Caminhos democráticos para a cultura nacional

No começo de outubro de 2010, em Brasília (DF), o governo brasileiro e o Ministério da Cultura (MinC) anunciaram o lançamento do Programa Mais Cultura, que contempla investimentos de R$ 4,7 bilhões no setor, até 2010. A instalação de 4 mil Pontos de Leitura e a intenção de alcançar a marca de 20 mil Pontos de Cultura no País, dentro de três anos, mostram o tamanho da empreitada.

Por mais superlativos que sejam tais números, o que realmente importa, nesse caso, é a visão estratégica por trás do Programa. Desde o seu primeiro mandato, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, vem enfrentando um desafio ao qual ele e sua equipe se propuseram: construir políticas culturais que abarquem três dimensões: “cultura como usina de símbolos”, “cultura como direito e cidadania” e “cultura como economia”. Como base dessa tarefa, eles partem das premissas de que é necessário construir a ação cultural e artística brasileira de maneira democrática, reconhecer que as responsabilidades do Estado na esfera cultural são intransferíveis e entender que a cultura constitui um componente central para o desenvolvimento sustentável do país.

Tal proposta se revela adequada ao reconhecermos que o desenvolvimento e a aplicação de políticas públicas constituem o locus onde interagem governo e sociedade. Esta participa como criadora, transformadora, produtora, consumidora, autodivulgadora e socializadora. Ao criar cultura, a sociedade tem o duplo papel de mantê-la e modificá-la, relação sempre conflituosa porque envolve as visões de mundo dos diversos segmentos sociais.

O governo, por sua vez, possui a função legal de cumprir a legislação, manifestação pétrea da vontade social – supõe-se que as contradições entre os segmentos que compõem a sociedade sejam resolvidas no Poder Legislativo. O atual governo, entretanto, quer mais do que isso. Ele busca preencher, com sua política cultural, as lacunas da legislação (sem confrontá-la), assim como busca atender a pressupostos universais de acessibilidade, facilitação e incentivo, entre outros.

Nesse contexto se insere o Programa Cultura Viva, do MinC. Por meio de editais, o Ministério seleciona projetos socioculturais de entidades espalhadas por todo o Brasil, destina recursos e equipamentos e articula a troca de experiências entre eles. Os mais de 800 Pontos de Cultura representam expressões legítimas da cultura nacional, que surgiram no seio da sociedade, independentemente da ação do Estado. O Cultura Viva oferece a eles meios tecnológicos para divulgar suas atividades, com computadores, estúdios de gravação digital, estúdios de vídeo digital… enfim, maneiras de perpetuar e mostrar ao país o produto de seus esforços, sem que precisem passar por intermediadores da indústria cultural.

Da mesma forma que a política cultural contribui para políticas mais amplas de governo, o Programa Cultura Viva contribui para a macropolítica do MinC em determinados aspectos, setores e momentos. A pergunta importante a fazer é o quanto ele contribui para essa macropolítica. A avaliação da eficácia de suas contribuições (e interações) deve ser um processo constante e muito bem planejado, com mensurações previamente delineadas. Caso contrário, desperdiçam-se ou se anulam esforços.

Justamente aí se posiciona a atuação do “Pontão de Cultura” Mapas da Rede, mantido pelo IPSO, que se propõe a continuamente coletar e organizar informações referentes aos Pontos de Cultura, cruzá-las com outras informações e indicadores relevantes e divulgá-las à sociedade. Uma vez que o Programa Cultura Viva está planejado, com seus objetivos, metas, metodologias, recursos e cronograma, e já atingiu muitas de suas metas iniciais, este é o momento certo para se proceder à sua avaliação. Trata-se, agora, de contribuir para seu aperfeiçoamento e ampliação.

Os processos de planejamento e de avaliação são inseparáveis – sua relação é constante e necessária. O planejamento dispõe racionalmente a melhor relação entre meios e fins. Tal relação pode ser traduzida concretamente em justificativas, “A avaliação da eficácia das contribuições (e interações) do Programa Cultura Viva para as políticas de cultura deve ser um processo constante e muito bem planejado, com mensurações previamente delineadas. Caso contrário, desperdiçam-se ou se anulam esforços.” objetivos, metas, metodologia, recursos e cronograma. As justificativas remetem aos objetivos de programas mais amplos e hierarquicamente superiores necessariamente afetos às necessidades sociais e visões de mundo sobre as mesmas. Todo planejamento, então, é político.

A avaliação, por sua vez, consiste em delinear, obter e fornecer as informações necessárias ao julgamento de alternativas de decisão, tendo em vista o aperfeiçoamento do projeto e “O Programa Cultura Viva deve colaborar na redução da vulnerabilidade de nossa cultura, contribuindo para a construção de uma indústria cultural competitiva, com produtos que possam disputar posições nos mercados interno e externo.” sua contribuição para a consecução de objetivos de projetos hierarquicamente superiores. Entre os subprocessos da avaliação, o delineamento é o mais importante porque determina a priori quais informações precisam ser buscadas. Nesse sentido, qualquer informação a mais ou a menos pode signifi car deficiência no próprio processo planejamento-avaliação.

No caso do Programa Cultura Viva, a avaliação deve se dar com base no conhecimento disponível fornecido pela ciência social aplicada, particularmente nos aspectos adequados à avaliação de políticas públicas. Tal processo diferencia-se de controle ou acompanhamento – estes se restringem apenas a procedimentos e mensurações que demonstrem se o planejado está sendo cumprido, e não se os resultados apresentam os impactos políticos e sociais que motivaram o Programa ou Projeto. Digamos que o controle se refere apenas a meios, métodos e metas, enquanto a avaliação se refere a objetivos e justificativas.

Para auxiliar nessa tarefa, o Pontão Mapas da Rede realizou um mapeamento dos Pontos de Cultura, buscando informações por meio de contatos telefônicos, pesquisas on-line e a presença física em eventos do Cultura Viva. Todas as informações coletadas foram sistematizadas e disponibilizadas à sociedade no endereço www.mapasdarede.ipso.org.br, onde podem ser cruzadas com outros indicadores sociais. Lá também se encontra a Webrádio Cultura Viva (www.webradio.utopia.org.br), um programa de rádio onde se divulgam informações sobre os Pontos de Cultura.

A eficácia desse trabalho, entretanto, exige mais que o tratamento e a disposição de informações. Mil cruzamentos, um milhão de gráficos e mesmo um banco de dados, por si só, não contribuem para o aperfeiçoamento do Programa ou para a avaliação de sua contribuição aos objetivos maiores e às necessidades e anseios sociais que os justificam.

Faz-se necessário que eles subsidiem uma avaliação ampliada do Programa Cultura Viva, desde seu início até os dias de hoje, e que os resultados balizem seu replanejamento, reforçando os acertos e corrigindo os erros. Além de atingir objetivos diretos – como a democratização da cultura, a inclusão social e a geração de renda –, o Programa tem pela frente o desafio de atender a objetivos
estratégicos para o Brasil.

Essencialmente, ele deve colaborar na redução da vulnerabilidade de nossa cultura, contribuindo para a construção de uma indústria cultural competitiva, com produtos que possam disputar posições nos mercados interno e externo. Mais que isso, ao agregar valor a esses produtos – fortalecendo redes de distribuição de capital nacional, por exemplo –, o setor cultural colabora para a soberania brasileira. Afinal, obter o domínio da cadeia de produção e comercialização e da tecnologia utilizada no processo implica participar de mais processos de tomada de decisões.

Por fim, mas não menos importante, há que se destacar o papel do setor cultural no processo de integração continental levado a cabo pelo atual governo brasileiro. Com recursos naturais abundantes, uma população criativa e empreendedora e sem barreiras de língua, a América do Sul, unida, pode vir a representar – quem sabe? – o 3º ou 4º maior PIB (Produto Interno Bruto) do planeta e ganhar peso na geografia política e econômica mundial. O Brasil deve liderar esse processo, e nossas expressões culturais, legítimas, diversificadas e, com algum investimento, competitivas, têm condições de tomar parte nisso, com evidentes ganhos de eficiência para a sociedade brasileira.

Levi Bucalem Ferrari

Sobre levi

Poeta, ficcionista, ensaísta, sociólogo e professor universitário. Presidente da UBE - União Brasileira de Escritores, diretor do Sindicato dos Sociólogos de S. Paulo e Presidente do IPSO - Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos. Integra a Coordenação do Movimento Humanismo e Democracia e o Conselho de Redação da Revista Novos Rumos. Foi Presidente da ASESP – Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Administrador Regional de Santana -Tucuruvi (SP). Coordenador da Proteção dos Recursos Naturais do Estado de São Paulo. Livros Publicados: Burocratas e Burocracias (ensaio, SP, Ed. Semente, 1981); Ônibus 307 – Jardim Paraíso (poesia, SP, Muro das Artes, 1983); A Portovelhaca e as Outras (poesia, SP, Paubrasil, 1984). O Seqüestro do Senhor Empresário (romance, SP, Publisher/Limiar, 1998); O Inimigo (contos, Limiar – SP, 2003). Recebeu o Prêmio de Revelação de Autor da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte e outros. Publicou diversos artigos, contos, crônicas, poemas e resenhas literárias em coletâneas, jornais e revistas.
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