Eugênio Carlos Ferrari(*)
No desencadeamento dos já exitosos Programas Mais Médicos e Estratégia de Saúde da Família, sancionados pelo Governo da Presidenta Dilma Rousseff, forças retrógradas se manifestam de modo falacioso no sentido de esconder seus interesses subalternos. Tais interesses, por sua vez, contrapõem-se às necessidades sentidas no campo da saúde, expressas justamente nas frações socialmente mais vulneráveis da população brasileira.
A importância das Políticas Públicas de Saúde direcionadas à visão holística proposta pela medicina generalista, são amplamente contempladas na Estratégia de Saúde da Família, que visa à promoção e recuperação do bem-estar biopsicossocial, proposto como normativa pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Torna-se flagrante a contraposição dos interesses privatistas, que pretendem a Expropriação da Saúde Pública pela pseudo-filantropia, ardilosamente contemplada por notórios opositores.
No exato momento em que se discute a ética nos hospitais, há que se ter uma visão mais abrangente de todo um processo criado pela legislação privatista promulgada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998, motivo de Adin – Ação Direta de Inconstitucionalidade – que se arrasta no seu julgamento final no STF, a partir do voto do Ministro Ayres Brito – Adin.1923/1998 contra lei 9637 (que legaliza a terceirização da gestão de serviços e bens coletivos para entidades privadas mediante o repasse do patrimônio, bens, serviços, servidores e recursos públicos), hoje se encontra vítima de inúmeras manobras protelatórias no seu processo decisório.
Cabe assinalar que no referido período – 1998/2014 – houve crescente e avassaladora apropriação privada dos recursos públicos destinados ao setor saúde, que assume aspectos particularmente teratológicos, com nomenclatura as mais variadas – OSs, Oscips, Ongs, Fundações e PPPs -, em características terceirizações e quarteirizações. Para tanto, basta examinar as bilionárias dotações orçamentárias, transferência de equipamentos de saúde, construídos com dinheiro público, destinadas a essas entidades pseudo-filantrópicas realizadas, nos últimos anos, muito especialmente no Estado de São Paulo e inspiradas em propostas a partir da consultoria, alavancada pelo PSDB e aliados, designada como Via Pública, de seu Diretor Executivo Pedro Paulo Martoni Branco.
A legitimação política das atividades do sistema médico financiado pelos contribuintes, contemplados pelas dotações orçamentárias expressas no orçamento público consolidado, só pode ser estabelecida por um programa assistencial que defina e controle os custos e a qualidade dos serviços oferecidos no seu complexo médico-hospitalar, obrigatoriamente comprometido com a produção de decisivos indicadores de boa saúde da população.
Dotar recursos, da forma que está sendo instada a fazer a gestão pública, por “lobbies” pseudo-filantrópicos, liderados pelos eternos predadores dos parcos recursos públicos implica, literalmente, hospitalizar todo o nosso orçamento federal ( o Brasil destina, desde a década de 90, considerada uma série histórica, em média 3,5% do orçamento público consolidado, ante uma média latino-americana de 10% e nos países ricos do hemisfério norte, entre 11% e 12%). Podemos dizer ainda que o país facilmente consumiria todo o nosso limitado PIB (os gastos americanos em saúde hoje consomem, aproximadamente, 3 trilhões de dólares), caso atendesse ao modelo propugnado pelos atuais nobres conselheiros dos poderes centrais.
No plano federal, hospitalizar o orçamento do Ministério da Saúde e do SUS, em benefício dos que se locupletam com os dinheiros públicos, uma vez enredada as mais altas instâncias do poder nacional em falaciosa argumentação, tecidos em sedutoras atitudes de conotação pseudo-afetivas, seria cair em erro crasso, que imobilizaria a nação em nome de interesses inconfessáveis desses atípicos oráculos da não Hipocrática Medicina Brasileira.
As distorções verificadas, particularmente no Estado de São Paulo, remontam a antecedentes históricos, que demandam uma reconstituição do equivocado processo evolutivo, na gênese dos métodos de implantação e operacionalização do sistema de saúde instalado há décadas no âmago do modelo técnico-científico proposto: os que propugnam esse modelo técnico-científico, só aplicado nos Estados Unidos e aqui inoculado na Faculdade de Medicina da USP, na década de 50, pela Fundação Rockefeller, com a mimetização colonial do sistema de ensino e modelo de assistência médica americanos, contaminaram imperialmente todas as nossas instituições de saúde e as práticas médicas. Tais práticas, disseminadas por efeito demonstração em todo o território nacional, mostraram-se, desde então, incongruentes com as necessidades sentidas específicas da nossa população e a custos inexequíveis para a solução dos problemas de saúde de um país em desenvolvimento.
Os atuais gestores desta apropriação privada dos recursos públicos pelos eternos donos da “Casa Grande Médica”, herdeiros vinculados aos seus vícios genéticos históricos da natural sucessão familiar dinástica no Incor e demais departamentos do HC da FMUSP (basta consultar a biografia dos senhores donos do poder da Academia “Casa Grande e Senzala” e seus parentescos filogenéticos), reproduzem esse modelo contraproducente. Tipificam, ainda hoje, o nosso clássico nepotismo acadêmico em que pontificam os ancestrais (Pais, tios, aparentados em diversos graus e até mesmo afilhados dos antigos Professores Catedráticos). Ao modo dos protocolos do antigo estilo de convivência política, os descendentes outorgados com os títulos de Professores Titulares, perseveram o tradicional papel de convivas palacianos, pertencentes ao aristocrático círculo afetivo e, porque não dizer, muito pior que afetivos, nefastamente efetivos e influentes na formulação de uma política nacional de saúde, marcada hoje pela espoliação dos nossos escassos recursos, em detrimento dos interesses coletivos.
Tais fatos implicam distorções no tocante ao pensamento pertinente à saúde pública dos nossos bem intencionados dirigentes republicanos máximos, enredados inocentemente por confrarias médicas, inspirados pelos eternos “Donos do Poder”, nos remetendo ao grande mestre, Raymundo Faoro.
O processo organizatório do sistema de produção da saúde deve estar submetido a uma permanente dinâmica crítica, informado pelas necessidades sentidas, sem minimizar problemas no setor saúde e delineando novas diretrizes programáticas. É imperativo jamais abdicar do dever indeclinável das autoridades sanitárias federais no sentido de manterem estrito controle no tocante aos recursos disponibilizados, vetando terceirizações e quarteirizações em perdulárias parcerias com entidades privadas, caldo de cultura por excelência destinado à malversação de recursos públicos.
Constitui prática temerária, diante dos fatos apontados, discutir afoitamente todos os dispositivos legais que contemplem transferências orçamentárias federais, que açodadamente são pleiteadas por governadores e prefeitos com ousada pretensão acusatória ao ignorarem todo o empenho da administração pública no intuito de implementar uma política responsável e exequível nos anos do seu mandato. Nada justifica dotar com verbas hipertrofiadas Estados e Municípios, que insistam nessas práticas predatórias do financiamento do Setor Saúde. O referido expediente, disseminado especialmente no Estado de São Paulo, é flagrantemente inconstitucional, propiciando malversação dos escassos recursos públicos, como se pode facilmente comprovar, em prática contumaz, na gestão de OSs, Oscips e Ongs de variadas designações.
Há que se ressaltar, a título de exemplificação histórica dos riscos a que nos expomos, reproduzindo modelos de assistência à saúde anômalos, presididos pelos interesses da “Indústria de Saúde Privada”, por natureza espoliativa dos recursos públicos. Recordemo-nos, a título de exemplo no nosso meio, a dilapidação de recursos federais bilionários do INPS, desde 1966, Inamps, SUDS em São Paulo na gestão Quércia e do SUS nas gestões Fleury e PSDB em São Paulo, com o expediente da utilização de métodos de terceirização e quarteirização, a partir de 1998, de recursos provindos para o financiamento da saúde.
No intuito de alertar para a dimensão de riscos prospectivos, da má alocação de recursos no setor saúde, devo assinalar o registro de que a inflação média mundial nos últimos 20 anos esteve situada entre 2% e 3% ao ano, enquanto no mesmo período a inflação média mundial do segmento econômico pertinente à saúde transitou entre 16% a 18% ao ano. Como motivo de reflexão, podemos ainda examinar o fato exemplar expresso pelos gastos da economia americana no ano de 2013, que consumiram 3 TRILHÕES DE DÓLARES, com resultados considerados desastrosos, implicando imperativa reforma do sistema de saúde americano, com alto custo político para o Governo Obama.
Para uma possível contribuição adicional, julgo de suma importância atentar para o fato reconhecido internacionalmente, segundo o qual o primeiro determinante do estado de saúde de uma população é o FATOR RENDA, o segundo, condições sócio-ambientais, representados por MORADIA E SANEAMENTO, e o terceiro determinante da melhora das condições de saúde coletiva é consubstanciado no ATO MÉDICO! Concluo recomendando, como médico, que se apreciem os dados extraídos dos IDHs e o Atlas de Morbi-mortalidade, recentemente aferidos na Cidade de São Paulo, que mostram a congruência dos dados ali representados, demonstrando cabalmente a coincidência entre o baixo IDH e as piores condições de saúde.
(*)Eugênio Carlos Ferrari, médico Neuropsiquiatra, membro titular do corpo clínico do Hospital Albert Einstein, graduado, em 1973, pela FMUSP – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Coordenador Estadual do Ministério da Saúde – FUNASA – na gestão do Ministro Jamil Haddad, Secretário da Saúde, Higiene e Bem Estar Social do Município de Jundiaí, Superintendente do Hospital-Escola da Faculdade de Medicina de Jundiaí e Consultor da Fundap para assuntos médicos. ___________