Eliana de Freitas – “Oculta”

       A megalópole paulistana comporta milhares de mundinhos que não se comunicam, cada qual julgando-se o próprio universo e considerando os demais como coisa periférica, pouco interessante. Mas, de fato, todos os grupos, centrais ou periféricos, existem e interagem; daí os preconceitos e conflitos. Tudo se multiplica num Brasil gigante e pleno de contrastes. Como se não bastasse, o tempo se apresenta. E é mais um poderoso fator de clivagens. Dividindo-nos em faixas etárias que pouco se comunicam, eleva ao infinito aqueles grupos e as possibilidades de estranhamento e desencontros. O tempo é ainda, e sobretudo, o sempiterno enigma: passa por nós, ou passamos nós por ele? Quem o acompanha, e como? Quem ficou para trás, por quê?

        É neste complexo conjunto de variáveis – e viajando por entre os multiplicados cenários que seu cruzamento implica – que Eliana de Freitas desenvolve a ação deste instigante romance Oculta – Uma sentença masculina. Nele não faltam ingredientes clássicos do romance: amor, paixão, ciúme, traição, aos quais Eliana acrescenta o molho moderno constituído de muita ação, aventura, conflitos, mistérios, comportamentos aparentemente contraditórios e sexo, muito sexo sob suas mais diversas versões.

        Na roda viva agigantada de nossos dias, desfilam as personagens típicas de cada um dos infinitos grupos. Há o jornalista que, tendo pertencido à vanguarda nos anos setenta, agora se confina em seu mundinho alternativo para negar que o tempo passa e que os valores mudam. Há uma mulher misteriosa que, ao transitar por entre grupos e comportamentos, paira acima deles e do tempo, constituindo-se no centro do enigma que Eliana propõe ao leitor deste belo romance. E, se ele não o decifrar não tem problema. Ninguém decifrou Capitu, e, quiçá por isso Dom Casmurro continue a ser sempre lido e relido.        

 Levi Bucalem Ferrari

Presidente da União Brasileira de Escritores

(*) Apresentação do livro “Oculta” de Eliana de Freitas (São Paulo, Editora Limiar)

 

“Outras Palavras” é o programa de literatura de Levi Bucalem Ferrari na Rádio Cultura Brasil.

Sobre levi

Poeta, ficcionista, ensaísta, sociólogo e professor universitário. Presidente da UBE - União Brasileira de Escritores, diretor do Sindicato dos Sociólogos de S. Paulo e Presidente do IPSO - Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos. Integra a Coordenação do Movimento Humanismo e Democracia e o Conselho de Redação da Revista Novos Rumos. Foi Presidente da ASESP – Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Administrador Regional de Santana -Tucuruvi (SP). Coordenador da Proteção dos Recursos Naturais do Estado de São Paulo. Livros Publicados: Burocratas e Burocracias (ensaio, SP, Ed. Semente, 1981); Ônibus 307 – Jardim Paraíso (poesia, SP, Muro das Artes, 1983); A Portovelhaca e as Outras (poesia, SP, Paubrasil, 1984). O Seqüestro do Senhor Empresário (romance, SP, Publisher/Limiar, 1998); O Inimigo (contos, Limiar – SP, 2003). Recebeu o Prêmio de Revelação de Autor da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte e outros. Publicou diversos artigos, contos, crônicas, poemas e resenhas literárias em coletâneas, jornais e revistas.
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