Na Academia… Quem?… Merval Pereira? Humm…

Levi Bucalem Ferrari

Meados de 2008. Eu acabara de assistir a debate em encontro promovido pela Associação Brasileira de Imprensa – Seção São Paulo, então dirigida pelo meu amigo Audálio Dantas. Foi ele que me apresentou um dos principais debatedores, Cícero Sandroni, à época presidente da ABL – Academia Brasileira de Letras.
Era então presidente da UBE, União Brasileira de Escritores, entidade que oferece o Prêmio Intelectual do Ano, o Troféu Juca Pato, bastante conhecido, disputado, prestigioso. E Sandroni já sabia que naquele ano Antonio Candido seria o homenageado; Antonio Candido que há muito tempo não aceitava qualquer prêmio, qualquer honraria. E que mesmo em relação ao Juca Pato ele há décadas vinha declinando de candidaturas e convites sempre reiterados.
Quando ficamos a sós, Sandroni confessou-me que Antonio Candido era há tempos o “obscuro objeto de desejo” da Academia. Disse como quem confidencia algo e nada mais. Ou, pouco, além disso, com elegância e sutileza, deixou no ar a hipótese de que a UBE poderia ajudá-lo na empreitada: convencer o intelectual a candidatar-se a uma cadeira na casa de Machado de Assis, se é que este ainda mora lá. Se mora, deve estar bastante incomodado, como veremos. Mais tarde.
Antes termino a conversa com Sandroni. Francamente não sei se ele pedia nossa ajuda ou uma opinião, uma dica, o que fosse; ou se apenas lamentava a dificuldade da empreitada. Pessoa extremamente afável, coloquial, deixou-me à vontade para dizer, como quem fala consigo mesmo, que achava difícil que Candido concordasse. Primeiro porque era o jeitão dele não aceitar coisas do tipo, não precisava, não procurava. Daí que não o imagino cumprindo aquele ritual todo de visitar acadêmicos para pedir-lhes o apoio, o voto. Voto e apoio inclusive para acadêmicos alguns dos quais que perambulam pelos cômodos da casa como sombras de pouca significação.
Em todo caso, mais tarde, como o presidente da ABL, honrou-nos com sua presença na cerimônia de entrega do Juca Pato, dei-lhe assento e voz na mesa em que ninguém mais cabia; e, desse modo, alguma oportunidade para que trocasse idéias com Antonio Candido.
Pano rápido, segundo ato: Fico sabendo, há alguns dias, que o jornalista Merval Pereira tornou-se “imortal”; ah, sim, deve haver um “puxadinho” pra ele na ex-casa de Machado de Assis. Só pode ser isso.
E não lhe faltaram votos nem elogios públicos de alguns outros acadêmicos, os de sempre.
Bem, se Candido não pretendia aceitar a candidatura àquela época, creio que hoje ainda menos. Convém ressaltar que não tenho procuração do mestre, e nem comentei o assunto com ele ou qualquer outra pessoa. O que aqui escrevo é de minha responsabilidade exclusiva.
Mas o fato é que a ABL parece-me pouco preocupada em valorizar a si mesma, perdendo oportunidades preciosas de compor um quadro com os melhores escritores, artistas e intelectuais do país.
Nada tenho pessoalmente contra o novo acadêmico. Mas, por outro lado, nada justifica sua eleição entre tantos outros grandes nomes do país que mais a mereciam. E que mais importância agregariam à combalida Academia. Poderia citar muitos escritores, artistas e intelectuais, de ambos os sexos, de todas as regiões do país. Não o faço porque certamente estaria a cometer injustiça pela omissão de outros. Confesso, porém que, numa lista pessoal feita sem muito esforço, cheguei a trinta nomes.
Um nome, todavia, pode ser citado sem riscos. É o do jornalista e escritor baiano Antônio Torres que concorreu e perdeu a vaga para o carioca Merval Pereira. Merval escreveu quatro livros sendo um em parceria, Torres publicou dezesseis. Óbvio que a quantidade aqui não deve ser o único critério comparativo. Sugiro aos leitores que completem o cotejo com a qualidade dos mesmos e a importância dos prêmios recebidos tanto pelos candidatos como por seus livros.
Os adjetivos pátrios, baiano e carioca, não estão aí apenas a enfeitar a frase. Eles também denunciam outra crítica que se tem feito à ABL: ela está cada vez mais carioca e menos brasileira. Há muito tempo.
Volto, por fim, ao fundador e antigo dono da casa. Em seu livro quase testamento Memorial de Aires, Machado extrai do personagem principal o seguinte pensamento:
“Vou ficar em casa uns quatro ou cinco dias, não para descansar, porque eu não faço nada, mas para não ver nem ouvir ninguém, a não ser o meu criado José. Este mesmo, se cumprir, mandá-lo-ei à Tijuca, a ver se eu lá estou. Já acho mais quem me aborreça do que quem me agrade…”

Machado de Assis hoje, ou desde há muito, pensaria diferente: encontrará dentro da própria casa mais quem lhe aborreça do que quem lhe agrade. E, com José ou sem José, se mandaria pra Tijuca. Ou Itaguaí.

Rio de Janeiro, 17 de junho de 2011

Sobre levi

Poeta, ficcionista, ensaísta, sociólogo e professor universitário. Presidente da UBE - União Brasileira de Escritores, diretor do Sindicato dos Sociólogos de S. Paulo e Presidente do IPSO - Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos. Integra a Coordenação do Movimento Humanismo e Democracia e o Conselho de Redação da Revista Novos Rumos. Foi Presidente da ASESP – Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Administrador Regional de Santana -Tucuruvi (SP). Coordenador da Proteção dos Recursos Naturais do Estado de São Paulo. Livros Publicados: Burocratas e Burocracias (ensaio, SP, Ed. Semente, 1981); Ônibus 307 – Jardim Paraíso (poesia, SP, Muro das Artes, 1983); A Portovelhaca e as Outras (poesia, SP, Paubrasil, 1984). O Seqüestro do Senhor Empresário (romance, SP, Publisher/Limiar, 1998); O Inimigo (contos, Limiar – SP, 2003). Recebeu o Prêmio de Revelação de Autor da APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte e outros. Publicou diversos artigos, contos, crônicas, poemas e resenhas literárias em coletâneas, jornais e revistas.
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