O pai todo cheio de si, emprego novo, segurança de uns bacanas aí, está limpando o revólver, orgulhoso e meticuloso, joga cada peça numa vasilha com gasolina, cheiro forte, a mãe diz pra ele não fumar perto, ele continua como se não ouvisse. Mãe grudada na televisão, um programa de auditório com perguntas difíceis e prêmios altos em dinheiro, pai já avisou que o jogo de futebol está pra começar e aí não tem milhão nem dois milhões, mãe sem desviar os olhos do aparelho responde para ele não fumar perto da lata com gasolina. Pai agora pega peça por peça, e as limpa, com uma flanela que ele comprou hoje cedo na feira, depois as deixa sobre a mesinha de centro em frente ao sofá, o rapaz que responde as perguntas na televisão é um ator da novela que mãe acompanha todas as noites, pai não que nessa hora nunca está em casa, diz que trabalhando. O bonitão, fala a mãe, acertou muitas perguntas e está se aproximando do prêmio máximo, falta pouco, e não fume perto da gasolina. Peças todas limpas, pai monta o revólver inteirinho com mais paciência que desmontara olhando feliz o objeto que vai ganhando forma e o jogo não vou perder um minuto, diz ele, está para começar. A pergunta é muito difícil, o moço que responde pede ajuda à platéia que também não sabe, qual foi o primeiro homem que desceu na lua, tem que escolher entre quatro nomes difíceis até de entender, agora joga essa gasolina fora, homem, o cheiro está feio. Pai terminou a montagem, deixa o revólver lustroso sobre a mesa lateral ao sofá olhando satisfeito para ele e acho que o jogo já começou, pega o controle e muda o canal, mãe levanta dizendo que faltava pouco para saber se o rapaz ia ou não ia ganhar o prêmio, diz isso em voz alta olhando feio para o pai, pega a latinha com gasolina, vai para a cozinha, ouve-se o barulho do líquido descendo pelo sifão da pia e mãe voltando e repetindo, voz ainda mais alta, o que dissera antes. O jogo já começou, olha aí, os filhos das putas já fizeram um gol pra cima da gente, fica quieta, porra! Não fico, por quê você não vai ver o jogo na casa daquela sem-vergonha com quem passa a maior parte das noites, seu cafajeste, o marido dela está lá, aquele outro beberrão cornudo, por isso você não vai. Pai é quem agora se gruda na tela, chama o juiz de ladrão, mãe responde que mais ladrão deve ser o patrão dele e a tal de mulherzinha que deve ficar com a maior parte de seu salário porque aqui em casa não se vê quase nada. Mais um gol dos adversários, pai fala puta que o pariu, pega o revólver, aponta na direção da mãe e puxa o gatilho, clique, mãe pulou para traz assustada, está sem bala, sua boba diz o pai. Mãe põe a mão no peito e graças a Deus, diz, e vai se aproximando do pai e o beija na boca e passa a mão em seus cabelos e a outra desabotoa sua camisa, corre por seu peito, se mexem os dois, se ajeitam sem descolar os lábios. Logo em seguida, se falando baixinho, imitando criança, como, às vezes, fazem quando falam comigo, vão para o quarto e me dizem para não entrar. Fico só no sofá vendo a televisão, vou voltar para o programa de perguntas, quero saber quem foi o homem que pisou na lua, mas, antes, gol, e do time que o pai torce, eu, gritando, o aviso, ele responde numa voz rouca, está bem, filho, já vou ver.
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