A megalópole paulistana comporta milhares de mundinhos que não se comunicam, cada qual julgando-se o próprio universo e considerando os demais como coisa periférica, pouco interessante. Mas, de fato, todos os grupos, centrais ou periféricos, existem e interagem; daí os preconceitos e conflitos. Tudo se multiplica num Brasil gigante e pleno de contrastes. Como se não bastasse, o tempo se apresenta. E é mais um poderoso fator de clivagens. Dividindo-nos em faixas etárias que pouco se comunicam, eleva ao infinito aqueles grupos e as possibilidades de estranhamento e desencontros. O tempo é ainda, e sobretudo, o sempiterno enigma: passa por nós, ou passamos nós por ele? Quem o acompanha, e como? Quem ficou para trás, por quê?
É neste complexo conjunto de variáveis – e viajando por entre os multiplicados cenários que seu cruzamento implica – que Eliana de Freitas desenvolve a ação deste instigante romance Oculta – Uma sentença masculina. Nele não faltam ingredientes clássicos do romance: amor, paixão, ciúme, traição, aos quais Eliana acrescenta o molho moderno constituído de muita ação, aventura, conflitos, mistérios, comportamentos aparentemente contraditórios e sexo, muito sexo sob suas mais diversas versões.
Na roda viva agigantada de nossos dias, desfilam as personagens típicas de cada um dos infinitos grupos. Há o jornalista que, tendo pertencido à vanguarda nos anos setenta, agora se confina em seu mundinho alternativo para negar que o tempo passa e que os valores mudam. Há uma mulher misteriosa que, ao transitar por entre grupos e comportamentos, paira acima deles e do tempo, constituindo-se no centro do enigma que Eliana propõe ao leitor deste belo romance. E, se ele não o decifrar não tem problema. Ninguém decifrou Capitu, e, quiçá por isso Dom Casmurro continue a ser sempre lido e relido.
Levi Bucalem Ferrari
Presidente da União Brasileira de Escritores
(*) Apresentação do livro “Oculta” de Eliana de Freitas (São Paulo, Editora Limiar)