O mundo se agita, e o Brasil é um país importante neste mundo em convulsão. Já não somos apenas consumidores passivos de bens tangíveis ou intangíveis, impostos pelos mercados hegemônicos. As entidades, as ONGs, os movimentos sociais e de cidadania proclamaram que o modelo de globalização imposto não trouxe o progresso e o desenvolvimento prometidos. Pelo contrário, elevou os índices de pobreza e fez aumentar as desigualdades sociais e a violência. Perceberam também que, hoje, a grande guerra que se trava não é com mísseis e canhões, mas é por meio de cabos e satélites. Resistir é preciso. Afinal, também temos o nosso capital simbólico, a diversidade cultural do povo brasileiro.
A cultura brasileira, a partir dos povos originais e transplantados, é herdeira das principais culturas do mundo (européias, ibéricas, mediterrâneas, orientais, africanas, ameríndias e orientais…) e, por isso, traz em si um projeto de universalidade. O Brasil tem encontro marcado com as culturas dos povos do planeta. No Brasil, ensaia-se um novo processo civilizatório capaz de renovar o mundo, pela convivência do múltiplo e pela afirmação das convergências. O filme brasileiro capaz de “aparecer” no mundo, ou mesmo de conseguir um pequeno nicho de mercado setorizado, é o filme que tenha características culturais originais sem deter-se em um regionalismo fechado ou no folclorismo. Daí a necessidade de lapidarmos os diamantes dos arquétipos, trabalharmos com as heranças milenares herdadas dos povos transplantados, doadas pelos povos autóctones e reinventadas pelos povos mestiços. Podemos ser agentes de um novo processo civilizatório, com profundo respeito e integração dos povos originais. Podemos nos integrar à modernidade, sem negar nossas tradições e sem desprezar as conquistas tecnológicas e as experiências de vanguarda da contemporaneidade. A nossa melhor arte será aquela que melhor traduzir a nossa diversidade e complexidade cultural e recriar a nossa herança de humanidade.
Não podemos dar um salto no futuro sem os pés firmes no nosso próprio chão. Não existe futuro sem a certeza do presente e o reconhecimento do passado. Não falo aqui de passado idealizado ou dos clichês nacionalistas que anulam a diversidade cultural e elegem-se como emblemas hegemônicos e autoritários. Superamos a modernidade e, na convivência de todas as culturas e de todos os tempos históricos, revelamos os tesouros dos sambaquis imaginários da humanidade. Somos a pós-modernidade que se abre como um moitará de bens simbólicos. Não somos uma “aldeia global”, mas uma “aldeia de encontros”, uma comunidade de destino, aberta à diversidade e à reciprocidade com todas as outras aldeias e comunidades do planeta. É este o audiovisual que precisamos conquistar e, com ele, ocuparmos um espaço decisivo nas telas de cinema e das TVs (abertas, por cabo ou digitais) do nosso país sem, no entanto, fecharmo-nos para as manifestações mais legítimas e mais profundas de outros povos e de outras nações. Precisamos pensar o nosso país como espaços de encontros e as nossas culturas como sentimentos em trânsito, vencendo fronteiras e preconceitos. São muitos países dentro de um país. São muitas nações dentro de uma nação. São muitas as culturas e as contradições que constroem uma “cultura” dita nacional. Brasil quer dizer plural, e brasileiro, em construção.
Nestes últimos dois anos, apoiamos as reformas da Lei Rouanet, conforme o projeto original debatido pelo povo, em consultas públicas em todas as regiões do País. Ajudamos na articulação para a criação do Fundo de Inovação Tecnológica e Audiovisual da SAV, voltado para o cinema experimental e autoral, a difusão, a preservação e a pesquisa. Apoiamos, ainda, com a Secretaria de Políticas Culturais, a nova Lei do Direito Autoral, que traz conquistas importantes para a cultura do povo brasileiro, sobretudo o reconhecimento do Direito do Público. Apoiamos a ampliação, já em processo de implementação pela ANCINE, do parque nacional de exibição com a rede de cinemas populares, por meio do programa “Mais Cultura”. A ANCINE e a SAV, muito já fizeram, mas continuam com a missão de diminuir ainda mais as desigualdades regionais e colaborar com planos de desenvolvimentos da produção audiovisual nas diversas regiões do País, por meio de novos arranjos produtivos, objetivando um diálogo que consideremos positivo.
Neste processo diversificado e rico, em seus acertos e suas contradições, reconhecemos o que os outros fizeram e, por isso mesmo, deveríamos também citar o que nós mesmos fizemos e penitenciar os leitores com um longo rosário de realizações do CBC nesta atual gestão. Não faremos isto. Aqui, basta-nos dizer que estendemos a presença do CBC em todo o território nacional, inclusive no Norte e Nordeste, regiões, muitas vezes, marginalizadas nos processos de desenvolvimento, e conseguimos inserir a entidade em um amplo painel de discussões no Brasil e na latino América e Caribe.
Realizamos, agora, o 8º Congresso Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, com a participação de todas as entidades, sejam elas filiadas ou não ao CBC, em Porto Alegre, em comemoração aos 10 anos do III Congresso Brasileiro de Cinema, que foi um acontecimento marcante do cinema nacional. O lema deste congresso é “repactuando o cinema brasileiro”, e a sua filosofia mais ampla parte do reconhecimento de que todos os povos têm direito a suas próprias imagens, à reciprocidade e à universalização dessas imagens.
Rosemberg Cariry, presidente do CBC – Congresso Brasileiro de Cinema