O Feroz Círculo do Homem

Este novo romance de Carlos Nejar é como se um coro de vozes levantasse outras vozes no respirar intranquilo de um círculo desenhado em linhas de fogo. Ou uma catedral de forma barroca onde as figuras, no milagre de um tempo passado, podem ser vistas de vários ângulos e várias faces. Então, a luz do texto passa a ser a palavra na convergência do espaço poético-real ou surreal, numa visão quase mística adotada pelo autor, ele mesmo quase um profeta. Surge, daí, as várias incorporações criativas numa espécie de projeção imaginária, como se num sonho transparecesse “toda a realidade, principalmente a humana”. Cria-se, então, uma constelação de planos de cunho reflexivo. Afirmações e negações projetadas em um círculo fechado em signos ou símbolos, como se o falar e o pensar ecoassem por espaços históricos e retornassem em ecos metamorfoseados em palavras, reflexos das urdiduras metafóricas propostas pelo poeta.

“E era noite e era cedo, e era de manhã, e as janelas de vidros evidenciavam as dobras iluminadas das chamas dos tempos’. E a palavra, senhora de todos os espaços, como se desse cor ao coro de vozes, vibrava ao vento. O branco silêncio aberto em sinais, integrado ao processo narrativo oscila sobre as flutuantes conotações das imagens, tendo-se em mente a representação quase que sagrada das palavras: “Empenho minhas palavras tão severas e vigorosas e bem amestradas para devorar as traças. Até na ferocidade, triturá-las”.

É evidente que para se levantar questões literárias sobre o círculo da vida, da morte, não é suficiente debruçar-se em análises sobre estas duas realidades, pois elas se desdobram em outras tantas funções passíveis de discussão. É possível encontrar ambiguidades, numa operação metalinguística buscada pelo autor. Daí as idas e vindas (círculos se abrindo e fechando), as negações e afirmações, a rigorosa conotação das frases, num procedimento que não se limita ao exterior das coisas, mas, sim, redefinido num espaço interior, numa espécie de ultra-dimensionalismo em que tudo passa por reflexões ou lições extraídas a partir de um jogo de extrema ferocidade. Um espaço abrindo outro espaço para outro jogo, assim, como círculos de giz desenhados em um chão arquitetônico particularizado pela singularidade do texto.

Estão ao alcance do grande escritor os capítulos em contraponto, a exemplo de James Joyce, os efeitos iniciais do rompimento das tradições, da busca das premissas alicerçadas pelas teorias dos grandes filósofos da humanidade. Os achados, inapelavelmente integrados ao processo de instauração de um textopoema veiculado à palavra-signo, podem ser vistos como um novo tecido, uma nova pele, tessitura marcadamente impressa nos procedimentos criativos nejarianos. Ele mesmo senhor e dono da palavra, um dos grandes monumentos da nossa literatura. Dizer, portanto, que se trata apenas de um romance casual é dizer pouco. É dizer nada. Buscar em que medida o autor escreveu o seu Feroz Círculo do Homem (ou do Fogo?) é não achar resposta acerca dessa produção fadada à reflexão, integrada aos conceitos dos dados histórico-culturais, cujo peso maior está na força da própria palavra. Não há medida para este romance, ou ensaio filosófico. Ou peça para um teatro de sensações históricas, capaz de revelar a dicotomia ou trilogia incorporada ao conceito literário modernista. “Entendi, no entanto, o paradoxo. Não são os sonhos que enlouquecem, nós é que corremos o risco de enlouquecer, se não tivermos palavra. Pois ter palavra é mudar o sonho da alma”.(Texto das “orelhas” por Miguel Jorge)

 O AUTOR

 Carlos Nejar nasceu em Porto Alegre (RS) em 11.01.1939. Procura­dor de Justiça, atualmente aposentado, radicou-se na “Morada do Vento”, em Vitória (ES). Pertence à Academia Brasileira de Letras, Academia Brasileira de Filosofia, PEN Clube do Brasil, Academia Espiritossantense de Letras. Recebeu a mais alta condecoração de seu Estado natal, o Rio Grande do Sul, “A Comenda Ponche Verde”, e de Minas Gerais, “A grande Medalha da Inconfidência”, em 2010. Recebeu, ainda, a “Co­menda do Mérito Aeronáutico”, no dia do Aviador, Rio. Chega aos setenta e cinco anos graças a seu espírito renascentista, com fama de poeta reconhecido, tendo construído uma obra importante em vários gêneros — tanto no romance, quanto no teatro, no conto, na criação infantojuvenil — publicou, em 3ª edição, sua História da Literatura Brasileira, onde assinala a marca do ensaísta. É considerado um dos 37 escritores-chave do século, entre 300 autores memoráveis, no período com­preendido de 1890-1990, segundo ensaio, em livro, do crítico suíço Gustav Siebenmann. (Poesia y poéticas Del siglo XX em la América Hispana y El Brasil, Gredos, Biblioteca Românica Hispânica, Madrid, 19970). Teve sua Poesia Reunida: A Idade da Noite e A Idade da Auro­ra, Ateliê editorial de S. Paulo e Fundação da Biblioteca Na­cional, 2002. Ao completar setenta anos, publicou a reunião da maior parte de sua poética, com I. Amizade do mundo; II. A Idade da Eternidade, editora Novo Século, São Paulo, 2009. E Odysseus, o Velho, 2010.

Suas Antologias foram: De Sélesis a Danações (Ed. Quíron, SP, 1975), A Genealogia da Palavra (Ed. Iluminuras, SP, 1989), Carlos Nejar Minha Voz se chamava Carlos (Unidade Editorial-Prefeitura de PA, RS, 1994), Os Melhores poemas de Carlos Nejar, com prefácio e seleção de Léo Gilson Ribeiro (Ed. Global, S. Paulo, 1998); Breve História do Mundo(Antologia), Ediouro, prefácio e seleção de Fabrício Carpinejar, 2003, já esgotado.

Romancista de talento reconhecido pela ousada inventivi­dade, entre suas publicações estão, O Túnel Perfeito, Carta aos loucos, Riopampa, ou o Moinho das Tribulações (Prêmio Machado de Assis, da Fundação da Biblioteca Nacional, em 2000) e O Poço dos Milagres (Prêmio para a melhor prosa poética da Asso­ciação Paulista de Críticos de Artes, São Paulo, 2005). É autor de Teatro em versos: Miguel Pampa, Fausto, Joana das Vozes, As Parcas, Favo branco (Vozes do Brasil), Pai das Coisas, Auto do Juízo Final (Deus não é uma andorinha), Funarte, Rio, 1998. Saiu também, em 2011, a 3ª edição de seusViventes (trabalho de mais de trinta anos, espécie de “Comédia humana em miniatura”), que será encenada no teatro.

Publicou, em 2012, Contos Inefáveis, pela editora Nova Alexandria, de São Paulo; A negra labareda da Alegria, romance, em 2013; A vida secreta dos gabirus, Record, e Matusalém de Flores, ed. Boitempo, 2014.

Traduzido em várias línguas, tem sido estudado nas universidades do Brasil e do exterior.

Sobre levi

Poeta, ficcionista, ensaísta, sociólogo e professor universitário. Presidente da UBE - União Brasileira de Escritores, diretor do Sindicato dos Sociólogos de S. Paulo e Presidente do IPSO - Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos. Integra a Coordenação do Movimento Humanismo e Democracia e o Conselho de Redação da Revista Novos Rumos. Foi Presidente da ASESP – Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Administrador Regional de Santana -Tucuruvi (SP). Coordenador da Proteção dos Recursos Naturais do Estado de São Paulo. Livros Publicados: Burocratas e Burocracias (ensaio, SP, Ed. Semente, 1981); Ônibus 307 – Jardim Paraíso (poesia, SP, Muro das Artes, 1983); A Portovelhaca e as Outras (poesia, SP, Paubrasil, 1984). O Seqüestro do Senhor Empresário (romance, SP, Publisher/Limiar, 1998); O Inimigo (contos, Limiar – SP, 2003). Recebeu o Prêmio de Revelação de Autor da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte e outros. Publicou diversos artigos, contos, crônicas, poemas e resenhas literárias em coletâneas, jornais e revistas.
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