O bibliotecário e a era do conhecimento

Texto conjunto de Vera Stefanov e Levi Bucalem Ferrari, publicado no jornal Folha de S. Paulo, seção “Tendências/Debates”, edição de 12 de março de 2009.


Hoje, no Dia do Bibliotecário, esse profissional clama pelo reconhecimento social que, todavia, ainda não lhe faz justiça plena aqui no Brasil   


AS CIVILIZAÇÕES têm como marco inicial a palavra escrita, testemunho mais eloquente de qualquer cultura. Na Antiguidade, bibliotecas foram símbolo do prestígio das cidades que as abrigavam.

Zelar por elas era tarefa das mais importantes, atribuída a um segmento nobiliárquico competente. Ainda não se distinguiam os papéis do escriba e os do bibliotecário, como os entendemos hoje, mas o fato é que esses profissionais gozavam de prestígio e respondiam diretamente ao soberano.

A partir da invenção da prensa móvel por Gutenberg, aumenta exponencialmente o número de exemplares por livro e surgem os jornais, os fascículos, as revistas. Logo, as bibliotecas demandaram profissionais especializados, na moderna figura do bibliotecário -que desenvolveram sistemas mais eficazes de catalogação, disposição, conservação etc. No Brasil, esse marco foi estabelecido pelo engenheiro, bibliotecário, escritor e poeta Manuel Bastos Tigre.  

A importância de sua contribuição é reconhecida também pela legislação, que apontou a data de seu nasci- mento -12 de março- como o Dia do Bibliotecário no Brasil. Em 1906, Bastos Tigre viajou para os Estados Unidos, onde conheceu Melvil Dewey, que já havia instituído o sistema de classificação decimal. A partir de 1945, trabalhou na Biblioteca Nacional e, depois, assumiu a direção da Biblioteca Central da Universidade do Brasil. 

Fiéis ao espírito pioneiro de seu patrono e aos inúmeros serviços que prestou ao país e ao livro, bibliotecários brasileiros clamam na data de hoje pelo reconhecimento social que, todavia, ainda não lhes faz justiça plena.    

De fato, predomina, entre nós, muito amadorismo na questão. Enquanto o bibliotecário é visto como luxo dispensável, não raro outros profissionais são chamados para quebrar o galho, comprometendo a conservação de acervos importantes, sua disposição racional e sua acessibilidade.  

Nas escolas a situação é de calamidade pública. Muitas nem sequer possuem bibliotecas. Não raro, é algum professor que se encarrega de organizar o acervo. Em outras, os livros se atulham sob escadas, corredores ou salas inadequadas. O impacto é extremamente negativo na formação dos alunos. Na idade em que a leitura precisa ser valorizada para que seu hábito se cristalize, o estudante vê livros tratados como entulho. Nada o convencerá mais tarde do contrário: o livro permanecerá entulho, e sua leitura, um ato despido de sentido. Quanto ao ensino superior, as informações não são melhores. Boa parte dos grandes complexos educacionais privados costuma adquirir muitos livros. Mas, quantos?   

Uma centena de exemplares pode impressionar o leigo, mas está longe da suficiência se o número de alunos por curso passa da casa do milhar. Se isso é válido para uma política hipócrita em relação ao livro, imaginemos as proporções bibliotecário/usuário nessas instituições. Seu número é quase sempre insuficiente, como são precárias suas condições de trabalho. No momento em que governo e sociedade no Brasil se dão conta de nossos vergonhosos níveis de leitura e se mobilizam para superá-los por meio de programas de incentivo, não é mais possível aceitarmos esses descalabros. É o momento de convocar o bibliotecário para – ao lado do educador, do escritor, do editor e de outros – traçar os rumos de uma política eficaz e duradoura para os livros e para as bibliotecas.   

Entre os novos desafios, o maior vem da tecnologia da informação, que cresce exponencialmente. Ajudar o pesquisador, o profissional e o cidadão a pinçar, entre uma infinidade de informações, aquelas que realmente lhe interessam e que são confiáveis é apenas a ponta do iceberg. De fato, a possibilidade de acesso mais democrático à informação, à literatura e à cultura em geral não permitirá que o bibliotecário se aliene em relação a desafios que trazem em seu bojo a histórica oportunidade de aliança entre cultura e consciência crítica, entre informação e emancipação.  

Inicialmente, ele terá de interagir em equipes multidisciplinares, em processos de mútuo aprendizado. Aos poucos, sua formação específica haverá de impor-se como peça-chave de funções socialmente tão relevantes. O bibliotecário se mostrará, assim, indispensável. Quando isso ocorrer, a forma como esse profissional for tratado por empregadores de quaisquer tipos, pela sociedade e pelo legislador representará indicador do grau de civilização que poderemos projetar para nós mesmos. 


VERA LUCIA STEFANOV, 56, bibliotecária documentalista, é presidente do SinBiesp (Sindicato dos Bibliotecários do Estado de São Paulo). 

LEVI BUCALEM FERRARI, 63, cientista político, é presidente da UBE (União Brasileira de Escritores).

Sobre Utopia

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2 Responses to O bibliotecário e a era do conhecimento

  1. Levi

    Em Arquivo68 – http://josekuller.wordpress.com/ – atribuímos um Prêmio Dardus ao seu blog. O prêmio tem como objetivo valorizar e incentivar o trabalho dos blogueiros.

    Caso interesse, passe por lá

  2. arilima disse:

    1 e 1/2 por habitante per capita. Este é o consumo anual de libros no Brasil. Descontando-se professores, juristas, etc. e etc., de pessoas que por razões profissionais são obrigadas a ler, verifica-se que o livro não é a mídia preferida do brasileiro. Constata-se não ser a mídia preferida principalmente quando se extratificfa: não se trata de uma questão de poder aquisitivo. O cara da classe \"A\" proporcionalmente não lê tanto quanto o cara da classe \"E\"

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