O historiador Luiz Bernardo Pericás conseguiu o que parecia impossível, dada a moda das hagiografias: escreveu uma biografia extraordinária de um historiador que, de alguma maneira, também era um pensador do Brasil, na seara de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro e Raymundo Faoro. “Caio Prado Júnior — Uma Biografia Política” (Boitempo, 485 páginas) é um estudo exaustivo e de clareza ímpar da trajetória política e intelectual de Caio Prado Júnior.
Pós-doutor em ciência política, Luiz Bernardo Pericás faz, por assim dizer, uma biografia amorosa — o que não quer dizer sentimental — de um intelectual notável e um homem de mérito. Expõe suas virtudes políticas e de pesquisador, exibindo também suas contradições, em profunda conexão com o contexto em que viveu o autor dos clássicos “Formação do Brasil Contemporâneo” — em boa hora reeditado pela Companhia das Letras — e “Histórica Econômica do Brasil”.
Não se trata de uma biografia “do contra”. Mas o autor não se furta a publicitar as contradições do autor, identificando e distinguindo, milimetricamente, o historiador rigoroso e o militante político. Luiz Bernardo Pericás mostra que havia, em Caio Prado Júnior, a tentativa de unir o pesquisador criterioso — que não falsificava a história para torná-la instrumento político da ação imediata — e o militante político do Partido Comunista Brasileiro (PCB). O balanço do biógrafo é amplamente favorável: Caio Prado Júnior era um intelectual e um militante político de rara decência e, ao mesmo tempo, competência.
Homem de família riquíssima, de porte aristocrático, Caio Prado Júnior optou por se envolver politicamente com a esquerda. Foi político, intelectual, militante, editor de livros. Mas nunca um tarefeiro manipulável, ao estilo de Marilena Chauí (que, como filósofa, tem inegáveis méritos, sobretudo como explicadora de Espinosa). Tanto que era visto com reserva pelos camaradas.