Karla Santiago Silva[1]
A Nova Ordem Mundial
O século XX foi marcado por uma evolução tecnológica que estabeleceu novos parâmetros para as relações humanas. É possível dizer que este foi o século das grandes transformações em todos os níveis – econômico, social, político e também cultural. A nova ordem que se estabeleceu abriu espaço para as relações capitalistas internacionais e derrubou fronteiras
entre países; diminuindo o poder regulador dos Estados-nações. Assim, instaurou o que se chamou de “mundo globalizado”, que para Renato Ortiz não passa de um mercado mundial, um lugar “natural” de materialização dos interesses e do desejo de todo e qualquer consumidor.
A conjuntura econômica globalizada hoje domina o cenário internacional e a maioria dos países têm suas economias voltadas para comércio externo. Suas políticas internas de regulamentação da economia nada mais são do que políticas de ajustes internacionais (políticas neoliberais). Neste contexto, o Brasil se viu (e continua a se ver) abalroado por
modelos econômicos falhos e ineficientes, que vêm desestabilizá-lo e agravar ainda mais a injustiça social, afetando também as relações culturais. É importante, para que se possa analisar as relações culturais em nosso país, hoje, entender o que aconteceu anteriormente na organização das sociedades contemporâneas, que resultou no tal “mundo globalizado”.
Era Fordista
A Era Fordista que se estabeleceu constitui, com efeito, uma vasta (não diria longa considerando a duração do
capitalismo) e complicada história que se estende por quase meio século. Foi Henry Ford que deu início ao modelo fordista de produção em 1914. Tal modelo introduziu mudanças significativas não só nos métodos de trabalho, mas, sobretudo, na sociedade e nas relações culturais de uma maneira geral, significando, assim, uma nova forma de organização capitalista. O primeiro passo partiu do entendimento de que a produção em grande quantidade requeria um mercado consumidor maior, ou seja, pessoas com condições financeiras de consumir os bens produzidos em grande escala. No entanto, para que tal projeto pudesse ser implantado, foi preciso melhorar o padrão de vida das pessoas através de melhoria de salários, assistência social e previdenciária. Contudo, o fordismo, apesar de instaurar o pleno emprego e outras vantagens para a classe trabalhadora como uma resposta aos benefícios do socialismo real, tira, por outro lado, o poder do trabalhador de organizar seu ritmo de produção,
separando este do seu produto. O novo modelo encontrou uma resistência enorme porque os sindicatos já se organizavam para que o trabalhador não ficasse alienado, uma vez que, a produção anteriormente era manual. Segundo Harvey:
“O poder exclusivista dos sindicatos fortalecia sua capacidade de resistir à perda de habilidades, ao autoritarismo, à hierarquia e à perda de controle no local de trabalho. A inclinação de uso desses poderes dependia de tradições políticas, formas de organização (o movimento dos comerciários da Inglaterra era particularmente forte) e disposição dos
trabalhadores em trocar seus direitos na produção por um maior poder no mercado.”
Contudo, mesmo tendo mudado a face do capitalismo e trazido benfeitorias sociais, o fordismo começa a sentir os primeiros indícios de problemas já nos anos 60, quando a produção industrial potencializada pelo fordismo já não encontrava mercado consumidor suficiente. Mas foi em meados dos anos 70, em decorrência da crise do petróleo, do colapso do mundo socialista e do alavancado avanço tecnológico, que o produzir em moldes fordista e o Estado do bem- estar entram em declínio.
Muitas foram as dificuldades de investimentos em larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa. Ocorre aqui diminuição do crescimento econômico, aumento da inflação, das taxas de desemprego e, conseqüentemente, um clima de instabilidade e insegurança das sociedades. O capitalismo inaugura, então, o processo de reestruturação
produtiva e econômica de reajuste social e político. Ganha uma nova roupagem guiado pela lógica da acumulação flexível, que, entre outras características, marca a preocupação com a qualidade e a diferenciação dos produtos. As taxas de desemprego em alta, dificultam o Estado de manter os níveis satisfatórios de bem-estar da população. Com mão-de-obra excedente, instabilidade e miséria, começa a haver flexibilidade dos regimes e dos contratos,
desfavorecendo, assim, a rigidez das normas trabalhistas do período fordista. A grande desigualdade social instalada não escolhe raças, assola tanto países periféricos quantos países centrais, destacando que os periféricos sofrem expressivamente devido ao subdesenvolvimento e ao aumento da dívida externa. Nesse novo momento, o capitalismo
resgata o fenômeno político-ideológico do liberalismo.
Período do Neoliberalismo
Foi nos anos 70 e 80 que a economia internacional teve receptividade às teorias neoliberais que apontavam como solução para as crises daquela época com a quebra do poder dos sindicatos, cortes nos gastos sociais, alcance da desejada estabilidade econômica, a restauração da taxa natural de desemprego e por fim o crescimento econômico. O neoliberalismo veio como uma reação teórica ao Estado do bem-estar, trazendo ideais de liberdade econômica e política para o mercado, afirmando que esta não deve sofrer intervenções do Estado. Desta forma, neoliberal, não mais se pensa coletivamente, ao
contrário, as pessoas, individualmente, devem traçar suas possibilidades para chegar ao seus objetivos e metas. Os sindicatos e as corporações, tão importantes no modelo fordista, agora perdem totalmente seu vigor e são praticamente dissolvidas.
Os neoliberais, aliado à globalização, cria um mercado de dinheiro e de créditos globais, sendo que os fluxos financeiros deste “mundo globalizado” não respeitam fronteiras. Estados Unidos e Inglaterra foram os grandes precursores e os primeiros a aplicarem as teorias neoliberais. Em seguida, os países periféricos começaram a adotar das mesmas medidas. Apostando nessas teorias, foram feitos ajustes, à nova ordem econômica globalizada, nos países periféricos que
queriam pôr o neoliberalismo em prática. Porém, as teorias neoliberais se apegaram muito ao investimento financeiro, ou seja, a especulação financeira e esqueceu-se do investimento produtivo, aquele que realmente produz empregos e o crescimento da economia. Segundo, Levi Ferrari:
“Quanto à América Latina as conseqüências do neolioberalismo são ainda piores. Crescem a concentração de riquezas, o desemprego, a miséria e a exclusão social enquanto a
desindustrialização e as privatizações a qualquer custo comprometem a soberania da nações “.
Com a desregulamentação dos sistemas financeiros, de um modo geral, em todo o mundo, surgiu a especulação globalizada. Essa desregulamentação financeira foi um dos fatores que desencadeou a crise e a instabilidade econômica em vários países, inclusive no Brasil.
A Crise Brasileira
Segundo as diretrizes da reunião denominada como o Consenso de Washington, os países periféricos deveriam operar em suas economias um plano único e estratégico de ajustamento. Segundo o consenso, três requisitos mínimos eram necessários para este ajustamento: a estabilização macroeconômica, a abertura da economia e reformas estruturais do Estado. Estes três ajustes iniciais levariam a retomada de investimentos e do crescimento econômico, pelo menos foi assim idealizado. A estabilização econômica seria feita através de combates duros à inflação por meios de planos de estabilização com base na valorização da moeda nacional e na entrada de capitais especulativos.
Como a economia dos países que aplicaram as políticas neoliberais estavam atrelados ao capital especulativo da esfera financeira internacional, os Estados-nações perderam uma parte de seus poderes de regulação de suas economias. Assim, os países tinham que seguir uma espécie de mesma estratégia para que os investidores achassem interessante o
investimento de recursos financeiros naqueles países. Ao fazer este tipo de análise, os investidores verificavam os balanços de pagamentos, as políticas econômicas do país, a abertura econômica para o mercado financeiro, o pagamento ou não das dívidas públicas ou títulos da dívida, se há ou não crise cambial no país e a compensação de perdas e
semelhanças entre países.
A crise brasileira começou com a percepção por parte dos investidores de que os recursos financeiros não tinham correspondência com o valor real das mercadorias ou empresas. Durante a década de oitenta, o Brasil mantinha-se isolado e, mesmo com a efervescência da globalização, manteve uma política protecionista, tentando controlar a hiperinflação ocorrente. Mas, foi no Governo Collor que as fronteiras começaram a abrir discretamente, propiciando a
implementação da agenda neoliberal no país. Já no Governo de Fernando Henrique indiscriminadamente se rompem às fronteiras fazendo com que o Brasil mergulhasse “de cabeça” à agenda e propostas neoliberais.
Quando o Plano Real foi implantado, ainda no período de Governo de Itamar Franco, no que se referia ao controle da inflação e a estabilidade da moeda, os resultados foram fantásticos, pelo menos nos dois primeiros anos. Porém, logo
depois, com a receita baixa, a economia do País começa a enfraquecer. E na tentativa de compensar o déficit da balança comercial, já no Governo de FHC (Fernando Henrique Cardoso) passa a atrair capital estrangeiro para o país através da elevação das taxas de juros, conseqüentemente aumentando a divida externa do País, sem falar no abrupto aumento da
divida interna. Assim, se o Plano Real de um lado ajudou na inflação, de outro alargou inescrupulosamente o desemprego no país, agravando ainda mais seu estado de pobreza.
Hoje, em meio à “bola de neve” que é a dívida externa/interna brasileira e a crise interna movida pela falta de emprego, o Brasil precisa encontrar outras alternativas para conseguir sobreviver diante da nova ordem global, para que não se torne submisso ao predomínio de uma única potência que submete quase todos os países ao seu domínio, mediante a pregação de um neoliberalismo que somente a poucos beneficia.
Pensar em saídas para a crise brasileira não é uma tarefa muito fácil, principalmente, porque, a rigor, responder qual o lugar das diretrizes política brasileira no mundo contemporâneo já seria um grande dilema. Até mesmo porque, fazer política é delimitar-se a seu território, de forma a fazer valer seus sindicatos, governos, partidos, movimentos sociais, é efetivar a atuação territorial limitada. A cultura nacional brasileira já não detém mais do monopólio de definição do sentido de sua vida coletiva. As relações culturais, assim como a identidade nacional, são abaladas pelo movimento da globalização. “A globalização das sociedades e mundialização da cultura rompe com essa integridade espacial, tonando cada vez mais difícil discernir os limites de cada povo ou cultura”. Pode até ser que, num determinado momento, imaginar a política e as relações socioculturais dentro de parâmetros universais e mundializados venha resgatar o sentimento de cidadania e busca de identidade. Entretanto, é importante perceber que: o movimento de desterritorialização das relações sociais nos torna integrantes de uma”sociedade
civil mundial”.
E é assim, como cidadãos mundializados, que devemos nos posicionar para uma reflexão sobre direitos, utopias, deveres e aspirações. O Brasil é realmente um país de agendas e propostas neoliberais e diretrizes política contemporânea? Vale a pena fazer parte da “aldeia global” mesmo sujeito a crises, instabilidade social e fazendo parte das nações periféricas?
Referências Bibliográficas
Ferrari, Levi Bucalem. O Neoliberalismo no Brasil, resumo de palestra proferida na 48a Reunião Anual da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – São Paulo, PUC, 09/07/1996. [on line] Disponível na Internet via URL:
http:// www.mhd.org/artigos/levi_neoliberalismo.html (Arquivo capturado em 14/04/2001, às 11:22:03).
FIORI, José Lúis. O Congresso de Washington, palestra ocorrida no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro,
em 04 de setembro de 1996. [on line] Disponível na Internet via URL: http://www.aepet.org.br/consenso2.html (Arquivo
capturado em 07/05/2000, às 03:22:03).
HARVEY, David. Condição Pós-moderna. São Paulo, Edt. Loyola, 1994.cap.08, p.132.
Ortiz, Renato. Global/universal – uma aproximação indevida. Espaço Aberto. Gazeta Mercantil, 14 de abril de 1997.
ORTIZ, Renato. Mundialização, cultura e política. In: DOWBOR, Ladislau;
IDNNI, Otávio e RESENAE, Paulo Edgar (org).Desafios da Globalização. Petrópolis: Ed.Vozes, 1998.
[1] Acadêmica do 6º semestre em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), MBA Marketing pela Universidade Salvador (UNIFACS), Bacharel em Comunicação Social – Relações Públicas (UNIFACS). Artigo desenvolvido em abril de 2003. E-mail: karlaspader@gmail.com.
Extraído de Portugal em Linha – a Comunidade Lusófona online
http://www.portugal-linha.pt
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Criado em: 4 March, 2014, 16:55