O século das luzes eletrônicas

Minha análise com relação aos cinco CBCs realizados a partir de 2000, incluindo três durante o governo Lula, é que estávamos acertando contas atrasadas, recuperando em alta velocidade a ineficiência do Estado no trato do audiovisual como coisa pública e tema estratégico, tecendo uma relação do Estado com o setor que não havia acontecido antes.

Artigo de Orlando Senna, publicado na Edição Especial da Revista de Cinema

Os primeiros CBCs, em 1952 e 1953, denominados Congressos Nacionais, se propunham a iniciar uma superação da política cinematográfica imposta por Getúlio Vargas em 1932, através de decreto visando uma organização da atividade (órgãos estatais, comercialização de filmes, censura). Vargas tinha consciência da força persuasiva do cinema e apostava nesse poder como instrumento de integração nacional e também de coesão ideológica. O objetivo Orlando Senna e Gilberto Gil principal da sua política era a utilização do cinema como meio de educação da população, tanto que a joia dessa coroa foi o Instituto Nacional de Cinema Educativo – INCE.

Em 1952 e 1953, o que existia era o INCE e a cota de tela 8×1, oito filmes estrangeiros por um brasileiro – e os cineastas, produtores, distribuidores e exibidores trataram de construir teses sobre a definição de filme brasileiro, sindicalização de artistas e técnicos, formação de mão de obra, organização institucional, limitação da importação de filmes estrangeiros, taxação do filme estrangeiro com utilização da arrecadação na produção nacional. E, obrigatoriamente, distribuição e exibição. Duas propostas centralizaram os debates: criação de uma distribuidora única para o cinema brasileiro e controle da importação e distribuição de película virgem pelo Sindicato Nacional da Indústria Cinematográfica – SNIC.

Esses congressos estabeleceram uma relação cooperativa da atividade com o Estado, no sentido de articulação e implantação de políticas públicas, e geraram providências governamentais e setoriais que foram se materializando ao longo da década (Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica – Geicine, organização de associações e sindicatos, ampliação da cota de tela, taxação, embora pequena, do filme estrangeiro). Também foram lançadas as sementes que, resgatadas e geneticamente modificadas pela ditadura, inspiraram as ações do governo militar nas décadas de 1960 e 1970, com a criação do Instituto Nacional de Cinema – INC (ideia que vinha se arrastando desde Vargas), do Conselho Nacional de Cinema – Concine e da Embrafilme.

Quarenta e sete anos separam o 2º. Congresso, de 1953, do 3º Congresso Brasileiro de Cinema, realizado em Porto Alegre em 2000. Durante esse meio século a legislação cinematográfica foi ampliada desorganizadamente, dando mais amparo ao filme importado do que ao filme brasileiro e instaurando um mercado desequilibrado. Também aconteceram, além de uma ditadura, o Cinema Novo, o Cinema Marginal, a Pornochanchada, a Contracultura, os recordes de produção e audiência da Embrafilme, o fim da Embrafilme, a dolorosa Retomada e, em destaque, a poderosa televisão brasileira. No ano 2000 a atividade cinematográfica estava a caminho do estado de choque e reuniu suas forças civis em um terceiro congresso. Transcrevo trecho do relatório desse congresso, que considera a gravidade da situação em uma escala de ameaça à existência do cinema brasileiro: “o momento se caracteriza pela paralisação da produção, pelo descontrole dos mecanismos de mercado, (…) pela ausência sistemática do cinema brasileiro nas telas da TV e pelo esgotamento dos mecanismos atuais das leis de incentivo”. A situação vexatória estava claro para todos, se devia “à deficiente forma de relacionamento do setor cinematográfico com o governo”.

A pedra basilar dos congressos dos anos 1950 foi também a do 3º. CBC: convencer o Estado de que as políticas públicas audiovisuais devem ser construídas pelos governos em consonância com os interesses nacionais e em sistema de retroalimentação com o setor. Nos anos 1950 lutava-se contra a herança autoritária de Vargas, em 2000 contra a escalada perversa do neoliberalismo. As consultas ao setor, por parte do governo, haviam desaparecido, haviam se transformado em “reuniões de cúpula” entre altos funcionários e alguns grandes nomes do cinema e da TV. No sentido de fomentar um diálogo amplo governo/setor/sociedade, o 3º. CBC propôs a criação de um órgão gestor da atividade audiovisual, fundos de fomento à produção e à comercialização, exclusividade da Lei do Audiovisual para a produção cinematográfica independente, taxação sobre as receitas da TV e da propaganda importada, 30% da programação da TV constituída de produção brasileira independente, cota de tela para filmes brasileiros na TV.

No ano seguinte o 4º. CBC ratificou e detalhou as propostas de 2000, com foco no Cinema Cultural e na Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura – SAV/MinC (montagem de uma distribuidora pública, circuito exibidor alternativo, formação, pesquisa, preservação). Mas o Congresso existiu essencialmente para pressionar o governo Fernando Henrique Cardoso a concretizar a instalação da Agência Nacional de Cinema – Ancine e do Conselho Superior de Cinema e fazer reformas nas leis do Audiovisual e Rouanet, avanços resultantes do 3º. CBC. A proposta de um órgão gestor da atividade audiovisual, abrangente, atuando sobre todos os segmentos do setor, chegou a prosperar nos entendimentos com o governo (através do Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica – Gedic), mas foi bloqueado pela TV comercial e se restringiu ao cinema, o que já era alguma coisa no deserto cultural que foi o governo FHC. A pressão incluía o tema da abrangência, exigindo a regulação das relações entre a produção audiovisual independente e a televisão aberta.

Em 2002, Lula já eleito presidente, o PT me pediu para coordenar a elaboração de uma proposta de plano de governo para o audiovisual e o que fiz foi apresentar ao setor as resoluções e propostas dos CBCs de 2000 e 2001, para serem reestudadas e organizadas em formato de governança. O trabalho culminou no Seminário Nacional do Audiovisual, no Rio, e no documento que, aprovado por Lula e pelo ministro Gilberto Gil, foi e é a base das políticas públicas audiovisuais implementadas nos últimos oito anos, naturalmente acrescidas com interfaces que o momento mutante da atividade exige (como o fortalecimento da TV pública, por exemplo). Ou seja, instalação da Ancine, Fundo Setorial do Audiovisual, redimensiona-mento da SAV, programas de produção/teledifusão, programas setoriais de exportação, aumento da produção e da participação no mercado consumidor interno, expansão da cultura audiovisual, entendimento abrangente da atividade. Um feixe de políticas públicas que está em andamento, um work in progress que ainda tem caminho pela frente para chegar a objetivos estáveis, que necessita de mais tempo, mais poder político e mais militância do setor para alcançar a qualidade de capitalismo e a qualidade de democracia que essas políticas almejam.

O centro da questão, todos sabemos, é a necessidade de uma legislação adequada ao novo cenário mundial da atividade e ao papel que queremos (nós, o Brasil) desempenhar no século XXI. Uma norma contemporânea que contemple a digitalização, as novas tecnologias, as convergências empresariais e a democratização audiovisual, e que permita o avanço até objetivos estáveis, como a ocupação de 50% do mercado audiovisual interno com produção brasileira, ou 50% da programação das TVs pública e comercial com produção independente. Foi esse centro da questão que embaralhou a iniciativa de modernização normativa conhecida como Ancinav e está embaralhando outra iniciativa com igual mérito, a TV Brasil. Então, me parece, esse é um foco prioritário para o 8º. CBC, a realizar-se em setembro, no fim de um governo e na expectativa de outro.

Minha análise com relação aos cinco CBCs realizados a partir de 2000, incluindo três durante o governo Lula, é que estávamos acertando contas atrasadas, recuperando em alta velocidade a ineficiência do Estado no trato do audiovisual como coisa pública e tema estratégico, tecendo uma relação do Estado com o setor que não havia acontecido antes. Ou seja, consertando os desacertos do século passado, que deveriam ter sido sanados há muito tempo. Muito dessa defasagem foi sanada e o que não foi só será com uma norma voltada para o século XXI. Nessa linha de pensamento, creio que, apesar de já termos adentrado uma década neste século, o oitavo congresso deve ser o primeiro CBC século XXI – pressionando fortemente pela urgência de uma Lei de Comunicação Eletrônica de Massa, ou seja, por um mercado equilibrado, por um cenário onde seja possível uma expansão exponencial do audiovisual brasileiro dentro e fora do país. Porque essência para isso nós temos, o que nos falta é espaço.

Trata-se de um lance para o futuro imediato e um fundamento, um posicionamento para o que vem por aí neste século das luzes eletrônicas. Isso significa analisar/propor avanços relacionados com digitalização, produção e difusão de conteúdos audiovisuais pelas companhias telefônicas, percentual significativo de produção independente na TV, ampliação dos programas de produção/radiodifusão, redes de coprodução e codistribuição continentais, distribuição via internet. Os CBCs sempre estiveram à frente dos governos, pela sua natureza propositora, e sua oitava edição não deve se furtar a essa condução, abrindo os olhos do poder político para a Era do Conhecimento, para a nova era do cinema – inclusive pensando/propondo sobre o fenômeno do videogame, do cinema interativo, como megatendência do setor.

Orlando Senna é cineasta e escritor, foi Secretário do Audiovisual do MinC entre 2003 e 2007

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Os primeiros desafios do CBC

Atuamos solidariamente em diversas ações para alcançar objetivos específicos de entidades associadas e realizamos diversas representações do audiovisual quando era exigida abrangência nacional

Artigo de Assunção Hernandes, publicado na Edição Especial da Revista de Cinema

Realizado o 3º Congresso Brasileiro de Cinema, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, conforme deliberação da plenária da Assembleia, a comissão executiva, da qual eu fazia parte, ficou encarregada de criar uma entidade representativa do conjunto dos diferentes segmentos do audiovisual que se associassem a ela. Esta entidade foi denominada CBC – Congresso Brasileiro de Cinema, e teria como atribuição coordenar os trabalhos do segmento audiovisual, atuando na busca do cumprimento das resoluções aprovadas nas plenárias do Congresso.

Para dirigir tal entidade, foi escolhida a primeira diretoria, presidida por Gustavo Dahl e por mim, como vice-presidente. A primeira gestão despendeu todos os seus esforços na organização e implantação do CBC, além de trabalhar intensamente no objetivo prioritário determinado nas deliberações do 3º. Congresso: a criação de um ente estatal que gerisse as atividades de cinema no Brasil, extintas em 1990, durante o governo do Presidente Collor.

Esse objetivo foi alcançado com a criação de uma autarquia que quis o governo federal de então denominar “Agência”. Através da MP 2228, foi criada a Ancine, vinculada ao Ministro da Casa Civil, com determinação de transferi-la no ano seguinte ao MIDIC – Ministério do Desenvolvimento da Indústria, Comércio e Exportação, no edifício ao qual passou a ser instalada, na cidade do Rio de Janeiro.

Com a posse do novo governo federal, no entanto, houve uma decisão de vincular a Agência ao Ministério da Cultura. Quando a gestão que sucedeu a de Gustavo Dahl assumiu, eu havia sido eleita para presidente e a tarefa mais importante foi a de acompanhar, conforme as deliberações do 3º. Congresso, a implantação da recém-criada Agência de Cinema, defendendo-a das inúmeras ações judiciais contra as primeiras deliberações (como a implantação da CONDECINE), por exemplo, da parte dos representantes dos interesses da indústria cinematográfica americana no Brasil.

Nomeado para presidente da Ancine, o até então presidente do CBC, Gustavo Dahl, implantou ações para o funcionamento e consolidação da Agência, contando para isso com a solidariedade e esforços de toda a diretoria do CBC, composta por: Assunção Hernandes, Silvia Rabello, Toni de Souza, Paulo Zílio, Marcelo Laffite, Bruno Wainer, Valmir Fernandes, numa composição que preservava a representatividade de todos segmentos cinematográficos.
Assumimos também a interlocução com a organização ibero-americana de produtores audiovisuais, FIPCA, que havia proposto a criação do Fundo Ibero-americano para o fomento audiovisual, Fundo Ibermedia. Tivemos representação, durante toda essa gestão, no Conselho de Comunicação Social do Senado Federal, por onde passavam todos os projetos tratando de assuntos da área da Comunicação Social. O CBC passou a ser chamado a representar, por solicitação do poder legislativo federal, o Audiovisual Brasileiro em programações e eventos do Mercosul onde houvesse a demanda de apresentar a política e dados sobre o setor.

Iniciou-se uma atuação contínua e organizada junto ao poder legislativo, encaminhando diversas bandeiras específicas do setor, em conjunto com entidades associadas, na defesa de interesses como a permanência das pequenas produtoras no sistema simples de tributação, o que acabou por ser aprovado. Logrou-se por unanimidade aprovar na Câmara Federal o projeto de regionalização da produção audiovisual independente, passando o projeto para apreciação do Senado Federal, onde, no Conselho de Comunicação Social, logramos obter parecer favorável dos conselheiros, com amplo apoio dos representantes da Sociedade Civil. Iniciamos um trabalho conjunto com a FNDC – Frente Nacional para a Democratização da Comunicação e uma atuação com parcerias internacionais, com assessoria do Itamaraty, visando obter o apoio das autoridades brasileiras à proposta da UNESCO de aprovação da decisão quanto a defesa da diversidade cultural, na atuação da OMC – ONU, o que foi logrado alcançar durante a terceira gestão diretiva do CBC.

Participamos da Organização do 1º Fórum Mundial do Audiovisual, organizado durante o Fórum Social Internacional, em Porto Alegre, quando contamos com a valiosa assessoria do embaixador Samuel Guimarães, do Ministério das Relações Exteriores, discorrendo sobre o tema da exceção e diversidade cultural.

Atuamos solidariamente em diversas ações para alcançar objetivos específicos de entidades associadas e realizamos diversas representações do audiovisual quando era exigida abrangência nacional. Atuamos no aumento da cota de tela e no ano em que se encerrava a gestão de nossa diretoria, comemoramos o alcance de 23% de participação na bilheteria das salas de cinema para o filme nacional com títulos cujos temas eram voltados para importantes questões sociais.

Ao concluirmos finalmente a segunda gestão diretora do CBC, a entidade já era reconhecida como uma representação importante do segmento audiovisual.

Assunção Hernandes é produtora e dirigiu o CBC no biênio de 2001 a 2003

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Congresso discutirá os diversos segmentos do audiovisual

O 8º Congresso Brasileiro de Cinema e Audiovisual acontece em Porto Alegre entre 12 e 15 de setembro. O evento marca 10 anos do CBC como entidade permanente e recebe Nelson Pereira dos Santos como presidente de honra.
O Congresso reunirá profissionais e especialistas de todo o País, com o objetivo de articular e acumular uma discussão ampla que contemple os mais diversos segmentos do audiovisual no Brasil.

Com o tema “O que nos separa já sabemos, mas o que nos une?”, o 8º Congresso foi lançado oficialmente no último dia 11 de agosto, durante o 38º Festival de Cinema de Gramado e contou com a presença de seu presidente, Rosemberg Cariry, além do corpo diretivo, composto por Edina Fujii (Finanças), João Baptista Pimentel Neto (Articulação e Comunicação), Cicero Aragon (Executivo) e Antonio Leal (Projetos e Captação de Recursos).

Através de grupos de trabalho (GTs), painéis de discussão e atividades culturais, o Congresso colocará em pauta questões que norteiam e determinam a produção audiovisual atualmente. Produção, infraestrutura, film comission, coproduções internacionais, pesquisa, preservação, crítica, políticas públicas, novas mídias, convergência, exibição, direitos autorias e do público (veja a programação) são alguns dos temas que serão analisados e debatidos pelos participantes.

“Será sem dúvida nenhuma uma grande discussão das diversas cadeias e segmentos que abrangem o audiovisual em seus aspectos mais amplos. Admitindo-se a palavra audiovisual como guarda-chuva para a produção de filmes, vídeos, desenhos animados, programas e seriados de TV, jogos eletrônicos, softwares, músicas, conteúdo para telefonia móvel e para todas as convergências digitais, em trânsito na revolução tecnológica contemporânea”, afirma Rosemberg Cariry. Leia recente entrevista onde Cariry aborda detalhadamente os assuntos que orientarão o 8º CBC.

A idéia é que os quatro dias do Congresso resultem em propostas e diretrizes que norteiem a atividade do segmento nos próximos anos. Vale lembrar que foi do 3º CBC, realizado em 2000, também na capital gaúcha, que saiu a resolução de apoio à criação de um órgão gestor da atividade cinematográfica no âmbito do Governo Federal, que viria a ser a Ancine, constituída no ano seguinte.

Não por acaso, dez anos depois, o CBC volta à Porto Alegre para, além de dar continuidade, celebrar esse marco histórico na integração e articulação de profissionais do setor. Para isso, recebe como presidente de honra ninguém menos que Nelson Pereira dos Santos, cineasta dos mais respeitados, premiados e reverenciados da cinematografia brasileira.

O 8º Congresso Brasileiro de Cinema e Audiovisual acontecerá no Hotel Plaza São Rafael. Para participar dos painéis, é necessária inscrição prévia e as vagas são limitadas. As atividades são gratuitas. As inscrições podem ser feitas através do e-mail contato.8cbc@cbcinema.org.br ou liegenardi@lnconsultoria.com.br

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Audiovisual e diversidade cultural

O mundo se agita, e o Brasil é um país importante neste mundo em convulsão. Já não somos apenas consumidores passivos de bens tangíveis ou intangíveis, impostos pelos mercados hegemônicos. As entidades, as ONGs, os movimentos sociais e de cidadania proclamaram que o modelo de globalização imposto não trouxe o progresso e o desenvolvimento prometidos. Pelo contrário, elevou os índices de pobreza e fez aumentar as desigualdades sociais e a violência. Perceberam também que, hoje, a grande guerra que se trava não é com mísseis e canhões, mas é por meio de cabos e satélites. Resistir é preciso. Afinal, também temos o nosso capital simbólico, a diversidade cultural do povo brasileiro.

Rosemberg CariryA cultura brasileira, a partir dos povos originais e transplantados, é herdeira das principais culturas do mundo (européias, ibéricas, mediterrâneas, orientais, africanas, ameríndias e orientais…) e, por isso, traz em si um projeto de universalidade. O Brasil tem encontro marcado com as culturas dos povos do planeta. No Brasil, ensaia-se um novo processo civilizatório capaz de renovar o mundo, pela convivência do múltiplo e pela afirmação das convergências. O filme brasileiro capaz de “aparecer” no mundo, ou mesmo de conseguir um pequeno nicho de mercado setorizado, é o filme que tenha características culturais originais sem deter-se em um regionalismo fechado ou no folclorismo. Daí a necessidade de lapidarmos os diamantes dos arquétipos, trabalharmos com as heranças milenares herdadas dos povos transplantados, doadas pelos povos autóctones e reinventadas pelos povos mestiços. Podemos ser agentes de um novo processo civilizatório, com profundo respeito e integração dos povos originais. Podemos nos integrar à modernidade, sem negar nossas tradições e sem desprezar as conquistas tecnológicas e as experiências de vanguarda da contemporaneidade. A nossa melhor arte será aquela que melhor traduzir a nossa diversidade e complexidade cultural e recriar a nossa herança de humanidade.

Não podemos dar um salto no futuro sem os pés firmes no nosso próprio chão. Não existe futuro sem a certeza do presente e o reconhecimento do passado. Não falo aqui de passado idealizado ou dos clichês nacionalistas que anulam a diversidade cultural e elegem-se como emblemas hegemônicos e autoritários. Superamos a modernidade e, na convivência de todas as culturas e de todos os tempos históricos, revelamos os tesouros dos sambaquis imaginários da humanidade. Somos a pós-modernidade que se abre como um moitará de bens simbólicos. Não somos uma “aldeia global”, mas uma “aldeia de encontros”, uma comunidade de destino, aberta à diversidade e à reciprocidade com todas as outras aldeias e comunidades do planeta. É este o audiovisual que precisamos conquistar e, com ele, ocuparmos um espaço decisivo nas telas de cinema e das TVs (abertas, por cabo ou digitais) do nosso país sem, no entanto, fecharmo-nos para as manifestações mais legítimas e mais profundas de outros povos e de outras nações. Precisamos pensar o nosso país como espaços de encontros e as nossas culturas como sentimentos em trânsito, vencendo fronteiras e preconceitos. São muitos países dentro de um país. São muitas nações dentro de uma nação. São muitas as culturas e as contradições que constroem uma “cultura” dita nacional. Brasil quer dizer plural, e brasileiro, em construção.

Nestes últimos dois anos, apoiamos as reformas da Lei Rouanet, conforme o projeto original debatido pelo povo, em consultas públicas em todas as regiões do País. Ajudamos na articulação para a criação do Fundo de Inovação Tecnológica e Audiovisual da SAV, voltado para o cinema experimental e autoral, a difusão, a preservação e a pesquisa. Apoiamos, ainda, com a Secretaria de Políticas Culturais, a nova Lei do Direito Autoral, que traz conquistas importantes para a cultura do povo brasileiro, sobretudo o reconhecimento do Direito do Público. Apoiamos a ampliação, já em processo de implementação pela ANCINE, do parque nacional de exibição com a rede de cinemas populares, por meio do programa “Mais Cultura”. A ANCINE e a SAV, muito já fizeram, mas continuam com a missão de diminuir ainda mais as desigualdades regionais e colaborar com planos de desenvolvimentos da produção audiovisual nas diversas regiões do País, por meio de novos arranjos produtivos, objetivando um diálogo que consideremos positivo.

Neste processo diversificado e rico, em seus acertos e suas contradições, reconhecemos o que os outros fizeram e, por isso mesmo, deveríamos também citar o que nós mesmos fizemos e penitenciar os leitores com um longo rosário de realizações do CBC nesta atual gestão. Não faremos isto. Aqui, basta-nos dizer que estendemos a presença do CBC em todo o território nacional, inclusive no Norte e Nordeste, regiões, muitas vezes, marginalizadas nos processos de desenvolvimento, e conseguimos inserir a entidade em um amplo painel de discussões no Brasil e na latino América e Caribe.

Realizamos, agora, o 8º Congresso Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, com a participação de todas as entidades, sejam elas filiadas ou não ao CBC, em Porto Alegre, em comemoração aos 10 anos do III Congresso Brasileiro de Cinema, que foi um acontecimento marcante do cinema nacional. O lema deste congresso é “repactuando o cinema brasileiro”, e a sua filosofia mais ampla parte do reconhecimento de que todos os povos têm direito a suas próprias imagens, à reciprocidade e à universalização dessas imagens.

Rosemberg Cariry, presidente do CBC – Congresso Brasileiro de Cinema

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CBC lança em Gramado o 8º Congresso

Com o tema “O que nos separa já sabemos, mas o que nos une?”,
o evento será realizado de 12 a 15 de setembro, em Porto Alegre (RS).
No último dia 11 de agosto, durante o 38º. Festival de Cinema de Gramado, aconteceu o lançamento oficial do 8º. Congresso Brasileiro de Cinema e Audiovisual. tendo como tema “O que nos separa já sabemos, mas o que nos une?

O Congresso deste ano, que será realizado no próximo mês de setembro, em Porto Alegre, visa articular e agregar uma discussão ampla entre os mais diversos segmentos do audiovisual brasileiro.

Profissionais e especialistas de todo o Brasil, analisarão e debaterão temas como produção, infraestrutura, film comission, coproduções internacionais, pesquisa, preservação, crítica, políticas públicas, novas mídias, convergência, exibição, direitos autorais e direitos do público, formação, etc.

“Será sem dúvida nenhuma a grande discussão ampla e agregadora das diversas cadeias e segmentos que abrangem o audiovisual em seus aspectos mais amplos. Abrindo-se a palavra audiovisual como guarda-chuva para abrigar a produção de filmes, vídeos, desenhos animados, programas e seriados de TV, jogos eletrônicos, softwares, músicas, conteúdo para telefonia móvel e para todas as convergências digitais, em trânsito, na revolução tecnológica contemporânea”, afirmou o cineasta Rosemberg Cariry, presidente do CBC. “Destas discussões sairão propostas e diretrizes que certamente nortearão a atividade para os próximos anos” concluiu

O evento contou ainda com a participação da Diretora Financeira do CBC, Edina Fujii; do Diretor de Articulação e Comunicação, João Baptista Pimentel Neto; do Diretor Executivo, Cícero Aragón e do Diretor de Projetos e Captação de Recursos, Antonio Leal.

É significativo o fato do 8º. Congresso Brasileiro de Cinema e Audiovisual deste ano ser realizado em Porto Alegre. Isto porque em 2010 comemoram-se exatos 10 anos da realização do 3º. Congresso, que foi um marco histórico da integração dos profissionais e das diretrizes do setor, evento este realizado justamente na capital gaúcha.

Sob o tema “O que nos separa já sabemos, mas o que nos une?”, o 8º. Congresso Brasileiro de Cinema e Audiovisual abre suas discussões a todos os interessados, associados ou não ao CBC, sem restrições. .

Foi anunciado ainda, que o evento terá como Presidente de Honra o cineasta Nelson Pereira dos Santos, um dos nomes mais respeitados, premiados e reverenciados da cinematografia brasileira.

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