Os direitos autorais e os escritores

Artigo de Carlos Seabra, escrito para o Seminário “Autores, Artistas e seus Direitos” (ocorrido no Rio de Janeiro, dias 27 e 28 de outubro de 2008), promovido pelo Ministério da Cultura.

O “direito do autor” nasceu há cerca de 300 anos, em vários lugares do mundo assumindo características diferentes e mudando ao longo desse período inúmeras vezes e em diversos aspectos.

A discussão que o Fórum Nacional de Direito Autoral possibilita é de enorme importância para todos os envolvidos, dos autores a seus leitores, passando pelos intermediários, também importantes partícipes nesta questão.

Os direitos autorais não podem ser reduzidos a um único aspecto, ao contrário, devem ser encarados sob diferentes perspectivas: da sociedade, da cultura do País, dos leitores, dos autores, da área editorial, da educação – levando em conta que cada uma dessas perspectivas, já per si, carrega muitas vezes contradições com outros aspectos do problema. Portanto, a primeira coisa a fazer é mapear claramente as variáveis envolvidas, os entraves percebidos na atual legislação, as novas propostas, as contradições entre os diversos interesses.

Somente com um levantamento e equacionamento claro das questões relacionadas será possível engajar os setores envolvidos, bem como a sociedade em geral, num debate frutífero, permitindo juntar as concordâncias de um lado, listar as dúvidas de outro, e ter clareza das divergências e seus motivos.

Vejamos alguns desses aspectos a considerar. À sociedade como um todo interessa o acesso às obras literárias, e para que esse acesso ocorra as obras esgotadas devem ser reimpressas, novas obras devem ser editadas, a distribuição deve chegar a todos os locais, livrarias, bibliotecas, com preços acessíveis e tiragens significativas. A atual estrutura produtiva, envolvendo edição, distribuição e venda, necessita de boa parte do arcabouço assegurado pelo copyright, e os autores necessitam ser lidos e serem remunerados, ou pelo menos uma das duas coisas.

Existem diferentes tipos de autores, e várias necessidades de direitos. O autor que vende muito e vive disso, inclusive os da área de didáticos e paradidáticos, tem um tipo de interesse diferente do autor que não possui mercado mas deseja ser lido – para este, uma flexibilização dos direitos de reprodução pode abrir até novas perspectivas. Outra situação ainda é a de obras cujo autor já faleceu e a procura dos detentores dos direitos configura tarefa árdua e custosa, ou obras cujo interesse de reedição a editora não tem nem tampouco cede seus direitos a quem as deseje publicar.

Assim, a questão da flexibilização de direitos tem diferentes aspectos a considerar, dependendo da situação e da natureza da obra e de seu status. Se, por um lado, temos obras com valor específico de mercado, com características próprias de exploração (tais como livros didáticos, por exemplo), outras quase não possuem valor de mercado, mas sim valor cultural (obras esgotadas que não encontram interessado em seu relançamento, pequenas tiragens de autor etc.).

Há ainda outros interesses a levar em conta, tal como o interesse da cultura nacional, que envolve necessariamente políticas públicas que contemplem os interesses maiores da sociedade, pois há que se considerar também nesta questão os direitos do público. Nascida na área do audiovisual, por iniciativa da Federação Internacional de Cineclubes, a Carta de Tabor levantou este aspecto em 1987, referente aos direitos do público – num documento que hoje está mais atual e relevante do que nunca e cuja abrangência de conceitos pode e deve ser trazido para a área da literatura e outras.

Outro fator a levar em conta, o poder econômico pode gerar distorções na aplicação das leis e isto freqüentemente paralisa atividades culturais e educativas. Aqui, o uso justo (fair use) é algo a ser discutido, pois é um conceito largamente usado em outros países e que no nosso não existe juridicamente.

O atual formato da lei dá muito poder aos intermediários e empresas da indústria cultural, em detrimento dos próprios autores, em sua imensa maioria não beneficiados com o produto econômico de suas obras.

Nisto, também entra a discussão de formatos alternativos ao Copyright, tal como o Creative Commons – que, ao contrário do que muita gente pensa, não significa liberação total de todos os direitos de toda a obra, e sim a reserva de alguns direitos (que o licenciante define quais são, se trechos podem ser usados para obras derivadas, se pode ou não haver uso comercial, e mais uma série de características definidas pelo autor). Assim, um autor pode permitir que se copie, distribua ou crie obras derivadas sem necessidade de consulta prévia. Para tal, basta que se dê os créditos ao autor, não se utilize o conteúdo com fins comerciais e que, no caso de transformação, alteração ou criação com base na obra, o novo material use a mesma licença. E um autor não necessita licenciar toda a sua obra, podendo fazer uma experiência com um de seus livros ou com contos ou poemas, só para ver o que ocorre.

Esta modalidade tem ocorrido geralmente em publicações na internet, em sites ou blogs de autores, em portais de conteúdo colaborativo, e mesmo na publicação editorial em suporte digital, para download – trazendo muitas vezes novas possibilidades de distribuição, possibilitando o acesso à leitura de obras que estariam fadadas à não circulação.

O tempo de validade, após a morte do autor, da exploração dos direitos autorais deve ser também motivo de debate, pois ao longo do tempo tem vindo a ser ampliado (o chamado efeito “Disney”, pois sempre que o rato Mickey vai cair em direito público, tem sido prorrogada a vigência dos direitos sobre a obra) e muitas vezes torna impeditiva a reedição da obra, cujos direitos estão reservados, mas não se encontra quem os detenha para negociar.

É fundamental garantir os direitos autorais ao escritor (inclusive àqueles que escrevem sob contrato de trabalho em órgãos de comunicação), considerando também o interesse da cultura nacional e os direitos do público, levando em conta a cadeia produtiva editorial mas buscando-se impedir a privatização de nossa cultura por parte das grandes empresas.

Carlos Seabra (carlos.seabra@cineclubes.org.br), foi Vice-Presidente da UBE – União Brasileira de Escritores – na gestão 2006/2008, é Diretor de Acervo e Difusão do CNC – Conselho Nacional de Cineclubes – gestão 2008/2010, e é coordenador editorial no Núcleo de Educação da TV Cultura, Fundação Padre Anchieta.

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