O Cristo Rosa
Silvio Piresh
O português aporta em terras exuberantes onde finca uma cruz sob os extasiados olhares dos nativos nus e formosos, os quais seriam logo escravizados em nome da mesma cruz. O espanhol finca outra cruz no coração de incautos incas, astecas, maias. O protestante anglo-saxão vai matando ou expulsando para o Pacífico homens de pele avermelhada que não sabiam que só o trabalho salva ao mesmo tempo que acumula riquezas.
E não há mais dúvidas: o cristianismo, na versão católica ou protestante, é o mito fundador da civilização ocidental, de sua expansão e hegemonia. Lembram dos cruzados matando em nome desse Deus? Da Santa Inquisição…
Também porque o mito é forte, o mais bem bolado de todos. Um Deus que nasce pobre, filho de trabalhador, e morre torturado e humilhado pelo império global da época, o romano. Logo a vingança, a consolidação do mito: O Deus pobre ressuscitará e, prometendo a salvação das almas, constrói sua Igreja, o Poder que não se contesta, posto que transcendente à vida e aos negócios dos homens. A igreja, que tomará por baixo o Império Romano, e reinará soberana sobre a Europa por mais de mil anos. Sob outras roupagens, o cristianismo será a justificativa dos novos Impérios ocidentais. Vamos bombardear o Iraque em nome da civilização cristã e do petróleo.
Mas o mito tem uma falha fundamental. Se o Cristo, pelo menos do ponto de vista social, teria que ser a representação do mais humilhado dos seres humanos não bastaria ser pobre e filho de um povo submetido ao Império Romano. Teria que ser mais que isso, o ser que nem ser era: a mulher, essa coisa feita apenas para gerar e amamentar filhos homens e para submeter-se a quaisquer vontades de seu amo e senhor, por acaso marido. Os antigos judeus, ao rezarem, agradeciam a Deus “o pão nosso de cada dia e o fato de não terem nascido mulher”.
A submissão da mulher, alguém já o disse, de tão histórica se pretende natural. Então Marx que me desculpe, mas a última revolução não será a dos operários, será a da mulher, o ser mais explorado e humilhado na quase totalidade das culturas, aquela que, agora sim, ao se libertar, libertará o mundo.
Ao desnudar a origem do mito fundador de nossa civilização, Silvio Piresh, em O Cristo Rosa – biografia não autorizada da menina Jesus, traz à tona a falha fundamental. E, em busca de maior coerência, imagina um Cristo mulher ressurecto dois mil anos depois. É ele, ou melhor, ela mesma, quem nos revela o último dos sacros segredos: teve que se travestir em homem, na primeira versão, caso contrário ninguém lhe daria ouvidos.
A menina Jesus sofrerá humilhações semelhantes às que sofre enquanto falso menino, agora por parte da própria Igreja que se fez sobre seu nome. Se indignará contra as injustiças que, assim justificadas se perpetuam. E o resto se sabe ou se imagina.
O fato é que Sílvio Piresh, querendo ou não, antecipa a tão aguardada, tão necessária revolução da mulher.