A União Brasileira de Escritores completou, em 17 de janeiro de 2008, cinquenta anos de existência. Entretanto, consideradas as suas antecessoras poderíamos contabilizar 66 anos.
De fato, em 1942, fundou-se a SEB – Sociedade dos Escritores Brasileiros, a primeira em nosso país, tendo à frente Sérgio Milliet e Mário de Andrade, entre outros grandes intelectuais do período.
A SEB transformou-se logo em ABDE – Associação Brasileira de Escritores, de âmbito mais nitidamente nacional, com seções em vários Estados. O processo envolveu, além dos já citados, Sérgio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira, Aníbal Machado, Oswald de Andrade, Jorge Amado, Graciliano Ramos e muitos outros. Na seção paulista, o jovem Antonio Candido de Mello e Souza no cargo de segundo-secretário. Jovem então e jovem até hoje, porque é sempre jovem quem pensa, cria, critica e propõe.
Ele seria, na terceira gestão, presidente da entidade, e depois conselheiro. E nunca deixaria de ser associado, o que muito honra a UBE.
A mudança de nome (de ABDE para UBE), em 1958, se deve, em boa parte, ao seguinte fato: em 1950, como dissidência da ABDE-SP, foi fundada a sociedade Paulista de Escritores. Depois de acirradas, mas férteis discussões sobre a necessidade de ambas buscarem a união, esta surge com o nome que era o objetivo dos envolvidos: união, União Brasileira de Escritores.
Louve-se, no episódio, a tenacidade, a sabedoria e a generosidade dos envolvidos que, face a um objetivo maior, deixaram, em segundo plano, intransigências e vaidades. E deram exemplo que hoje temos como princípio: a busca da unidade na diversidade; o embate político ou estético a ocorrer sob normas consensuais de convivência. Não é isto a democracia?
Democracia que vai caracterizar a UBE até hoje. O contrário, senhoras e senhores, seriam a estreiteza e o consequente isolamento. Deixemos esta característica para os movimentos com finalidades datadas e mais específicas.
Unidade não significa abrir mão de convicções. Além disso, as decisões forjadas no debate plural resultam mais legítimas e mais robustas para o conjunto dos escritores e para a sociedade.
De fato, a UBE, jamais se omitiu, posicionando-se sobre tudo aquilo que diga respeito ao escritor, à cultura e às transcendentes questões sociais e políticas. De nada do que é humano nos alienamos.
Não há tempo aqui para nos lembrarmos dos congressos e das Cartas dos Escritores (documentos notáveis). Também dos encontros, palestras, cursos, oficinas, publicações e da participação em órgãos colegiados. São marcos históricos, mas o importante é que seu conjunto reflete a luta ininterrupta em defesa da liberdade de expressão e da criação literária, bem como de toda manifestação artística.
Tem sido igual o empenho da UBE na defesa da cultura brasileira e na denúncia do colonialismo cultural. Este é irmão gêmeo da indústria do espetáculo. Ambos têm sido os principais pilares da transformação do bem cultural em mercadoria para entretenimento. Repito, e me desculpem, colonialismo cultural e indústria do espetáculo são irmãos gêmeos. Univitelinos.
Também é importante nosso empenho pelo acesso de todos os brasileiros aos bens culturais. Afinal, somos todos – do analfabeto ao mais erudito – criadores e transformadores de nossa cultura. Ocorre que vivemos sob uma estrutura social alicerçada em desigualdades tão enraizadas quanto abomináveis. Isto dificulta ou impede a produção e a fruição da mais apurada expressão artística pelos segmentos sociais menos privilegiados. Alimenta-se um mecanismo que perpetua a desigualdade, posto que o acesso seria também emancipador e transformador. Contra isso a UBE sempre lutou. Por uma sociedade mais justa continuaremos lutando.
O Prêmio Intelectual do Ano se inscreve entre os marcos e os eventos antes mencionados. Proposto em 1962, pelo então vice-presidente Marcos Rey, destina-se a registrar a contribuição do autor ao debate de idéias e à reflexão sobre questões culturais e políticas relevantes.
É prêmio incomparável, ímpar. Primeiro porque destinado a um só autor – não há segundos ou terceiros lugares; não há menções honrosas. Também não é dividido em categorias, sejam elas gêneros literários ou especialidades científicas. Por fim, é concedido em votação direta de todos os escritores do país. Este eleitorado tem-se mostrado mais sábio que qualquer comissão de notáveis, como ocorre com outros prêmios. Prova cabal do que afirmamos é a relação de laureados. Nomes que se inscrevem definitivamente entre as maiores contribuições à nossa inteligência.
Por suas características, O Prêmio Intelectual do Ano resiste à dominante fragmentação do conhecimento. Entendemos que a especialização é necessária quando se tem em vista o progresso da ciência e o acúmulo de conhecimento. Ela não impede, antes contribui, para a formulação de visões do mundo mais abrangentes.
Mas seu excesso, a fragmentação, é outra coisa. Travestida de especialização, pretende-se natural, inexorável. Na verdade, ela dificulta a compreensão mais ampla do mundo em que vivemos. Tanto no plano das idéias quanto no das relações sociais. Impede a percepção da relação básica entre a forma como as pessoas vivem e a forma como pensam. Formas que se nutrem mutuamente. E, nesse processo, engendram as revoluções sociais e estéticas.
A fragmentação – como qualquer modismo ideológico – já impregna a muitos. A própria UBE tem sido sua vítima. Não raro convido algum amigo autor para associar-se e recebo a reposta: mas eu não sou escritor, sou jornalista, cientista social, filósofo, historiador; escritor é o poeta, o ficcionista; quando muito, o crítico literário.
Antes da fragmentação éramos todos escritores. Ninguém tinha dúvidas. Escritores ainda e sempre, os que vivem da escrita ou fazem dela sua forma de expressão. Basta questionarmos a fragmentação alienadora. Quebrar-lhe as pernas.
Desta forma, certamente, pensaram os ilustres signatários da candidatura de Antonio Candido. Especialista por opção tomada entre contingências, é possuidor de visão de mundo tão ampla quanto aguda. Homem de idéias e luta, de inequívocas posições estéticas e políticas. A União Brasileira de Escritores sente-se honrada em oferecer a ele o prêmio de Intelectual do Ano de 2007.
Muito obrigado.
Levi Bucalem Ferrari
Presidente da União Brasileira de Escritores – UBE
Discurso proferido por ocasião da entrega do Prêmio Intelectual do Ano 2007 a Antonio Candido de Mello e Souza.
Convite:
(fotos: Acervo UBE)