Quando falei a Antonio Candido sobre minha admiração por Adoniran Barbosa, o mestre disse que também era fã do grande compositor. E que havia feito o texto da contracapa em um de seus discos. Pesquisei e achei no blog de Marcia Fernandes. Abaixo vão o link e o texto. Para meu azar, estou fazendo um artigo sobre Adoniram e, algumas idéias que eu tinha já foram expostas por Candido. Mas, Num fais mar, num tem portância, vô chamá duas imbulância. E começar tudo de novo. Adoniran é inesgotável.
http://palavrademusico.blogspot.com/2009/08/adoniran-barbosa-por-antonio-candido.html
Adoniran Barbosa por Antonio Candido
Na contracapa do LP: “Adoniran Barbosa” (Odeon, 1975; Dir. Musical de José Briamonte), encontrei este belo texto do mestre Antonio Candido, que transcrevo na íntegra:
” Adoniran Barbosa é um grande compositor e poeta popular, expressivo como poucos; mas não é Adoniran nem Barbosa, e sim João Rubinato, que adotou o nome de um amigo do Correio e o sobrenome de um compositor admirado. A idéia foi excelente, porque um artista inventa antes demais nada a sua própria personalidade; e porque, ao fazer isto, ele exprimiu a realidade tão paulista do italiano recoberto pela terra e do brasileiro das raízes européias. Adoniran é um paulista de cerne que exprime a sua terra com a força da imaginação alimentada pelas heranças necessárias de fora.
Já tenho lido que ele usa uma língua misturada de italiano e português. Não concordo. Da mistura, que é o sal da nossa terra, Adoniran colheu a flor e produziu uma obra radicalmente brasileira, em que as melhores cadências do samba e da canção, alimentadas inclusive pelo terreno fértil das Escolas, se alia com naturalidade às deformações normais de português brasileiro, onde Ernesto vira Arnesto, em cuja casa nós fumo e não encontremo ninguém, exatamente como por todo esse país. Em São Paulo, hoje, o italiano está na filigrana.
A fidelidade à música e à fala do povo permitiram a Adoniran exprimir a sua Cidade de modo completo e perfeito. São Paulo muda muito, e ninguém é capaz de dizer aonde irá. Mas a cidade que nossa geração conheceu (Adoniran é de 1910) foi a que se sobrepôs à velha cidadezinha caipira, entre 1900 e 1950; e que desde então vem cedendo lugar a uma outra, transformada em vasta aglomeração de gente vinda de toda parte. A nossa cidade, que substituiu a São Paulo estudantil e provinciana, foi a dos mestres-de-obra italianos e portugueses, dos arquitetos de inspiração neo-clássica, floral e neo-colonial, em camadas sucessivas. São Paulo dos palacetes franco-libaneses do Ipiranga, das vilas uniformes do Brás, das casas meio francesas de Higienópolis, da salada da Avenida Paulista. São Paulo da 25 de março dos sírios, da Caetano Pinto dos espanhóis, das Rapaziadas do Brás, na qual se apurou um novo modo cantante de falar português, como língua geral na convergência dos dialetos peninsulares e do baixo-contínuo vernáculo. Esta cidade que está acabando, que já acabou com a garoa, os bondes, o trem da Cantareira, o Triângulo, as Cantinas do Bexiga, Adoniran não a deixará acabar, porque graças a ele ela ficará, misturada vivamente com a nova mas, como o quarto do poeta, também “intacta, boiando no ar.”
A sua poesia e a sua música são ao mesmo tempo brasileiras em geral e paulistanas em particular. Sobretudo quando entram (quase sempre discretamente) as indicações de lugar, para nos porem no Alto da Mooca, na Casa Verde, na Avenida São João, na 23 de Maio, no Brás genérico, no recente metrô, no antes remoto Jaçanã. Quando não há esta indicação, a lembrança de outras composições, a atmosfera lírica cheia de espaço que é a de Adoniran, nos fazem sentir por onde se perdeu Inês ou onde o desastrado Papai Noel da chaminé estreita foi comprar Bala Mistura: nalgum lugar de São Paulo. Sem falar que o único poema em italiano deste disco nos põe no seu âmago, sem necessidade de localização.
Com os seus firmes 65 anos de magro, Adoniran é o homem da São Paulo entre as duas guerras, se prolongando na que surgiu como jibóia fuliginosa dos vales e morros para devorá-la. Lírico e sarcástico, malicioso e logo emocionado, com o encanto insinuante da sua anti-voz rouca, o chapeuzinho de aba quebrada sobre a permanência do laço de borboleta dos outros tempos, ele é a voz da Cidade. Talvez a borboleta seja mágica; talvez seja a mariposa que senta no prato das lâmpadas e se transforma na carne noturna das mulheres perdidas. Talvez João Rubinato não exista, porque quem existe é o mágico Adoniran Barbosa, vindo dos carreadores de café para inventar no plano da arte a permanência da sua cidade e depois fugir, com ela e conosco, para a terra da poesia, ao apito fantasmal do trenzinho perdido da Cantareira.” (Antonio Candido, 1975)
Pros fãs do João Rubinato, procurem neste blog meu poema Adonirando que foi musicado por Lula Barbosa e gravado duas vezes por diferentes cantores. Antes pelo grupo Catavento. E, mais tarde por Thobias da Vai Vai. É só escrever Adonirando no serviço de busca do próprio blog. Ler o poema e, ao final, ouvir a canção interpretada pelo Thobias com participação de Lula Barbosa.
Por fim, aguardar para breve meu artigo sobre Adoniran Barbosa.
Levi Bucalem Ferrari
“Outras Palavras” é o programa de literatura de Levi Bucalem Ferrari na Rádio Cultura do Brasil