualmente pelo povo dos diversos Estados (…)
Seção 3 – 1. O Senado dos Estados Unidos será composto de dois Senadores de cada Estado, eleitos por seis anos pela respectiva Assembleia estadual (…)

38. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que viria a se tornar o preâmbulo da Constituição Francesa de 1791, estabelecia a soberania popular, na realidade a soberania nacional, e afirmava:
Art.1.º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos.(…)
Art. 3.º O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na Nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.

39. Todavia, a definição de povo sempre foi feita pelas classes hegemônicas em cada sociedade. Esta definição excluía, em diversos momentos e Estados, os escravos, as mulheres, os analfabetos, os indivíduos abaixo de certa idade, os pobres e os não-proprietários.
40. Na própria medida em que as primeiras democracias representativas resultaram de revoluções conduzidas pelas burguesias mercantis enquanto que a noção de proletariado industrial era inexistente, já que mal tinha se iniciado a Revolução Industrial, a definição de povo inicialmente correspondia àqueles que tinham determinada renda ou propriedade e que constituíam, assim, a burguesia e os proprietários rurais. (Na França pré-revolucionária e mesmo durante algum tempo após a tomada da Bastilha, na Assembléia Nacional, o Terceiro Estado abrangia de banqueiros a artesãos, de comerciantes a pequenos proprietários rurais.
41. Desde então, os representantes do “povo” podem ser escolhidos através de eleições diretas ou indiretas com maiores ou menores restrições do eleitorado ou por sistemas não eleitorais, como na Arábia Saudita, entre outras dezenas de exemplos.
42. Em muitos Estados, não sendo o voto obrigatório, os representantes do povo não correspondem, necessariamente, à maioria do “povo”. Em recentes eleições em países que se apresentam como campeões da democracia o número de pessoas que exerceram o direito de voto correspondeu a percentual pequeno do total de eleitores, de cidadãos habilitados a votar.
43. Em outros Estados, como a Itália atual, a legislação eleitoral faz com que através de vários mecanismos legais, os representantes do povo não correspondam proporcionalmente aos votos que obtiveram no processo eleitoral.
44. O fato de o regime político de uma sociedade não ser democrático, não significa que não haja um grupo de pessoas encarregado de elaborar as normas jurídicas que regem as relações sociais. Há uma precedência histórica entre o Estado de Direito, ainda que monárquico, feudal ou autocrático, sobre o Estado Democrático de Direito como o conhecemos hoje.
45. As determinações das normas jurídicas são impostas aos indivíduos, às pessoas jurídicas privadas e aos próprios dirigentes estatais pelo próprio Estado.
46. Este detém o monopólio da força no território sob sua soberania para obrigar a obediência às determinações dessas normas. A definição de soberania é justamente o território nos limites do qual as classes hegemônicas que controlam o Estado têm força para impor obediência às normas que elaboram.
47. O processo pelo qual são escolhidos os legisladores e o processo pelo qual são elaboradas essas normas é a Política. Assim, como faz parte da Política o processo pelo qual os dirigentes das agências do Estado implementam essas normas.
48. Não há um conjunto de normas único, perfeito, natural, que possa ser aplicado a todas as sociedades, pois são elas diferentes em sua evolução e em suas características econômicas, sociais, religiosas, culturais etc., assim como são diferentes os interesses e as visões de suas classes hegemônicas (e de frações dentro dessas classes).
49. Não há conflito entre o sistema jurídico, o ordenamento jurídico de uma sociedade e os interesses essenciais de suas classes hegemônicas. Não há conflito entre Direito e atividade política, pois é esta ultima que gera as normas jurídicas e as implementa.
50. O conflito político essencial é sempre entre as classes hegemônicas de uma sociedade, de um lado, e as demais classes sociais, sujeitas à sua hegemonia que se exerce pelas normas jurídicas e pelos agentes de sua implementação, enquanto conflitos menores surgem permanentemente entre diferentes segmentos das classes hegemônicas constituindo o que se denomina, superficialmente, de disputa política quotidiana naqueles Estados onde existem parlamentos.
51. O conjunto de normas jurídicas de uma sociedade, o seu Direito tem como principal fundamento o sistema econômico e social que as classes hegemônicas impõem àquela sociedade.
52. O conjunto de normas jurídicas que organiza os procedimentos pelos quais a sociedade escolhe representantes para elaborar a legislação, isto é, as normas jurídicas sobre quem pode votar, e quem pode ser eleito,é o cerne do sistema político-jurídico.
53. O Estado é o conjunto de normas e de agências que as elaboram e as implementam, criadas pelas classes hegemônicas que controlam a população que habita um determinado território. O controle da população que habita determinado território é exercido em primeiro lugar pelo controle do processo de formação de ideologias, de visões da sociedade, de interpretação da realidade e, em último caso, pela força.
54. O processo histórico, desde as revoltas de escravos na antiga Roma e as guerras camponesas das Idades Média e Moderna, corresponde essencialmente à luta dos segmentos, depois classes, oprimidas contra os hegemônicos para procurar alterar, em seu benefício, as normas que organizam a vida social e econômica de uma comunidade, o que torna necessário assumir o controle das agências do Estado, de forma revolucionária ou não.
55. O controle que as classes hegemônicas exercem sobre um território e a população que o habita tem como finalidade principal organizar a atividade econômica em seu proveito e garantir a defesa de seu sistema contra eventuais agressões externas.
55. Um desafio fundamental do sistema político-econômico liberal nas sociedades capitalistas modernas, desenvolvidas ou subdesenvolvidas, é de como transformar em poder político o poder econômico altamente concentrado nessas sociedades. No sistema econômico capitalista, cada unidade monetária corresponde a um voto e quanto mais rico o indivíduo, maior seu poder econômico. No sistema político liberal, a partir das conquistas dos direitos civis, políticos e sociais, (ver Marshall, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1967). i.e. dos movimentos pelo sufrágio universal, pelo sufrágio feminino e dos movimentos políticos dos trabalhadores, a cada cidadão, como tal definido pela norma, passou a corresponder um voto. Estas conquistas pelo sufrágio criaram entre o sistema econômico capitalista e o sistema político liberal uma contradição de grande importância e, na realidade, um dilema crucial da sociedade moderna, pois é no sistema político que são elaboradas as normas que organizam as atividades econômicas de produção e de distribuição dos resultados da produção.
56. Nos primeiros sistemas políticos liberais a partir da Revolução Francesa, esta questão tinha sido resolvida pela adoção do sistema censitário, que excluía os não-proprietários e as mulheres do sistema político, enquanto que nos Estados Unidos as mulheres e os escravos eram excluídos do sistema político.
57. À medida que as reivindicações econômicas e políticas das massas de trabalhadores e das mulheres foram sendo vitoriosas, transformando-se em direitos, as classes hegemônicas nas diferentes sociedades resolveram este dilema através da influência do poder econômico no processo político de escolha dos representantes do povo; da adoção de sistemas de voto não obrigatório, a partir da ideia de que o voto é apenas um direito e não um dever do cidadão; e da desmoralização permanente pela mídia da atividade política como corrupta e corruptora e, portanto, da qual os cidadãos comuns não deveriam participar a não ser por ocasião das eleições.
56. Os meios de comunicação, através de seus múltiplos veículos e manifestações, são, no Estado moderno, instrumentos das classes hegemônicas (de seu conjunto ou de frações delas) para garantir o controle por uma ínfima minoria do sistema político e econômico e para garantir que a enorme maioria se resigne ou aceite o domínio das classes hegemônicas em um mundo que, apesar de toda violência, exploração e opressão, é apresentado, por estes meios de comunicação (e pela academia) como o melhor dos mundos possíveis.

Da Política Internacional
57. O Direito Internacional é construído pela política internacional a qual é, por sua vez, o entrechoque de iniciativas e ações de toda ordem, desde as pacificas às mais violentas, em que se envolvem as diversas agências dos Estados nacionais, os organismos intergovernamentais, as megaempresas multinacionais e as organizações não governamentais.
58. O sistema internacional durante o período que se inicia com a Descoberta das Américas em 1492 até o inicio do processo de descolonização no final da década de 1960, foi um sistema formalmente oligárquico, dominado por grandes impérios e seus territórios coloniais e resultado da expansão e da evolução do sistema de produção capitalista e das diversas formações políticas em que este foi se estruturando, desde as monarquias absolutas de direito divino, às monarquias constitucionais até as democracias liberais da atualidade.
59. Durante o longo período que se inicia com a derrota de Napoleão em 1815 e vai até a Primeira Guerra Mundial, a expansão político-econômica capitalista foi liderada pelo Império Britânico quando esta liderança passou a sofrer a contestação alemã imperial na Primeira Guerra Mundial e nazista na Segunda Guerra Mundial e do sistema socialista na URSS; e mais tarde na China (e em alguns outros Estados menores, mas não menos importantes pelas consequências, como Cuba e o Vietnam ).
60. A partir da Segunda Guerra Mundial e do movimento de descolonização e mais tarde de desintegração e adesão dos países ex-socialistas ao capitalismo, as classes hegemônicas dos países altamente desenvolvidos capitalistas, tendo à sua frente as classes hegemônicas dos Estados Unidos, procuraram reconquistar e consolidar o seu domínio através de acordos internacionais que consagrassem e legalizassem (e assim de certa forma legitimassem) seus privilégios. Neste processo político-econômico-militar-jurídico tinham elas pela frente o desafio do conceito de Estado nacional soberano (tão caro aos países vitimas do nazismo e em crescente difusão no mundo colonial) e os princípios de não intervenção e autodeterminação, consagrados na Carta das Nações Unidas, e também tão caros aos países menos poderosos militarmente de todos os continentes.
64. Os Estados nacionais, entre eles especialmente os Estados Unidos, são os atores essenciais do entrechoque de iniciativas e ações que se verificam no sistema internacional e que constitui a política internacional. Gera ela o Direito Internacional.

Do Direito Internacional
65. Somente os Estados têm o poder de elaborar normas jurídicas e de impor o seu cumprimento, se necessário pela força, aos indivíduos e às empresas que se encontram em seu território. Organismos internacionais, organizações não governamentais, megaempresas internacionais não têm poder para elaborar e impor normas jurídicas, por mais influentes e poderosas que possam ser.
66. O Estado nacional pode ser definido como o conjunto de órgãos que em uma sociedade elabora normas jurídicas, as implementa e dirime conflitos quanto à sua interpretação e a seu cumprimento. A forma como são escolhidos os indivíduos que integram estes órgãos do Estado – Executivo, Legislativo e Judiciário – varia de país para país, assim como o seu funcionamento, mas isto não afeta a natureza e os direitos dos Estados em nível internacional.
67. Os Estados podem ser mais ou menos democráticos. O grau de democracia depende do grau de participação da população nos organismos que elaboram as leis, que as executam e que resolvem os conflitos que decorrem de sua execução. Todavia, democráticos ou não, são eles soberanos e tem sua soberania reconhecida pelos demais Estados.
68. A soberania como característica essencial do Estado corresponde ao poder exclusivo de elaborar leis e de fazer cumpri-las em seu território, sobre todos aqueles – indivíduos e empresas – que nele habitam ou que nele se encontram, ainda que temporariamente. As leis de outros Estados não se aplicam em seu território nem os agentes estrangeiros podem pretender nele implementá-las. Em seu território, tal como delimitado por suas fronteiras e aceito pelos demais Estados, o Estado exerce o monopólio legal da força em relação a qualquer indivíduo ou organização. Não há região da Terra, à exceção dos oceanos, da Antártica, e do espaço aéreo internacional que não se encontre sob a jurisdição de algum Estado.
69. Não há nenhum poder acima dos Estados na esfera internacional. Os acordos internacionais que limitam a competência dos Estados tem vigência no território dos Estados porque estes os aceitam e incorporam suas disposições a seus ordenamentos jurídicos nacionais. Os Estados podem a qualquer momento denunciar qualquer um desses acordos, sem serem legalmente, ainda que possam ser politicamente, sancionados por isto.
70. Os Estados não são apenas o resultado de um pacto entre os cidadãos que abdicaram, em um momento histórico, de parte de sua liberdade “natural” em favor de um organismo criado para permitir a convivência pacifica na sociedade, como pregava Hobbes face à barbárie de seu tempo. Os Estados hodiernos são, de fato, a emanação dos segmentos sociais hegemônicas de uma sociedade. São estes que o organizam os Estados, definem sua estrutura, suas normas de funcionamento e o fazem em seu próprio benefício. Os Estados, que são uma emanação da correlação estrutural de forças em uma sociedade, tem o poder de se autodeterminar. A autodeterminação é o direito de uma sociedade, através de seu Estado, de definir as normas que regem as relações entre indivíduos, empresas e organizações privadas e públicas, quer sejam políticas, econômicas, sociais, religiosas, sem obedecer a quaisquer parâmetros externos, exceto aqueles que tenha aceito em decorrência de sua adesão a acordos internacionais. Este direito da sociedade, e de seu Estado,à autodeterminação corresponde à ideias de origens e de evolução distintas das diferentes sociedades humanas.
71. As relações pacíficas entre as distintas sociedades e respectivos Estados e a segurança internacional dependem do respeito ao princípio de não-intervenção nos assuntos internos dos Estados e do reconhecimento, pelos Estados mais fortes, do direito de autodeterminação dos demais. Todavia, a violação do principio de não-intervenção ocorre permanentemente de modo que pode ser direto, militar, ou assumir a forma de ameaças, pressões e sanções políticas e econômicas.
72. Os Estados mais poderosos, militar, econômica e politicamente, intervém nos assuntos internos dos Estados menos poderosos para fazer com que adotem normas ou políticas de seu interesse, isto é que beneficiem as sociedades que representam, em flagrante desrespeito ao direito de autodeterminação. Esta intervenção pode ter como objetivo modificar a própria estrutura do outro Estado ou modificar as políticas desenvolvidas por seu governo ou promover a queda, a mudança de governo. Esta intervenção pode ser exercida de forma aberta ou pode ser promovida através de operações encobertas, pela ação constante de agências de informação, de contrainformação, de espionagem e de subversão. Essas formas de intervenção são ilegais à luz do Direito Internacional, mas ocorrem todos os dias, sem cessar.
73. Os princípios de natureza política, econômica e militar que constituem os marcos gerais das relações entre os Estados se encontram definidos na Carta das Nações Unidas. Esses princípios são a igualdade soberana dos Estados; a autodeterminação; a não-intervenção nos assuntos internos dos países; o respeito às fronteiras nacionais; a solução pacífica de controvérsias; o não uso da força e de ameaças à integridade territorial e à independência política; a cooperação entre os Estados para enfrentar os problemas econômicos, sociais e culturais.
74. A Carta das Nações Unidas foi aprovada por 51 Estados, na Conferência de São Francisco, em 1945, e tem hoje 194 membros. Seu objetivo principal era criar um sistema de segurança coletiva que evitasse um novo conflito mundial de dimensões catastróficas, como a Segunda Guerra Mundial, e organizações econômicas que impedissem uma nova crise econômica internacional das dimensões da crise de 1929, que contribuiu para a emergência do nazismo. A Carta dividiu os Estados em dois grupos: aqueles cinco Estados – Estados Unidos, União Soviética, Grã Bretanha, França e China – com direito a assentos permanentes no Conselho de Segurança e os demais Estados. O Conselho de Segurança detém o monopólio legal do uso internacional da força e todos os Estados, enquanto membros das Nações Unidas, são obrigados a cumprir suas decisões. Todavia, os membros permanentes tem o poder de impedir, pelo exercício do direito de veto, o exame e a tomada de qualquer decisão pelo Conselho de Segurança que possa prejudicar seus interesses.
75. As regras jurídicas fundamentais que regem as relações econômicas entre os Estados se encontram definidas principalmente nos acordos que criaram o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio e seus princípios correspondem basicamente aos conceitos da economia clássica liberal, hoje sob o nome de neoliberalismo.
76. O Fundo Monetário Internacional exerce uma função fiscalizadora dos compromissos de política econômica que dezenas de Estados subdesenvolvidos vieram a assumir em decorrência de dificuldades de balanço de pagamentos e de endividamento externo que os levaram a solicitar o auxilio do FMI para renegociar dividas e obter empréstimos junto a bancos privados e instituições financeiras oficiais de países altamente desenvolvidos. O FMI somente atende a estas solicitações em troca de compromissos de execução rígida de políticas econômicas clássicas. Naturalmente, os desequilíbrios e os desregramentos na execução das políticas econômicas dos grandes Estados não ficam de nenhuma forma sujeitos à fiscalização e muito menos às sanções do Fundo Monetário.
77. A Organização Mundial do Comércio resultou de uma longa negociação, iniciada e conduzida pelos Estados Unidos no âmbito do Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio – GATT, cujo objetivo, aliás alcançado, era criar uma entidade econômica de nível mundial que pudesse tornar legitimas e obrigatórias, em especial para os países subdesenvolvidos, políticas econômicas baseadas em princípios adotados pelos países altamente desenvolvidos, basicamente os princípios do neoliberalismo.
78. Na área militar, os acordos para impedir a proliferação de armas de destruição em massa – em especial nucleares – dividiram os Estados em dois grupos: aqueles Estados que tem o direito legal de possuir e de usar tais armas – por “coincidência” os membros permanentes do Conselho de Segurança – e, por outro lado, os demais Estados.
79. A construção do Direito Internacional, desde a Segunda Guerra Mundial, correspondeu a um esforço no sentido de fortalecer os direitos oligárquicos das Grandes Potências capitalistas ocidentais, conduzidas pelos Estados Unidos, nas áreas política, econômica e militar. As tão apregoadas conquistas na área de direitos humanos, tais como o Tribunal Penal Internacional e os tratados sobre direitos humanos nas Américas, não contam com a participação dos Estados Unidos, a grande potência com capacidade de intervenção em nível mundial.
80. A atual sociedade internacional não é, portanto, nem de fato nem de direito uma sociedade democrática criada e constituída por Estados iguais e soberanos, mas sim uma sociedade oligárquica em que, no dizer de Tucídides,
“… os poderosos extorquem tudo que podem e os fracos concedem o que são forçados a conceder.”
81. Este processo de consolidação do Poder pelos Estados Unidos (e os Estados desenvolvidos em sua órbita) através da negociação sob intensa pressão, de uma teia de acordos de toda ordem ocorre sob disfarce ideológico e midiático permanente que divulga a visão utópica de uma comunidade internacional democrática, regida pelo direito internacional, voltada para os ideais de segurança, de desenvolvimento e de progresso, objetivos que não se alcançam apenas devido à existência e à ação maligna de Estados párias, fora da lei, e de organizações terroristas demoníacas.
82. Se não fosse pela ação destes Estados e destas organizações, (que “tem” de ser combatidos a qualquer custo, tais como assassinatos seletivos, embargos econômicos, ações militares unilaterais) a comunidade internacional, sob a liderança “benéfica” dos Estados desenvolvidos, capitalistas e liberais, em especial os Estados Unidos da América, o Novo Império, certamente, segundo eles, atingiria aqueles objetivos de paz, igualdade soberana, desenvolvimento e progresso.
83. Todavia, diante dessa hegemonia dos Estados Unidos (para a qual colaboram e da qual se beneficiam os Estados desenvolvidos capitalistas em sua órbita) surge a “ameaça” da República Popular da China, em pleno processo de acelerado desenvolvimento econômico, científico, tecnológico e militar, diante da qual já se organiza a defesa americana de seus privilégios imperiais.

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A volta do debate econômico

Nilson Araújo de Souza

O Brasil foi, inquestionavelmente, o país fora dos circuitos centrais em que, neste século, mais avançou o pensamento econômico. No entanto, nestes tempos obscuros em que tem predominado a ideologia neoliberal, a ausência de qualquer pensamento é que tem caracterizado o mundo oficial da economia e da ciência econômica no país. Os preconceitos forjados por essa ideologia – “globalização”, “falência do Estado”, “eficiência do mercado”, “fim da história” – têm assumido foros de verdade e invadido, não apenas a política econômica, mas o mundo da academia, que deveria estar mais preocupado com a ciência.

É, portanto, muito alvissareiro o fato de que, com certa frequência, estejamos sendo recentemente brindados com livros, dissertações e teses que procuram recuperar o debate econômico que se processou no Brasil no período anterior. Esse novo interesse pelo trabalho criativo que os brasileiros realizaram no domínio da economia política é sintoma, não apenas do fato de que, apesar das pretensões arrogantes, o neoliberalismo não se converteu em “pensamento único”, como também do esgotamento a que chegou essa ideologia, esgotamento que se manifesta na verdadeira fúria com que a crise econômica que se alastra pelo mundo vem atingindo os países que foram mais longe na implementação dos dogmas neoliberais.

Reúnem-se, agora, em livro alguns capítulos de teses e dissertações de três professores universitários, José Adalberto Mourão Dantas, Cinthia Maria de Sena Abrahão e Geraldo Antônio dos Reis, que, sob o título “Pensamento Econômico Brasileiro”, procuram debater o pensamento econômico do período mais rico da economia brasileira, inaugurado com a Revolução de 30. Um importante livro, que, de certa forma, serve de referência para esses novos trabalhos, já se escrevera sobre o assunto, de autoria de Ricardo Bielschowsky, intitulado “Pensamento Econômico Brasileiro – o ciclo ideológico do desenvolvimento”.

Longe de serem repetitivos, esses trabalhos procuram desvendar novos caminhos. Escolheram os três principais economistas que intervieram no debate entre os anos 40 e os anos 70, além de haverem comandado a área econômica do governo, nas pastas da Fazenda ou do Planejamento. Referimo-nos a Eugênio Gudin, Octávio Gouveia de Bulhões e Celso Furtado.
Os dois primeiros expressam uma mesma corrente de pensamento, que, de filiação teórica neoclássica, pautam suas elaborações na crença das faculdades alocativas do mercado e do livre-cambismo. Uma espécie de precursores do neoliberalismo tupiniquim. Furtado é o principal prócer brasileiro de uma outra escola de pensamento, que vem de Alexandre Hamilton e Friedrich List, o nacional-desenvolvimentismo, que advoga a ação do Estado e o protecionismo como instrumentos para a ruptura com o subdesenvolvimento.

É evidente que essa caracterização simplifica um pouco a real contribuição desses pensadores, na medida em que, além de terem recorrido a outras fontes teóricas (Furtado, por exemplo, usou bastante Karl Menheim no desenvolvimento de sua idéia sobre planejamento), deram uma insubstituível contribuição pessoal. Mas, por outro lado, não devemos descurar o fato de que são, disparadamente, os principais representantes dessas escolas de pensamento no Brasil. Essas são, aliás, as correntes de pensamento econômico que vêm se digladiando no Brasil ao longo deste século. Essa afirmação não desmerece as contribuições de inspiração marxista que ocorreram no período. Estas, no entanto, vieram, no fundamental, em reforço à segunda corrente, na medida em que a estratégia dos comunistas passava pela ruptura com a dependência externa.

E era natural que fosse esse o enfrentamento principal no terreno das idéias econômicas, já que era esse o principal enfrentamento no terreno ideológico. Esse embate, que teve sua pré-história na época do Segundo Império, assumiu significação mais decisiva com a República. O nacional-desenvolvimentismo sentou praça no Brasil quando o ministro Manuel Alves Branco, depois de dizer em seu “Relatório” de 1844 que “um povo sem manufaturas fica sempre na dependência de outros povos”, elevou as tarifas de importação de 15%, que vigia desde 1828, para faixas entre 30% e 60%. E teve continuidade com o fundador da Associação Industrial, Antônio Felício dos Santos, que, em seu “Manifesto”, datado de 1881, caracterizou bem o que é um livre-cambista: “E chamam-se livre-cambistas os que assim se mostram realmente protecionistas… do estrangeiro”.

A República colocou o debate num novo patamar. De um lado, estavam os republicanos do Rio de Janeiro, que, reunindo intelectuais e militares, tinham peso decisivo nos governos de Deodoro e Peixoto e defendiam que a industrialização seria o caminho para o desenvolvimento. Rui Barbosa, como ministro da Fazenda de Deodoro, foi o principal defensor desse caminho, chegando a dizer que “a República só se consolidará, entre nós, sobre alicerces seguros, quando as suas funções se firmarem na democracia do trabalho industrial”. E deu sequência às suas idéias através de um amplo programa de incentivo à industrialização, que ia desde a cobrança em ouro das tarifas de importação até uma reforma tributária e uma reforma bancária que estimulavam a formação de indústrias. De outro lado, estavam os republicanos de São Paulo, representados por políticos ligados à oligarquia cafeeira, como Prudente de Moraes e Campos Salles, que defendiam a “vocação agrícola” do Brasil e estavam, portanto, de acordo com as idéias do “livre”-comércio internacional, que significava, na prática, a livre importação de produtos industriais ingleses e o bloqueio à industrialização brasileira.

No começo deste século, com a República já convertida em República Velha pelas mãos da oligarquia cafeeira, que ascende ao poder em 1894 com Prudente de Moraes e começa a desmontar os mecanismos pró-industrialização implantados por Rui Barbosa, reacende o debate sobre os dois caminhos do desenvolvimento brasileiro. O desmonte industrial foi realizado sobretudo pelo ministro da Fazenda de Campos Sales, Joaquim Murtinho, que, na virada do século, antecedendo os neoliberais de plantão, varreu as tarifas de importação, cortou os investimentos públicos, apertou o crédito e elevou os juros, promovendo uma brutal recessão, com o único intuito de arranjar divisas para pagar a dívida externa junto aos bancos ingleses. Murtinho dizia que o Brasil não podia seguir o caminho industrial dos EUA porque não tínhamos “as aptidões superiores de sua raça”. Na oposição, estavam os fundadores e dirigentes do Centro Industrial do Brasil (atual FIRJAN), entre eles o General Serzedelo Correa e o engenheiro Luiz Rafael Vieira Souto. Serzedelo, que defendia a intervenção do Estado e o protecionismo, dizia que “os povos que não têm a independência econômica não podem jamais constituir o tipo de grande nação”. Vieira Souto, em complemento, depois de denunciar o livre-cambismo, como sendo favorável unicamente à Inglaterra industrializada, declarou que “o problema das tarifas (de importação) é o epicentro da defesa da indústria”.

A Revolução de 30 transformou as idéias dos nacional-desenvolvimentistas em realidade. A industrialização brasileira, que tivera alguns surtos no passado, converteu-se em um fenômeno inexorável. Além de contar com uma conjuntura internacional favorável (Grande Depressão e Segunda Guerra), passou a ser o objetivo central do governo de Getúlio Vargas, que recorreu largamente aos instrumentos propugnados pelos nacional-desenvolvimentistas, a saber, a ação estatal na economia (através do planejamento, da legislação trabalhista e da construção de estatais) e o protecionismo. É nesse novo quadro que é retomado o debate econômico. O primeiro grande debate se dá entre o engenheiro-economista Eugênio Gudin e o engenheiro-empresário Roberto Simonsen e ocorre, em 1945, a propósito da discussão do Plano de Organização da Economia Brasileira, do governo Vargas. Membro do Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial, Simonsen foi encarregado de elaborar o relatório; por sua vez, membro da Comissão de Planejamento Econômico, Gudin foi incumbido de apresentar o respectivo parecer.

Simonsen vinha desenvolvendo suas idéias desde a década de 20, quando, por razões profissionais, teve oportunidade de conhecer boa parte do território brasileiro. Essa experiência o fez concluir que “o engrandecimento da nação (se daria) pelo desenvolvimento industrial”. Segundo ele, “da liberdade ampla no intercâmbio comercial resulta, pela atuação natural de conhecidos fatores, o predomínio dos mais fortes”. Por isso, “não se pode conceber a idéia de nação sem a do protecionismo”. Além disso, “o tipo de grande empresa, servida por supermáquinas, seria reservado para as indústrias basilares e aí se justificaria, a par de uma necessária emulação, um maior controle do Estado, para evitar os malefícios decorrentes do excesso de poder econômico em mãos de poucos”. Simonsen, que continuou a tradição dos nacional-desenvolvimentistas, além de estar em dia com o pensamento econômico, depois que a Grande Depressão deu um golpe mortal no pensamento neoclássico e deu origem ao pensamento keynesiano, foi não apenas um teórico e animador do desenvolvimento industrial e da independência econômica, mas também um implementador dessas idéias, tanto como integrante de comissões econômicas governamentais quanto como dirigente de órgãos empresariais: foi presidente da FIESP e fundador e presidente da CNI.

Gudin, objeto do estudo de Cynthia Abrahão (“Eugênio Gudin, disseminador do laissez-faire no Brasil”), iniciou sua vida profissional como engenheiro de empresas estrangeiras de serviços públicos, experiência que, conforme a autora, pode ter influenciado sua posição futura no domínio da economia. A Grande Depressão, aliada a uma experiência frustrada de empresário de laranjas, despertou seu interesse por economia. A partir de 1929, iniciaria toda uma obra que vai até 1986, ano de sua morte. Um fato importante é que, apesar de sua oposição ao caminho seguido por Getúlio, este sempre o convidou para participar das comissões econômicas que criava. De acordo com Abrahão, Gudin chega a responsabilizar Getúlio por sua opção pela economia: “Eu fui entrando no plano da economia sem projeto, sem plano. O Dr. Getúlio tem muita responsabilidade nisso. Ele nunca formou uma comissão – e foram muitas – sem me nomear”.

Independente de outras passagens de Gudin pela economia (inflação, por exemplo), é evidente que a questão central que estava no debate dizia respeito à industrialização. Há quem defenda que, ainda que não fosse um entusiasta da industrialização, Gudin não lhe era um opositor ferrenho. Celso Furtado, por sua vez, conforme diz Abrahão, acreditava que ele era “um representante da oligarquia agrária, opositor da indústria”. Na verdade, pode-se perceber dois momentos do pensamento de Gudin sobre a industrialização. Num primeiro momento, que vai dos anos 30 aos 50 e em que a indústria ainda se debatia para nascer no ventre do modelo primário-exportador, ele era um opositor aberto da industrialização. Era isso o que significava sua defesa de que não deveria haver uma política estatal favorável à industrialização, deixando-a ao sabor das “forças de mercado”. É evidente que, se dependesse do mercado, o Brasil seguiria primário-exportador e as nações desenvolvidas manteriam o monopólio da indústria. Num segundo momento, que se inaugura nos anos 50, quando a industrialização já se tornara inevitável, deixou de fazer-lhe oposição. Refutava, no entanto, a ação empresarial do Estado, que considerava “como elemento deturpador da economia de mercado”, nos termos de Abrahão, e, para sanar o que considerava de “deficiência de recursos para financiar os investimentos privados”, defendia “a entrada do capital estrangeiro”. Nesse mesmo momento, segunda a autora, coincidentemente deixou de criticar a falta de experiência dos EUA para exercer o papel de economia hegemônica. Portanto, quando a industrialização se tornou inevitável, passou a defender que ela se desse sob controle estrangeiro, particularmente norte-americano. E, passando da teoria à prática, aproveitou-se do curto interregno em que esteve à frente do Ministério da Fazenda, com a morte de Getúlio, para elaborar a Instrução 113, da antiga SUMOC (atual Banco Central), destinada a favorecer a entrada do capital estrangeiro no Brasil.

Tinha razão Antônio Felício dos Santos, quando, no século passado, percebeu que os livre-cambistas eram “protetores do estrangeiro”. Não está correto, portanto, o termo “liberal” para designar a esses senhores, que, em nome da liberdade, propugnam, na prática, o monopólio estrangeiro sobre nossas economias.

Os principais personagens do embate seguinte foram Octávio Gouveia de Bulhões e Celso Furtado, objetos de estudo, respectivamente, de Geraldo dos Reis e José Adalberto Dantas. O pano de fundo do debate foram as idéias da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). Órgão da ONU, com sede no Chile, abrigou, desde os anos 40, importantes intelectuais da América Latina, preocupados em desvendar a realidade da região, bem como os caminhos da superação do atraso e do subdesenvolvimento. Celso Furtado foi o principal pensador brasileiro que participou da elaboração e divulgação das idéias cepalinas. E Bulhões foi também o principal brasileiro a combater essas idéias.

A obra teórica mais importante de Furtado é, inquestionavelmente, “Desenvolvimento e subdesenvolvimento”, de 1961, assim como “Formação Econômica do Brasil” é sua principal obra de história e análise econômica. Tem sido uma verdadeira obsessão para Furtado, ao longo de sua vida científica, descobrir as razões do subdesenvolvimento e os caminhos para viabilizar o desenvolvimento. Segundo ele, o subdesenvolvimento dos países da periferia é produto do desenvolvimento dos países do centro, assim como o desenvolvimento destes é, de certa forma, produto do subdesenvolvimento daqueles. E, assim, o subdesenvolvimento ocorre “em economias que não podem ser concebidas fora de certo sistema de relações internacionais que engendra o fenômeno da dependência” (cit. em Dantas, “O Pensamento Econômico de Celso Furtado”). Isso porque, além de parte do excedente criado nas economias subdesenvolvidas ser transferido para o centro, este bloqueia o acesso daquelas às novas tecnologias e à produção de meios de produção: “o subdesenvolvimento, por conseguinte, é uma conformação estrutural produzida pela forma como se propagou o progresso tecnológico no plano internacional”. A teoria da deterioração dos termos de intercâmbio, formulada por Raul Prebisch, fundador e principal dirigente da CEPAL, serviu de base para explicar os caminhos por onde o excedente econômico é drenado para o exterior.

A efetivação do desenvolvimento econômico nos países periféricos exigia, de acordo com Furtado, o rompimento com a dependência externa: “A partir desse momento, o conceito de desenvolvimento ligou-se explicitamente à idéia de interesse nacional”. Para ele, a indústria é o motor do desenvolvimento e “cabe… à tecnologia desempenhar o papel de fator dinâmico da economia industrial”. Nesse sentido, o conceito de forças produtivas, formulado por List, cumpre um papel chave no sistema teórico de Furtado. O desenvolvimento das forças produtivas é o elemento decisivo para o desenvolvimento econômico, mas este não se limita apenas a isso. Desenvolvimento não é um mero sinônimo de crescimento econômico. Implica também em desenvolvimento social, político e cultural. A cultura, aliás, cumpre importante papel na teoria furtadiana, na medida em que a criação de uma mentalidade favorável é um importante fator propulsor do desenvolvimento. Por fim, no processo desenvolvimentista, cabe ao Estado o papel de “agente propulsor e orientador das atividades econômicas e árbitro dos conflitos de classes na definição do interesse nacional”.

O título escolhido por Geraldo Reis para o trabalho sobre Bulhões não poderia ser mais apropriado – “O anti-desenvolvimentismo de Bulhões” -, pois, à sua época, ninguém foi mais ferrenhamente contra o desenvolvimento do que ele. Referimo-nos, certamente, à fase madura de Bulhões, pois, conforme nos lembra Reis, em sua primeira fase, ele chegou a participar da assessoria econômica do primeiro governo de Vargas, quando comungava, no fundamental, com as idéias que o norteavam, como a industrialização, a ação estatal na economia, o protecionismo. Nesse período, participou da conferência de Bretton Woods, quando chegou a rascunhar com Keynes uma proposta para correção dos desequilíbrios do balanço de pagamentos, o que, segundo ele, “foi um dos fatos mais marcantes da sua vida intelectual” (cit. in Reis).

A partir de 1950, conforme assinala Reis, com o livro “À margem de um Relatório”, Bulhões assume sua verdadeira identidade: desde então, tornou-se no mais duro opositor da CEPAL no Brasil e converteu em sua obsessão o combate sem trégua à inflação. O primado do combate à inflação, isto é, da estabilidade monetária, sobre o desenvolvimento o acompanhou o resto de sua vida. Suas idéias sobre industrialização eram semelhantes às de Gudin. O desenvolvimento poderia prescindir dela, desde que promovesse as exportações. A industrialização poderia ocorrer, mas sem uma política deliberada do Estado, como defendia a CEPAL; resultaria da ação espontânea do mercado, “desde que houvesse liberdade para a iniciativa privada, notadamente a estrangeira, que deveria receber um tratamento especial do governo” (cf. Reis). Isso porque “a entrada de capital estrangeiro evitaria a ampliação dos investimentos do Estado”. Ou seja, à maneira de Gudin, industrialização só com controle estrangeiro.

Ele era intolerante com qualquer nível de inflação. Crescimento, só se fosse com estabilidade monetária. Senão, era melhor que não houvesse crescimento. Depois de algumas tentativas de explicar a inflação por outros caminhos, terminou por se identificar com a visão monetarista: a inflação seria produto do excesso de moeda, que, por sua vez, resultaria, do excesso de gasto público, de investimento privado e de salários, o que seria expressão do conflito distributivo. O centro da política econômica seria, portanto, a eliminação desses “excessos”. Nas palavras de Reis: “na sua visão, a política econômica deveria prioritariamente promover a estabilidade, sobretudo com o uso dos instrumentos clássicos como controle dos gastos públicos, dos salários e do crédito”. E foi isso que fez Bulhões quando, secundado por Roberto Campos, assumiu, em 1964, o comando da área econômica do governo Castelo Branco e implantou o PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo). O resultado foi uma brutal recessão que duraria até 1967.

Criou-se a ilusão de que essa sua ação teria limpado o terreno para o crescimento que ocorreria a partir de 1968. Na verdade, o crescimento se deu graças à mudança da política econômica, que ocorreria sob o comando de Delfim Netto. Admitindo que a economia poderia crescer mesmo com um certo nível de inflação e que a pressão inflacionária teria passado a ser predominantemente de custos (pressão tributária e elevação dos custos financeiros), Delfim adotou um programa que visava estimular a demanda e ocupar a capacidade ociosa, revelando uma flexibilidade que Bulhões e Gudin jamais tiveram. O conservadorismo e o anti-desenvolvimentismo de Bulhões e seus pupilos Roberto Campos e Mário Henrique Simonsen eram tão grandes que se opuseram fortemente ao caminho inaugurado por Delfim, taxando-o ora de “estruturalismo bizarro”, ora de “uma espécie de marxismo de varejo”. Na verdade, a diferença entre Delfim e eles era que, apesar de, como eles, defender o capital estrangeiro, conferia um papel, ainda que secundário, ao capital nacional.

Há quem ache estranho o fato de que, sendo profundamente anti-estatizantes, esses economistas tenham convivido com o crescimento das estatais no período militar. Na verdade, o PAEG propugnava a privatização. No entanto, esse seu aspecto não pôde ser implementado. E Reis, corretamente, dá a razão: “Nem mesmo entre os militares vinculados à ESG, com quem a equipe econômica liderada por Bulhões e Campos tinha proximidade, suas idéias (de privatização, nota nossa) predominavam. Ao contrário, a principal resistência à privatização das empresas era dos militares”. Delfim, por sua vez, mesmo não morrendo de amores pelas estatais, não tinha nada contra sua expansão, desde que ajudassem a promover o crescimento da economia (é durante sua gestão, por exemplo, que se cria o sistema Telebrás). Delfim é uma espécie de desenvolvimentista de filiação neoclássica. E, depois, no período Geisel, passa a predominar a linha militar abertamente favorável à ação estatal e ao protecionismo, programa que é corporificado no II PND.

Isso mostra que não se sustenta um outro preconceito que tem caracterizado os meios intelectuais e políticos brasileiros: o de que teria predominado, durante todo o período militar, as idéias “liberais” dos economistas liderados por Gudin, Bulhões e Campos. Na verdade, elas predominaram apenas no período inicial, de 1964 a 1967, e ainda assim com a resistência dos militares a um de seus principais aspectos, a privatização. Mesmo assim, conseguiram fazer o estrago que fizeram. Aliás, nas poucas vezes em que essas idéias “estiveram” no poder, deixaram um profundo rastro de destruição. Foi assim no começo do século com Joaquim Murtinho; foi assim na década de 60 com Bulhões e Campos; e está sendo assim agora com a equipe econômica de Fernando Henrique Cardoso. Não apenas destruição tem sido o seu legado. Eles têm procurado entregar o que sobra ao monopólio do capital estrangeiro. É nisso que consistem suas idéias “liberais”: liberdade total para a invasão do capital estrangeiro.

O legado do nacional-desenvolvimentismo tem sido o oposto disso. No período de 1930 a 1980, excluindo a gestão Bulhões-Campos e o ligeiro interregno de Gudin, as idéias que predominaram na ação governamental no Brasil foram as do nacional-desenvolvimentismo. E foi sua implementação que transformou o Brasil de uma economia primário-exportadora numa economia urbano-industrial moderna. Nesse período, a economia brasileira foi a que mais cresceu no mundo, a um ritmo anual de 7%, chegando a 10 ou 11% em vários momentos. Foi isso que fez com que o Brasil chegasse a ser a oitava economia do mundo capitalista. O trabalho dos “liberais” tem sido sempre o de destruir o que os nacional-desenvolvimentistas construíram. Não é à toa que a obsessão de Fernando Henrique, repetida compulsivamente no discurso e na prática, vem sendo a de destruir a “era Vargas”. Destruir a “era Vargas” significa, na verdade, destruir o Brasil. Coisa que, certamente, ele não conseguirá. A retomada do debate das idéias econômicas é apenas um dos indícios dessa verdade.

São Paulo, 15 de novembro de 1998

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Na Academia… Quem?… Merval Pereira? Humm…

Levi Bucalem Ferrari

Meados de 2008. Eu acabara de assistir a debate em encontro promovido pela Associação Brasileira de Imprensa – Seção São Paulo, então dirigida pelo meu amigo Audálio Dantas. Foi ele que me apresentou um dos principais debatedores, Cícero Sandroni, à época presidente da ABL – Academia Brasileira de Letras.
Era então presidente da UBE, União Brasileira de Escritores, entidade que oferece o Prêmio Intelectual do Ano, o Troféu Juca Pato, bastante conhecido, disputado, prestigioso. E Sandroni já sabia que naquele ano Antonio Candido seria o homenageado; Antonio Candido que há muito tempo não aceitava qualquer prêmio, qualquer honraria. E que mesmo em relação ao Juca Pato ele há décadas vinha declinando de candidaturas e convites sempre reiterados.
Quando ficamos a sós, Sandroni confessou-me que Antonio Candido era há tempos o “obscuro objeto de desejo” da Academia. Disse como quem confidencia algo e nada mais. Ou, pouco, além disso, com elegância e sutileza, deixou no ar a hipótese de que a UBE poderia ajudá-lo na empreitada: convencer o intelectual a candidatar-se a uma cadeira na casa de Machado de Assis, se é que este ainda mora lá. Se mora, deve estar bastante incomodado, como veremos. Mais tarde.
Antes termino a conversa com Sandroni. Francamente não sei se ele pedia nossa ajuda ou uma opinião, uma dica, o que fosse; ou se apenas lamentava a dificuldade da empreitada. Pessoa extremamente afável, coloquial, deixou-me à vontade para dizer, como quem fala consigo mesmo, que achava difícil que Candido concordasse. Primeiro porque era o jeitão dele não aceitar coisas do tipo, não precisava, não procurava. Daí que não o imagino cumprindo aquele ritual todo de visitar acadêmicos para pedir-lhes o apoio, o voto. Voto e apoio inclusive para acadêmicos alguns dos quais que perambulam pelos cômodos da casa como sombras de pouca significação.
Em todo caso, mais tarde, como o presidente da ABL, honrou-nos com sua presença na cerimônia de entrega do Juca Pato, dei-lhe assento e voz na mesa em que ninguém mais cabia; e, desse modo, alguma oportunidade para que trocasse idéias com Antonio Candido.
Pano rápido, segundo ato: Fico sabendo, há alguns dias, que o jornalista Merval Pereira tornou-se “imortal”; ah, sim, deve haver um “puxadinho” pra ele na ex-casa de Machado de Assis. Só pode ser isso.
E não lhe faltaram votos nem elogios públicos de alguns outros acadêmicos, os de sempre.
Bem, se Candido não pretendia aceitar a candidatura àquela época, creio que hoje ainda menos. Convém ressaltar que não tenho procuração do mestre, e nem comentei o assunto com ele ou qualquer outra pessoa. O que aqui escrevo é de minha responsabilidade exclusiva.
Mas o fato é que a ABL parece-me pouco preocupada em valorizar a si mesma, perdendo oportunidades preciosas de compor um quadro com os melhores escritores, artistas e intelectuais do país.
Nada tenho pessoalmente contra o novo acadêmico. Mas, por outro lado, nada justifica sua eleição entre tantos outros grandes nomes do país que mais a mereciam. E que mais importância agregariam à combalida Academia. Poderia citar muitos escritores, artistas e intelectuais, de ambos os sexos, de todas as regiões do país. Não o faço porque certamente estaria a cometer injustiça pela omissão de outros. Confesso, porém que, numa lista pessoal feita sem muito esforço, cheguei a trinta nomes.
Um nome, todavia, pode ser citado sem riscos. É o do jornalista e escritor baiano Antônio Torres que concorreu e perdeu a vaga para o carioca Merval Pereira. Merval escreveu quatro livros sendo um em parceria, Torres publicou dezesseis. Óbvio que a quantidade aqui não deve ser o único critério comparativo. Sugiro aos leitores que completem o cotejo com a qualidade dos mesmos e a importância dos prêmios recebidos tanto pelos candidatos como por seus livros.
Os adjetivos pátrios, baiano e carioca, não estão aí apenas a enfeitar a frase. Eles também denunciam outra crítica que se tem feito à ABL: ela está cada vez mais carioca e menos brasileira. Há muito tempo.
Volto, por fim, ao fundador e antigo dono da casa. Em seu livro quase testamento Memorial de Aires, Machado extrai do personagem principal o seguinte pensamento:
“Vou ficar em casa uns quatro ou cinco dias, não para descansar, porque eu não faço nada, mas para não ver nem ouvir ninguém, a não ser o meu criado José. Este mesmo, se cumprir, mandá-lo-ei à Tijuca, a ver se eu lá estou. Já acho mais quem me aborreça do que quem me agrade…”

Machado de Assis hoje, ou desde há muito, pensaria diferente: encontrará dentro da própria casa mais quem lhe aborreça do que quem lhe agrade. E, com José ou sem José, se mandaria pra Tijuca. Ou Itaguaí.

Rio de Janeiro, 17 de junho de 2011

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Militância e Resistência

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Germans want more independence from US

Germans want more independence from US

September 10, 2014 22:51

Reuters / Fabrizio Bensch

The majority of German citizens, for the first time in history, insist on less dependence on the United States in terms of their national security and diplomacy, according to a major survey released by the German Marshall Fund think-tank.

The study published on Wednesday shows that most Germans want their country to take a more independent position from the United States, especially on issues as vital as national security and sovereign diplomacy.

A majority of 57 percent of German respondents opted for a more independent approach, according to the Transatlantic Trends survey, which is up from only 40 percent back in 2013. What is even more interesting is that just 19 percent of Germans say they want to have a closer relationship with the United States – compared to 34 percent of Americans who wanted their country to get cosier with Germany.

In Europe as a whole, 50 percent of respondents opted for a more independent security relationship with the United States, which is up eight percent from last year.

“The turbulence in transatlantic relations over the past year is mirrored in this year’s Transatlantic Trends data,” says GMF President Karen Donfried, adding that the crises in the Middle East and Ukraine “underscore the importance of strengthened transatlantic cooperation.”

The US and Germany have been at odds in a spying row ever since Edward Snowden’s National Security Agency revelations in June 2013. In October, it was revealed the NSA had been spying on German Chancellor Angela Merkel’s calls since 2002. A German parliamentary committee has since been holding hearings on the NSA’s spying activities in Germany.

 

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A Nova Ordem Mundial e a Inserção do Brasil: a crise brasileira

Karla Santiago Silva[1]

A Nova Ordem Mundial

O século XX foi marcado por uma evolução tecnológica que estabeleceu novos parâmetros para as relações humanas. É possível dizer que este foi o século das grandes transformações em todos os níveis – econômico, social, político e também cultural. A nova ordem que se estabeleceu abriu espaço para as relações capitalistas internacionais e derrubou fronteiras
entre países; diminuindo o poder regulador dos Estados-nações. Assim, instaurou o que se chamou de “mundo globalizado”, que para Renato Ortiz não passa de um mercado mundial, um lugar “natural” de materialização dos interesses e do desejo de todo e qualquer consumidor.

A conjuntura econômica globalizada hoje domina o cenário internacional e a maioria dos países têm suas economias voltadas para comércio externo. Suas políticas internas de regulamentação da economia nada mais são do que políticas de ajustes internacionais (políticas neoliberais). Neste contexto, o Brasil se viu (e continua a se ver) abalroado por
modelos econômicos falhos e ineficientes, que vêm desestabilizá-lo e agravar ainda mais a injustiça social, afetando também as relações culturais. É importante, para que se possa analisar as relações culturais em nosso país, hoje, entender o que aconteceu anteriormente na organização das sociedades contemporâneas, que resultou no tal “mundo globalizado”.

Era Fordista

A Era Fordista que se estabeleceu constitui, com efeito, uma vasta (não diria longa considerando a duração do
capitalismo) e complicada história que se estende por quase meio século. Foi Henry Ford que deu início ao modelo fordista de produção em 1914. Tal modelo introduziu mudanças significativas não só nos métodos de trabalho, mas, sobretudo, na sociedade e nas relações culturais de uma maneira geral, significando, assim, uma nova forma de organização capitalista. O primeiro passo partiu do entendimento de que a produção em grande quantidade requeria um mercado consumidor maior, ou seja, pessoas com condições financeiras de consumir os bens produzidos em grande escala. No entanto, para que tal projeto pudesse ser implantado, foi preciso melhorar o padrão de vida das pessoas através de melhoria de salários, assistência social e previdenciária. Contudo, o fordismo, apesar de instaurar o pleno emprego e outras vantagens para a classe trabalhadora como uma resposta aos benefícios do socialismo real, tira, por outro lado, o poder do trabalhador de organizar seu ritmo de produção,
separando este do seu produto. O novo modelo encontrou uma resistência enorme porque os sindicatos já se organizavam para que o trabalhador não ficasse alienado, uma vez que, a produção anteriormente era manual. Segundo Harvey:

“O poder exclusivista dos sindicatos fortalecia sua capacidade de resistir à perda de habilidades, ao autoritarismo, à hierarquia e à perda de controle no local de trabalho. A inclinação de uso desses poderes dependia de tradições políticas, formas de organização (o movimento dos comerciários da Inglaterra era particularmente forte) e disposição dos
trabalhadores em trocar seus direitos na produção por um maior poder no mercado.”

Contudo, mesmo tendo mudado a face do capitalismo e trazido benfeitorias sociais, o fordismo começa a sentir os primeiros indícios de problemas já nos anos 60, quando a produção industrial potencializada pelo fordismo já não encontrava mercado consumidor suficiente. Mas foi em meados dos anos 70, em decorrência da crise do petróleo, do colapso do mundo socialista e do alavancado avanço tecnológico, que o produzir em moldes fordista e o Estado do bem- estar entram em declínio.

Muitas foram as dificuldades de investimentos em larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa. Ocorre aqui diminuição do crescimento econômico, aumento da inflação, das taxas de desemprego e, conseqüentemente, um clima de instabilidade e insegurança das sociedades. O capitalismo inaugura, então, o processo de reestruturação
produtiva e econômica de reajuste social e político. Ganha uma nova roupagem guiado pela lógica da acumulação flexível, que, entre outras características, marca a preocupação com a qualidade e a diferenciação dos produtos. As taxas de desemprego em alta, dificultam o Estado de manter os níveis satisfatórios de bem-estar da população. Com mão-de-obra excedente, instabilidade e miséria, começa a haver flexibilidade dos regimes e dos contratos,
desfavorecendo, assim, a rigidez das normas trabalhistas do período fordista. A grande desigualdade social instalada não escolhe raças, assola tanto países periféricos quantos países centrais, destacando que os periféricos sofrem expressivamente devido ao subdesenvolvimento e ao aumento da dívida externa. Nesse novo momento, o capitalismo
resgata o fenômeno político-ideológico do liberalismo.

Período do Neoliberalismo

Foi nos anos 70 e 80 que a economia internacional teve receptividade às teorias neoliberais que apontavam como solução para as crises daquela época com a quebra do poder dos sindicatos, cortes nos gastos sociais, alcance da desejada estabilidade econômica, a restauração da taxa natural de desemprego e por fim o crescimento econômico. O neoliberalismo veio como uma reação teórica ao Estado do bem-estar, trazendo ideais de liberdade econômica e política para o mercado, afirmando que esta não deve sofrer intervenções do Estado. Desta forma, neoliberal, não mais se pensa coletivamente, ao
contrário, as pessoas, individualmente, devem traçar suas possibilidades para chegar ao seus objetivos e metas. Os sindicatos e as corporações, tão importantes no modelo fordista, agora perdem totalmente seu vigor e são praticamente dissolvidas.

Os neoliberais, aliado à globalização, cria um mercado de dinheiro e de créditos globais, sendo que os fluxos financeiros deste “mundo globalizado” não respeitam fronteiras. Estados Unidos e Inglaterra foram os grandes precursores e os primeiros a aplicarem as teorias neoliberais. Em seguida, os países periféricos começaram a adotar das mesmas medidas. Apostando nessas teorias, foram feitos ajustes, à nova ordem econômica globalizada, nos países periféricos que
queriam pôr o neoliberalismo em prática. Porém, as teorias neoliberais se apegaram muito ao investimento financeiro, ou seja, a especulação financeira e esqueceu-se do investimento produtivo, aquele que realmente produz empregos e o crescimento da economia. Segundo, Levi Ferrari:

“Quanto à América Latina as conseqüências do neolioberalismo são ainda piores. Crescem a concentração de riquezas, o desemprego, a miséria e a exclusão social enquanto a
desindustrialização e as privatizações a qualquer custo comprometem a soberania da nações “.
Com a desregulamentação dos sistemas financeiros, de um modo geral, em todo o mundo, surgiu a especulação globalizada. Essa desregulamentação financeira foi um dos fatores que desencadeou a crise e a instabilidade econômica em vários países, inclusive no Brasil.

A Crise Brasileira

Segundo as diretrizes da reunião denominada como o Consenso de Washington, os países periféricos deveriam operar em suas economias um plano único e estratégico de ajustamento. Segundo o consenso, três requisitos mínimos eram necessários para este ajustamento: a estabilização macroeconômica, a abertura da economia e reformas estruturais do Estado. Estes três ajustes iniciais levariam a retomada de investimentos e do crescimento econômico, pelo menos foi assim idealizado. A estabilização econômica seria feita através de combates duros à inflação por meios de planos de estabilização com base na valorização da moeda nacional e na entrada de capitais especulativos.

Como a economia dos países que aplicaram as políticas neoliberais estavam atrelados ao capital especulativo da esfera financeira internacional, os Estados-nações perderam uma parte de seus poderes de regulação de suas economias. Assim, os países tinham que seguir uma espécie de mesma estratégia para que os investidores achassem interessante o
investimento de recursos financeiros naqueles países. Ao fazer este tipo de análise, os investidores verificavam os balanços de pagamentos, as políticas econômicas do país, a abertura econômica para o mercado financeiro, o pagamento ou não das dívidas públicas ou títulos da dívida, se há ou não crise cambial no país e a compensação de perdas e
semelhanças entre países.

A crise brasileira começou com a percepção por parte dos investidores de que os recursos financeiros não tinham correspondência com o valor real das mercadorias ou empresas. Durante a década de oitenta, o Brasil mantinha-se isolado e, mesmo com a efervescência da globalização, manteve uma política protecionista, tentando controlar a hiperinflação ocorrente. Mas, foi no Governo Collor que as fronteiras começaram a abrir discretamente, propiciando a
implementação da agenda neoliberal no país. Já no Governo de Fernando Henrique indiscriminadamente se rompem às fronteiras fazendo com que o Brasil mergulhasse “de cabeça” à agenda e propostas neoliberais.

Quando o Plano Real foi implantado, ainda no período de Governo de Itamar Franco, no que se referia ao controle da inflação e a estabilidade da moeda, os resultados foram fantásticos, pelo menos nos dois primeiros anos. Porém, logo
depois, com a receita baixa, a economia do País começa a enfraquecer. E na tentativa de compensar o déficit da balança comercial, já no Governo de FHC (Fernando Henrique Cardoso) passa a atrair capital estrangeiro para o país através da elevação das taxas de juros, conseqüentemente aumentando a divida externa do País, sem falar no abrupto aumento da
divida interna. Assim, se o Plano Real de um lado ajudou na inflação, de outro alargou inescrupulosamente o desemprego no país, agravando ainda mais seu estado de pobreza.
Hoje, em meio à “bola de neve” que é a dívida externa/interna brasileira e a crise interna movida pela falta de emprego, o Brasil precisa encontrar outras alternativas para conseguir sobreviver diante da nova ordem global, para que não se torne submisso ao predomínio de uma única potência que submete quase todos os países ao seu domínio, mediante a pregação de um neoliberalismo que somente a poucos beneficia.

Pensar em saídas para a crise brasileira não é uma tarefa muito fácil, principalmente, porque, a rigor, responder qual o lugar das diretrizes política brasileira no mundo contemporâneo já seria um grande dilema. Até mesmo porque, fazer política é delimitar-se a seu território, de forma a fazer valer seus sindicatos, governos, partidos, movimentos sociais, é efetivar a atuação territorial limitada. A cultura nacional brasileira já não detém mais do monopólio de definição do sentido de sua vida coletiva. As relações culturais, assim como a identidade nacional, são abaladas pelo movimento da globalização. “A globalização das sociedades e mundialização da cultura rompe com essa integridade espacial, tonando cada vez mais difícil discernir os limites de cada povo ou cultura”. Pode até ser que, num determinado momento, imaginar a política e as relações socioculturais dentro de parâmetros universais e mundializados venha resgatar o sentimento de cidadania e busca de identidade. Entretanto, é importante perceber que: o movimento de desterritorialização das relações sociais nos torna integrantes de uma”sociedade
civil mundial”.

E é assim, como cidadãos mundializados, que devemos nos posicionar para uma reflexão sobre direitos, utopias, deveres e aspirações. O Brasil é realmente um país de agendas e propostas neoliberais e diretrizes política contemporânea? Vale a pena fazer parte da “aldeia global” mesmo sujeito a crises, instabilidade social e fazendo parte das nações periféricas?

Referências Bibliográficas

Ferrari, Levi Bucalem. O Neoliberalismo no Brasil, resumo de palestra proferida na 48a Reunião Anual da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – São Paulo, PUC, 09/07/1996. [on line] Disponível na Internet via URL:
http:// www.mhd.org/artigos/levi_neoliberalismo.html (Arquivo capturado em 14/04/2001, às 11:22:03).

FIORI, José Lúis. O Congresso de Washington, palestra ocorrida no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro,
em 04 de setembro de 1996. [on line] Disponível na Internet via URL: http://www.aepet.org.br/consenso2.html (Arquivo
capturado em 07/05/2000, às 03:22:03).

HARVEY, David. Condição Pós-moderna. São Paulo, Edt. Loyola, 1994.cap.08, p.132.
Ortiz, Renato. Global/universal – uma aproximação indevida. Espaço Aberto. Gazeta Mercantil, 14 de abril de 1997.

ORTIZ, Renato. Mundialização, cultura e política. In: DOWBOR, Ladislau;
IDNNI, Otávio e RESENAE, Paulo Edgar (org).Desafios da Globalização. Petrópolis: Ed.Vozes, 1998.

[1] Acadêmica do 6º semestre em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), MBA Marketing pela Universidade Salvador (UNIFACS), Bacharel em Comunicação Social – Relações Públicas (UNIFACS). Artigo desenvolvido em abril de 2003. E-mail: karlaspader@gmail.com.

Extraído de Portugal em Linha – a Comunidade Lusófona online
http://www.portugal-linha.pt
Produzido em Joomla!
Criado em: 4 March, 2014, 16:55

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Putin Faces Down Obama Over Ukraine

Putin Faces Down Obama Over Ukraine

By Finian Cunningham

March 02, 2014 “Information Clearing House – “Press TV” – American exceptionalism has gone into overdrive with stern warnings from US President Barack Obama to Russia to respect Ukrainian sovereignty and to not destabilize the region.

By “American exceptionalism” we mean Washington’s seemingly unlimited capacity for exceptional arrogance and double think.

Obama has not yet accused Russia outright of “military invasion” in the crisis-torn country, but that was the clear inference from his weekend press conference. In a veiled threat of military confrontation, the American president warned that there would be “costs” for Moscow.

“Any violation of Ukrainian sovereignty and territorial integrity will be deeply destabilizing and the US stands with the international community to affirm that there will be costs [for this violation],” said Obama in a hastily arranged media statement in Washington on Friday.

The White House is obviously rattled by reports of Russian troop movements across Ukraine’s southern Crimean Peninsula. Moscow says that its military presence in the autonomous Crimean republic of Ukraine is fully in accord with a long-standing legal agreement to have its soldiers stationed there as part of its Black Sea naval base.

That agreement was renewed in 2010 between Moscow and Kiev for a further 20 years, affording Russian military presence in the Crimea, particularly the naval base at Sevastopol, which is headquarters for Russia’s Black Sea fleet.

Russian ambassador to the United Nations Vitaly Churkin denied that Russia had invaded Ukraine’s territory and said, “We are operating under this agreement [with Ukraine].”

Events in Crimea took on a chaotic twist in recent days when unknown armed men took over the local parliament and the Russian flag was hoisted. There were also other reports of large troop deployments at the main civilian airport and other facilities. Soldiers were not wearing identifiable uniforms, but there were unconfirmed reports that armored vehicles bore Russian military insignia.

Under the existing military lease of the naval base at Crimea’s Sevastopol, Russia is permitted to station thousands of troops on the Peninsula, and Moscow has in the past routinely engaged in maneuvers there.

However, it is stretching naivety to believe Moscow’s claims that the recent surge in military movements is merely “routine”. The Crimean activity coincides with other large-scale mobilization of Russian troops as well as military aircraft on Russia’s broader border with Ukraine.

But here’s the laughable irony of Obama’s protestations. The latest apparent Russian military moves follow months of US-sponsored destabilization in Ukraine. This illegal and covert American interference has trampled all over Ukrainian sovereignty, which ironically Obama is now accusing his Russian counterpart Vladimir Putin of doing.

Since Ukraine spurned a tentative trade agreement with the European Union at the end of last November, street protests have escalated in the Ukrainian capital, Kiev. Washington and its European allies, including Britain, France and Germany, have done everything to escalate these protests, from high-profile political statements to clandestine military infiltration through the organs of the CIA. The demonstrations in Kiev quickly took on a quasi-military character with sinister fascist elements using firearms and other forms of violence to seize and occupy government buildings. That rapidity betrays the pre-meditated external nature of the “protests”.

There are reliable reports that many of the deaths in clashes between Ukrainian police and protesters were actually caused by Western-backed provocateurs and snipers in a deliberate attempt to inflame the crisis. Washington has infiltrated Ukraine with the CIA and a myriad other so-called “non-governmental organizations” since the early 1990s – with the objective of agitating regime change in the former Soviet Republic.

US State Department official Victoria Nuland recently disclosed that Washington has “invested” some $5 billion in “promoting democracy” (that is, subversion and sedition) in Ukraine over the past two decades.

The crisis came to a head when the embattled elected Ukrainian President Viktor Yanukovych fled suddenly from his office last week and went into exile in Russia. The Ukrainian parliament has since been taken over by his Western-backed opponents and a new interim government installed. Washington and Brussels swiftly moved to recognize this so-called new authority in Kiev, but Russia, with sound legal reasoning, has denounced the sacking of the elected Yanukovych and his government as a coup d’état.

The turmoil in Ukraine has therefore all the hallmarks of a Washington-led regime-change operation. Needless to say that is a wholly criminal interference that makes a mockery of international law. The ultimate target of this meddling, as has been brazenly stated over many years since the early 1990s by Zbigniew Brzezinski and other US imperial planners, is the destabilization of Russia itself.

Risibly, Washington’s new puppet president in Kiev, Oleksandr Turchynov, has now accused Russian forces of “seizing and capturing” the regional parliament and other government buildings in Ukraine’s southern Crimea. This complaint comes from political agitators who used violence and other crimes, including the murder of policemen, to seize government buildings in Kiev, culminating in the ousting of an elected president.

In all this, Russian President Vladimir Putin has maintained a cagey silence. But the Russian leader knows only too well the depth of American deception and hypocrisy, and Washington’s covert agenda for regime change – an agenda which is being ruthlessly pursued against Russia’s Arab ally, Syria.

For now, Moscow seems to be effecting an air of calm legality and playing by the rules, citing that its troops in Crimea are part of its bilateral military agreement with the Ukraine.

But, off the record, the Americans know that what Putin is really saying is this: “You want to break the law, well, OK, we can break it too. Now back off!”

Rules of sovereignty and international law are out the window, and it is Washington and its European puppets who threw all norms out that window with their incessant, illegal interference in Ukraine. Ukrainian territory, and its centuries of shared history, is a vital interest for Russia.

Putin is entirely right to lay down an unspoken military marker to Washington over Ukraine, just like he did when the Americans tried to mess militarily with South Ossetia in 2008 through its NATO proxy, Georgia.

American exceptionalism of arrogance and lawlessness does not understand the language of diplomacy. The only language it responds to is blunt force talking back to force.

Finian Cunningham (born 1963) has written extensively on international affairs, with articles published in several languages. He is a Master’s graduate in Agricultural Chemistry and worked as a scientific editor for the Royal Society of Chemistry, Cambridge, England, before pursuing a career in journalism. He is also a musician and songwriter. For nearly 20 years, he worked as an editor and writer in major news media organisations, including The Mirror, Irish Times and Independent.

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Sherazade e o elogio do racismo e da violência

David G. Borges

(transcrito do Facebook)

Paulo Ferrari compartilhou as afirmações do autor com o seguinte comnetário:
“Uma reflexão interessante e rica. São condensados ensinamentos de vários contratualistas para análise de declarações polêmicas de uma apresentadora. O senso comum sobre direitos humanos apresenta distorção e ignorância sobre os fundamentos históricos e filosóficos em que foram concebidos.”)

Para quem tem dificuldade de entender o motivo pelo qual Rachel Sheherazade recebeu tantas críticas: 1 – O pensamento dela parte de uma visão distorcida de um filósofo chamado Thomas Hobbes (1588-1679). Resumidamente falando, Hobbes afirmava que o ser humano em “estado de natureza” (sem uma estrutura política que o limite) iria sempre perseguir a satisfação de seus desejos, o que resultaria em incessantes conflitos entre as pessoas quando o desejo de um entrasse em conflito com o do outro. Isso resultaria em uma “guerra de todos contra todos”, e daí deriva a necessidade de um estado forte – e absolutista – que através de sua enorme força repressiva conseguisse limitar os conflitos e assim preservar a integridade física das pessoas – ao custo de sua liberdade. O erro de Rachel Sheherazade nesse aspecto: Hobbes nunca defendeu que os cidadãos seriam capazes de executar “justiça” por conta própria – pelo contrário, considerava que a população em geral é intelectualmente incapaz para discernir sobre questões de justiça, e que todos (sem exceção) possuem o mesmo potencial para serem violentos e despóticos em relação aos seus pares. 2 – Quando ela fala sobre o governo ter desarmado os cidadãos e sobre o grupo de justiceiros estar usando de “legítima defesa”, está usando uma interpretação igualmente distorcida de outro filósofo do período moderno, chamado John Locke (1632-1704). Locke afirmava que todo cidadão deveria possuir meios de defender suas propriedades. Mas para Locke a PRINCIPAL propriedade de um ser humano é seu próprio corpo, e este é inviolável – com esse argumento Locke se opôs fortemente à tortura, à pena de morte, a castigos físicos em prisioneiros e à escravidão como fora praticada nas Américas (ele admitia a possibilidade de trabalhos forçados como reparação para crimes contra indivíduos). Na verdade, para Locke o direito à propriedade material nada mais é do que uma “extensão” dos direitos de se auto-possuir (ou seja, propriedade sobre o próprio corpo), então os bens materiais são secundários em relação à integridade física, que seria INVIOLÁVEL. O pensamento de Locke é a base sobre a qual começou a ser construída a noção de direitos humanos, que pessoas como Rachel Sheherazade – e aqueles que a aplaudem – rejeitam (mesmo sem saberem do que se trata). 3 – Quando ela defende que alguém seja capaz de determinar quem é culpado ou inocente, julgar qual seria a pena aplicável e executá-la, está violando um dos fundamentos mais básicos de toda a organização política ocidental: a divisão de poderes. Essa noção se iniciou com Locke (já citado) mas foi aprimorada por um pensador chamado Montesquieu (1689-1755). Para Locke, quanto mais “fraco” for o estado, menor a possibilidade dele se tornar tirânico e abusar do cidadão (o que é uma crítica ao que Hobbes, também já citado, defendia). Montesquieu formulou que o estado deveria, portanto, ser dividido em três seções distintas, cada uma com função diferente: aquela que faz leis, aquela que julga as relações entre cidadãos de acordo com as leis já existentes, e aquela que executa as leis e os julgamentos. Aquilo que hoje chamamos de Legislativo, Judiciário e Executivo, respectivamente. Ao defender a atitude dos justiceiros (ou de policiais que realizam execuções sumárias – coisa que ela também já defendeu), ela está eliminando essa divisão de poderes: o mesmo que determina regras, julga; o mesmo que julga, executa. A consequência, clara, é a de que alguém que faça essas três coisas ao mesmo tempo passa a ter poder de vida ou morte sobre outro cidadão, sem necessariamente ter preparo ou legitimidade para isso – ou seja, nada mais é do que um déspota. E não faltam exemplos históricos disso: todas as ditaduras da história se basearam na falta de limites entre essas três funções. 4 – Quando ela afirma que o fato do rapaz ter fugido imediatamente ao invés de ter prestado queixa é um indício de que ele era culpado de algo, está simplesmente sendo burra: após ser espancado, ter sua orelha arrancada e ser acorrentado nu a um poste – pelo pescoço – alguém em sã consciência iria permanecer no local? Ainda mais sabendo que os mesmos a quem ele deveria reclamar poderiam fazer a mesma coisa novamente, ou podem ter sido coniventes com o que já havia ocorrido? E o fato de que os agressores provavelmente estavam nas redondezas? Qualquer um fugiria correndo em pânico assim que a corrente fosse serrada. 5 – A frase “o contra-ataque aos bandidos é o que chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem estado contra um estado de violência sem limite” é ABSURDAMENTE parecida com as frases usadas por alguns dos movimentos mais violentos da história. Cito como exemplos a Ku Klux Klan (que existe até hoje) e os Nazistas à época da Segunda Guerra Mundial – podem procurar vídeos a respeito no youtube. TODOS os movimentos de “limpeza social” se justificam afirmando que estão apenas se defendendo contra uma ameaça externa. Inúmeros grupos terroristas islâmicos emitem exatamente o mesmo tipo de discurso, e se justificam da mesma forma. A ditadura no Brasil também foi instaurada para supostamente livrar o país da “ameaça” do “comunismo” – e, até onde sabemos, deixou 20 anos de repressão, 457 mortos (confirmados) e pelo menos mil outros “desaparecidos” políticos, além de um grande número de exilados. 6 – Em seu discurso ela propôs que fossem jogados fora todos os fundamentos da constituição brasileira, além de nossos códigos penal, processual e civil. 7 – Ela não atentou para o fato de que os “justiceiros” também cometeram vários crimes graves, e que por isso são potencialmente tão perigosos para a sociedade quanto o homem que “puniram”. 8 – Quando falou sobre defensores dos direitos humanos, demonstrou não conhecer SEQUER o conceito de “direitos humanos”. Ela e seus admiradores acreditam que “direitos humanos” é o nome de alguma coisa genérica que só aparece em casos que envolvem criminalidade, e sempre para defender a parte “errada” da história. Desconhece, por exemplo, que é por causa do conceito de direitos humanos que as pessoas não podem mais ser escravizadas, que é proibido chicotear alguém para que trabalhe mais, que jornadas de trabalho são limitadas a um determinado número de horas, que ninguém pode ser preso sem justificativa, que todos devem ter direito a um julgamento justo e a ampla defesa, que tortura não é aprovada como método de interrogatório, que o governante não pode ordenar a execução sumária de alguém que não goste, que o estado deve providenciar o mínimo necessário para a sobrevivência e a educação das crianças, que jovens menores de idade não podem ser vendidas para casar, que o governante não pode exigir de um casal recém-casado que a mulher passe a noite de núpcias com ele… coisas que afetam o cidadão comum, que poderia ainda estar sendo vítima disso tudo – como já aconteceu em outros momentos históricos. Ou seja, a mentalidade de Rachel Sheherazade precisa alcançar, NO MÍNIMO, o século DEZESSETE. E eu nem entrei em outros pormenores, como os fundamentos da ética kantiana (que também é base da concepção de direitos humanos), da ética cristã (ela alega ser cristã), dos crimes que ela cometeu ao falar aquelas barbaridades em rede nacional (incitação ao ódio e apologia ao crime), do fato de que a criminalidade é fruto de condições sociais e por isso o indivíduo que se torna criminoso não tem total controle sobre sua escolha (coisa que se sabe desde o século XIX), que o sentimento de revanchismo pode levar a população a um “comportamento de massa” que resulte em um movimento totalitário (fenômeno que ocorreu na Segunda Guerra Mundial, mas só foi explicado academicamente na década de 50), e assim sucessivamente. No final das contas, quando você concorda com Rachel Sheherazade isso diz muito mais a seu respeito do que a respeito dela.
Para quem tem dificuldade de entender o motivo pelo qual Rachel Sheherazade recebeu tantas críticas:

1 – O pensamento dela parte de uma visão distorcida de um filósofo chamado Thomas Hobbes (1588-1679). Resumidamente falando, Hobbes afirmava que o ser humano em “estado de natureza” (sem uma estrutura política que o limite) iria sempre perseguir a satisfação de seus desejos, o que resultaria em incessantes conflitos entre as pessoas quando o desejo de um entrasse em conflito com o do outro. Isso resultaria em uma “guerra de todos contra todos”, e daí deriva a necessidade de um estado forte – e absolutista – que através de sua enorme força repressiva conseguisse limitar os conflitos e assim preservar a integridade física das pessoas – ao custo de sua liberdade. O erro de Rachel Sheherazade nesse aspecto: Hobbes nunca defendeu que os cidadãos seriam capazes de executar “justiça” por conta própria – pelo contrário, considerava que a população em geral é intelectualmente incapaz para discernir sobre questões de justiça, e que todos (sem exceção) possuem o mesmo potencial para serem violentos e despóticos em relação aos seus pares.

2 – Quando ela fala sobre o governo ter desarmado os cidadãos e sobre o grupo de justiceiros estar usando de “legítima defesa”, está usando uma interpretação igualmente distorcida de outro filósofo do período moderno, chamado John Locke (1632-1704). Locke afirmava que todo cidadão deveria possuir meios de defender suas propriedades. Mas para Locke a PRINCIPAL propriedade de um ser humano é seu próprio corpo, e este é inviolável – com esse argumento Locke se opôs fortemente à tortura, à pena de morte, a castigos físicos em prisioneiros e à escravidão como fora praticada nas Américas (ele admitia a possibilidade de trabalhos forçados como reparação para crimes contra indivíduos). Na verdade, para Locke o direito à propriedade material nada mais é do que uma “extensão” dos direitos de se auto-possuir (ou seja, propriedade sobre o próprio corpo), então os bens materiais são secundários em relação à integridade física, que seria INVIOLÁVEL. O pensamento de Locke é a base sobre a qual começou a ser construída a noção de direitos humanos, que pessoas como Rachel Sheherazade – e aqueles que a aplaudem – rejeitam (mesmo sem saberem do que se trata).

3 – Quando ela defende que alguém seja capaz de determinar quem é culpado ou inocente, julgar qual seria a pena aplicável e executá-la, está violando um dos fundamentos mais básicos de toda a organização política ocidental: a divisão de poderes. Essa noção se iniciou com Locke (já citado) mas foi aprimorada por um pensador chamado Montesquieu (1689-1755). Para Locke, quanto mais “fraco” for o estado, menor a possibilidade dele se tornar tirânico e abusar do cidadão (o que é uma crítica ao que Hobbes, também já citado, defendia). Montesquieu formulou que o estado deveria, portanto, ser dividido em três seções distintas, cada uma com função diferente: aquela que faz leis, aquela que julga as relações entre cidadãos de acordo com as leis já existentes, e aquela que executa as leis e os julgamentos. Aquilo que hoje chamamos de Legislativo, Judiciário e Executivo, respectivamente. Ao defender a atitude dos justiceiros (ou de policiais que realizam execuções sumárias – coisa que ela também já defendeu), ela está eliminando essa divisão de poderes: o mesmo que determina regras, julga; o mesmo que julga, executa. A consequência, clara, é a de que alguém que faça essas três coisas ao mesmo tempo passa a ter poder de vida ou morte sobre outro cidadão, sem necessariamente ter preparo ou legitimidade para isso – ou seja, nada mais é do que um déspota. E não faltam exemplos históricos disso: todas as ditaduras da história se basearam na falta de limites entre essas três funções.

4 – Quando ela afirma que o fato do rapaz ter fugido imediatamente ao invés de ter prestado queixa é um indício de que ele era culpado de algo, está simplesmente sendo burra: após ser espancado, ter sua orelha arrancada e ser acorrentado nu a um poste – pelo pescoço – alguém em sã consciência iria permanecer no local? Ainda mais sabendo que os mesmos a quem ele deveria reclamar poderiam fazer a mesma coisa novamente, ou podem ter sido coniventes com o que já havia ocorrido? E o fato de que os agressores provavelmente estavam nas redondezas? Qualquer um fugiria correndo em pânico assim que a corrente fosse serrada.

5 – A frase “o contra-ataque aos bandidos é o que chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem estado contra um estado de violência sem limite” é ABSURDAMENTE parecida com as frases usadas por alguns dos movimentos mais violentos da história. Cito como exemplos a Ku Klux Klan (que existe até hoje) e os Nazistas à época da Segunda Guerra Mundial – podem procurar vídeos a respeito no youtube. TODOS os movimentos de “limpeza social” se justificam afirmando que estão apenas se defendendo contra uma ameaça externa. Inúmeros grupos terroristas islâmicos emitem exatamente o mesmo tipo de discurso, e se justificam da mesma forma. A ditadura no Brasil também foi instaurada para supostamente livrar o país da “ameaça” do “comunismo” – e, até onde sabemos, deixou 20 anos de repressão, 457 mortos (confirmados) e pelo menos mil outros “desaparecidos” políticos, além de um grande número de exilados.

6 – Em seu discurso ela propôs que fossem jogados fora todos os fundamentos da constituição brasileira, além de nossos códigos penal, processual e civil.

7 – Ela não atentou para o fato de que os “justiceiros” também cometeram vários crimes graves, e que por isso são potencialmente tão perigosos para a sociedade quanto o homem que “puniram”.

8 – Quando falou sobre defensores dos direitos humanos, demonstrou não conhecer SEQUER o conceito de “direitos humanos”. Ela e seus admiradores acreditam que “direitos humanos” é o nome de alguma coisa genérica que só aparece em casos que envolvem criminalidade, e sempre para defender a parte “errada” da história. Desconhece, por exemplo, que é por causa do conceito de direitos humanos que as pessoas não podem mais ser escravizadas, que é proibido chicotear alguém para que trabalhe mais, que jornadas de trabalho são limitadas a um determinado número de horas, que ninguém pode ser preso sem justificativa, que todos devem ter direito a um julgamento justo e a ampla defesa, que tortura não é aprovada como método de interrogatório, que o governante não pode ordenar a execução sumária de alguém que não goste, que o estado deve providenciar o mínimo necessário para a sobrevivência e a educação das crianças, que jovens menores de idade não podem ser vendidas para casar, que o governante não pode exigir de um casal recém-casado que a mulher passe a noite de núpcias com ele… coisas que afetam o cidadão comum, que poderia ainda estar sendo vítima disso tudo – como já aconteceu em outros momentos históricos.

Ou seja, a mentalidade de Rachel Sheherazade precisa alcançar, NO MÍNIMO, o século DEZESSETE. E eu nem entrei em outros pormenores, como os fundamentos da ética kantiana (que também é base da concepção de direitos humanos), da ética cristã (ela alega ser cristã), dos crimes que ela cometeu ao falar aquelas barbaridades em rede nacional (incitação ao ódio e apologia ao crime), do fato de que a criminalidade é fruto de condições sociais e por isso o indivíduo que se torna criminoso não tem total controle sobre sua escolha (coisa que se sabe desde o século XIX), que o sentimento de revanchismo pode levar a população a um “comportamento de massa” que resulte em um movimento totalitário (fenômeno que ocorreu na Segunda Guerra Mundial, mas só foi explicado academicamente na década de 50), e assim sucessivamente.

No final das contas, quando você concorda com Rachel Sheherazade isso diz muito mais a seu respeito do que a respeito dela.

Autor: David G. Borges

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Editorial: Doña Soledad, póngase um poco a pensar

Publicado no Diario La República – Montevideo-Uruguay

Martes 25 de febrero de 2014 | Montevideo – Uruguay

Publicado el 25/2/2014 – 7:00

La tensa situación que se vive en Venezuela se puede analizar desde diversos planos: la crisis aislada de un país o la crisis dentro de un marco global.

El politólogo Moniz Bandeira, autor del libro La Segunda Guerra Fría, al ser consultado por los acontecimientos de estos días en Venezuela, indicó que estos son un producto de la misma estrategia aplicada en los países de Eurasia, en la llamada “primavera árabe” y en Ucrania. Según Moniz, autor de más de 20 libros sobre las relaciones de los Estados Unidos con América Latina y ahora con Europa y Asia, existe un esquema en Washington para subvertir los regímenes, que fue perfeccionado desde el gobierno de George W. Bush, y comienza con el entrenamiento de agentes provocadores.

Según el analista, que ha sido colaborador de LA REPÚBLICA y de La Onda digital, esos agentes infiltrados organizan manifestaciones pacíficas, de acuerdo a las instrucciones del profesor Gene Sharp, en el libro From Dictatorship to Democracy, traducido a 24 idiomas y distribuido por la CIA y por las fundaciones y ONGs. El objetivo es inducir a los gobiernos a reaccionar, violentamente, y así poder ser acusados de excesos en la represión de las manifestaciones y de violar los derechos humanos, etc., lo que lleva a justificar la rebelión armada, financiada y equipada desde el exterior.

Se apunta, según Moniz Bandeira, a socavar la estabilidad y la fuerza económica, política y militar de un Estado sin recurrir al uso de la fuerza por medio de la insurrección, pero provocando violentas medidas. Se trata de lo que el coronel David Galula definió como “cold war revolutionary”, es decir, actividades de insurgencia que se mantienen, la mayor parte del tiempo, dentro de la legalidad, sin recurrir a la violencia.

El autor de la Segunda Guerra Fría recuerda que este cuadro político sucedió en Serbia, en Ucrania, en Georgia y en otros países, por acciones de la Freedom House y otras ONG norteamericanas. Esta política está siendo aplicada en Venezuela y, seguramente, intentan aplicarla en Brasil con los black block, asegura, alarmado por la perspectiva.

La garantía de este análisis está en que Moniz Bandeira no es un simple gritón antiimperialista, sino que es reconocido en el mundo entero por sus estudios realizados con profundidad sobre la política exterior de Estados Unidos.

Es, además, un profesor distinguido por Itamaraty, a la vez que goza de afecto y de prestigio por parte de la presidenta Dilma y del ex presidente Lula, entre otros dirigentes políticos de su país.

Esta hipótesis de trabajo sería bueno que fuera considerada con atención por la izquierda latinoamericana, en estos momentos en que Venezuela cruje, Brasil no sale del impacto de las manifestaciones de las clases medias y que en nuestro Uruguay un día nos levantamos y comenzamos a sospechar que los ocho mil contenedores de basura incendiados pueden ser fruto del crimen organizado.

Por todo esto, doña Soledad, póngase un poco a pensar, aunque más no sea para concluir que la tesis de Moniz Bandeira es incorrecta.

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Akopov: Rússia está ressurgindo e se concentrando

(transcrito de http://cafenapolitica.com.br)

O embaixador da Rússia no Brasil, Sergey Akopov, recebeu a equipe do cafenapolitica.com.br e da TV Cidade Livre de Brasília, para falar da nova Rússia que está surgindo no mundo e cujo papel no cenário mundial já se reflete em articulações diplomáticas que já evitou, mediante ação pessoal do presidente Vladimir Putin, pelo menos duas invasões militares norte-americanas: na Síria e no Irã: “A Rússia não acabou. Está ressurgindo e concentrando forças para um salto para a frente”, disse Akpovov aos jornalistas FC Leite Filho e a Beto Almeida, destacando, porém que “sempre atuando dentro do princípio internacional de não intervenção e levando em conta a um novo sistema multipolar de governança mundial”.

Sergey Akopov, que também comentou os incidentes na Ucrânia, os BRICS, grupos de países reunindo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que vai fazer sua próxima reunião de cúpula em Brasília, no mês de julho, o acordo de cooperação militar, Brasil e Rússia, do papel da CELAC e, logicamente, os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, promovidos pela Rússia e que estariam sendo acompanhados por cerca de três bilhões de telespectadores e internautas no mundo inteiro.

Para ele, “um só país ou uma raça” não pode resolver todos os problemas da humanidade. “Nós já vimos isso antes da II Guerra Mundial e deu no que deu”. Daí a importância dos novos focos de poder, econômico, cultural e político que estão surgindo no mundo. Akopov incluiu entre esses focos os BRICs e a CELAC (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos), além da cooperação russo-chinesa: “Aqui, o mais importante é o respeito absoluto às normas e princípios do direito internacional de não intervenção. Sem isso, não é possível manter uma paz verdadeira no planeta”.

Na entrevista Akopov foi indagado da denúncia do politólogo brasileiro residente na Alemanha Luiz Alberto Moniz Bandeira de que ONGs financiadas pelos Estados Unidos estivessem atuando visando à desestabilização da Ucrânia e da carta do presidente Putin chamando a atenção para a inviabilidade de aplicação do conceito do que chama o “excepcionalismo norte-americano”. Akopov respondeu ser “estranho que representantes dos Estados Unidos e da Europa, que falam e exigem a não intervenção na Ucrânia, encontrem-se abertamente imiscuindo-se nos assuntos internos, inclusive participando pessoalmente das manifestações, na Praça da Independência, em Kiev”. Ressaltou então que a grande prioridade no caso ucraniano é o respeito à não intervenção.

Finalmente, o embaixador russo falou sobre a cooperação do Brasil com seu país, que já redundou nas visitas dos presidentes Sarney, Lula e Dilma a Moscou e dos presidentes Putin e Dimitry Medvedev, que resultaram em acordos cooperação tecnológica, inclusive para produção, desenho e desenvolvimento na área militar, científica e espacial. Sobre o acordo para aquisição de um sistema de defesa de mísseis antiaéreos, por parte do Brasil, disse estar seguro do início de uma grande cooperação que, no futuro, certamente, vai abarcar outras áreas.


Cordialmente, FC Leite Filho
____________
Veja meu blog:
http://cafenapolitica.com.br

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Ucrânia: Banho de sangue em Kiev

Levi Bucalem Ferrari

Nesta manhã de 21/2/2014, caí da cama às 6 horas e,depois do café, saio prá comprar um jornal e vejo estampada na capa de “O Globo” a manchete: “Ucrânia sofre sanções após massacre nas ruas” seguida pelo sub-título “Número de mortos em confrontos na capital varia entre 47 e 70 só ontem.” Asustado com o banho de sangue compro o jornal (o que nem sempre faço pois estou ciente de de sua “qualidade” e “neutralidade”, ambas sofríveis e/ou manipuladoras.

Incontinenti, penso no número de mortes violentas na cidade onde dormi tão pouco tempo, cerca de quatro horas. Não é irreal que nosso número pode ter se igualado ou mesmo superado os de Kiev. Se somarmos São Paulo e outras grandes cidades tidas como mais violentes, os ucranianos perdem longe.

Segundo levantamentos realizados entre 2000 e 2010, publicados no mesmo “O Globo” em 06 de março de 2013, A taxa média de homicídios foi em 2010 de 20,4 por 1.000 habitantes. Se considerarmos que nossa população tem por volta de 200 milhões de habitantes é de se supor que só naquele ano foram assassinadas 40.800 pessoas. Se acrescentarmos outras mortes violentas, como as de trânsito, p. ex. é possível que o número dobre. Se considerarmos ainda como violência, fenômenos como sub-nutrição, falta de sanemento básico, precariedade da saúde pública e de assistência médica chegaremos a números astronômicos, de fazer inveja aos ucranianos. E, por outro lado, se estendermos a “performance” brasileira por, digamos, 2 ou 3 anos, é quase certo que deixaremos na 2a. divisão a maioria dos países que estão há muito tempo em guerra civil aberta.

Mas quanto a disputa entre Brasil e Ucrânia, prefiro que ocorra apenas na Copa do Mundo – se houver coincidências. E, até aí ainda devemos ganhar.

Brincadeiras a parte, esclareço que qualquer banho de sangue será sempre abominável. Como não pretendo falar de Brasil, mas de Ucrânia, é preciso termos mais informações sobre o que ocorre naquele país.

Parte da resposta está no mesmo jornal num editorial publicado à página 20 com o título “Putin é a chave para deter tragédia na Ucrânia”. Aqui se expõe que a causa imediata dos conflitos estaria na supensão “intempestiva” feita pelo presidenten Yanukovych entre um acordo cmercial com a UE em troca de proposta russa de compra de US 15 milhões em títulos da dívida ucraniana e o fornecimento de gás a preços subsidiados.

Continua o editorial a afirmar que “o acordo com a UE dava esperanças à população, principalmente aos jovens desejosos de melhorar a qualidade de vida no país”. Há ainda menções a uma longa e acirrada disputa geo-política entre Rússia de um lado e potências ocidentais de outro, por um dos países mais ricos da ex- União Soviética.

Sem citar números ou percentagens, o Editorial abre, contudo, alguma brecha interpretativa ao afirmar que uma guerra civil na Ucrânia torna-se mais factívl se considerarmos que o país já está divido entre pró-russos e pró-ocidentais.

Ora, como não há números não poderemos saber quanto estão de um lado e quantos de outro. E nem se os manifestantes de Kiev, representam a maioria da população ucraniana.

Lamentando sempre os mortos e feridos de ontem, devo todavia lembrar dos alertas já fornecidos pelo Professor Moniz Bandeira, Intlectual do Ano pela União Brasielira de Escritores – UBE, candidato a Prêmio Nobel de Literatura pela mesma UBE e pela Academia Mineira de Letras e autor do recente “A segunda Guerra Fria” (Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2013).Em entrevista ao portal “Carta Maior” em 21 p.p. depois de apontar uma “aliança entre ONG´s ocidentais e neonazistas na Ucrânia” termina por afirmar que:

“…logo após os atentados contra as torres gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush (2001-2009), ao mesmo tempo em que deflagrou a War on Terror, a guerra sem fim, estabeleceu a “freedom agenda” e autorizou o Departamento de Estado a criar a Middle East Partnership Initiative (MEPI) com o propósito de treinar ativistas político, com base no From Dictatorship to Democracy, do professor Gene Sharp, usado na Sérvia, na Ucrânia, na Geórgia e em outros países.

“O objetivo era treinar e encorajar dissidentes e “reformistas democráticos!, sob os “regimes repressivos” no Irã, na Síria, na Coreia do Norte e na Venezuela, entre muitos outros, a solapar a estabilidade e a força econômica, política e militar de um Estado sem recorrer ao uso da insurreição armada ou de golpe militar, mas provocando violentas medidas, a serem denunciadas como emprego de força brutal, abuso dos direitos humanos etc. e provocar o descrédito do governo. A estratégia do professor Gene Sharp consiste na luta não violenta, porém complexa, travada por vários meios, como protestos, greves, não cooperação, deslealdade, boicotes, marchas, desfiles de automóveis, procissões etc., em meio à guerra psicológica, social, econômica e política, visando à subversão da ordem. Ela serviu para promover as chamadas “revoluções coloridas”, na Eurásia, e a “primavera árabe”, na África do Norte e Oriente Médio. E ONGs, finaciadas pela Now Endowment for Democracia (NED), USAID e CIA e outras instituições públicas e privadas, foram e são nada menos que a mão invisível Washington.

“Daí a secretária de Estado Assistente, Victoria Nuland, ter declarado na conversa com o embaixador Geoffrey Pyatt que, nas duas últimas décadas, os Estados Unidos gastaram US$ 5 bilhões para a “democratização” da Ucrânia, i. e., para subverter os regimes, cortar seus laços históricos com a Rússia e integrá-lo na sua esfera de influência, via União Européia. Victoria Nuland é esposa de Robert Kagan, líder dos neoconservadores (neo-cons) do ex-presidente George W. Bush, cujo papel como “universal soldier”, o presidente Barack Obama passou a desempenhar.”

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Politólogo: Venezuela é a próxima vítima dos EUA

O politólogo Moniz Bandeira, autor do livro A Segunda Guerra Fria, advertiu hoje que os acontecimentos na Venezuela são um produto da mesma estratégia aplicada nos países da Eurásia, na chamada “primavera árabe” e outra vez na Ucrânia. Segundo Moniz, autor de mais de 20 livros sobre as relações dos Estados Unidos com a América Latina e agora com a Europa e a Ásia, há um esquema de Washington para subverter os regimes, que foi aperfeiçoada, desde o governo de George W. Bush, e começa com com o treinamento de agentes provocadores.

– Tais agentes infiltrados organizam manifestações pacíficas, com base nas instruções do professor Gene Sharp, no livro From Dictatorship to Democracy, traduzido para 24 idiomas e distribuído pela CIA e pelas fundações e ONGs. O objetivo é levar os governos a reagirem, violentamente, e assim poderem ser acusados de excessos na repressão das manifestações e de violar os direitos humanos etc., o que passa a justificar a rebelião armada, financiada e equipada do exterior e, eventualmente, a intervenção humanitária – explica o politólogo.

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A estratégia, ainda segundo Moniz Bandeira, hoje residindo na alemanha, consiste em fomentar o Political defiance, i.e., o desafio político, termo usado pelo coronel Robert Helvey, especialista da Joint Military Attaché School (JMAS), operada pela Defence Intelligence Agency (DIA), para descrever como derrubar um governo e conquistar o controle das instituições,mediante o planejamento das operações e a mobilização popular no ataque às fontes de poder nos países hostis aos interesses e valores do Ocidente.

– Ela visa a solapar a estabilidade e a força econômica, política e militar de um Estado sem recorrer ao uso da força por meio da insurreição, mas provocando violentas medidas, a serem denunciadas como “overreaction by the authorities and thus discrediting the government”. A propaganda é “a key element of subversion” e inclui a publicação de informações nocivas às forças de segurança, bem como a divulgação de rumores falsos ou verdadeiros destinados a solapar a credibilidade e a confiança no governo, diz o politólogo brasileiro, que tem residência na Alemanha.

Trata-se do que o coronel David Galula definiu como “cold war revolutionary”, i.e., atividades de insurgência que permanecem, na maior parte do tempo, dentro da legalidade, sem recorrer à violência.

– Assim aconteceu na Sérvia, na Ucrânia, Geórgia e em outros países, pela Freedom House e outras ONGs americanas, que instigaram e ajudaram, com o emprego de ativistas, a impulsar as demonstrações na Síria, como expus, documentadamente, em a A Segunda Guerra Fria. Agora está sendo aplicada na Venezuela e, seguramente, tentam aplicar no Brasil com os black block.

As conclusões de Moniz Bandeira estão fartamente no livro A Segunda Guerra Fria, editado recentemente pela Editora civilização Brasileira, inclusive com edição em e-book nas diversas ofertas do mercado, como a Amazon.com.

(Sobre o livro A Segunda Guerra Fria)

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